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Cardiologia21 maio 2024

Consumo de sódio e água na insuficiência cardíaca

Estudos que testaram restrição hídrica são muito variáveis e nenhum mostrou redução de mortalidade ou internação por insuficiência cardíaca.

Pacientes com insuficiência cardíaca (IC) têm alterações no sistema nervoso simpático, no sistema renina angiotensina aldosterona (SRAA), no eixo da vasopressina e nas vias de natriurese, geralmente desencadeadas por um evento cardíaco inicial. 

Essas alterações levam a aumento da retenção de sódio e líquido e são o que baseia as orientações de restrição de seu consumo por pacientes com IC. Abaixo seguem os principais pontos de um consenso publicado recentemente sobre o assunto.   

Veja também: Balão intra-aórtico (BIA): dispositivo para choque cardiogênico

Homem com quadro de insuficiência cardíaca levando a mão ao peito

Fisiologia normal 

O sódio é essencial e tem papel central em diversos processos fisiológicos. Uma parte está nos ossos, 10% estão no compartimento extracelular e os 60% restantes no líquido extracelular (plasma e fluido intersticial).

É o eletrólito extracelular dominante, que determina a osmolaridade sérica e o volume extracelular. Sua distribuição é regulada pelo consumo de sal e água, produção de água pelo metabolismo e respostas a mudanças fisiológicas ou patológicas. 

O consumo médio de cloreto de sódio, a maior fonte de sódio da dieta, é de 4g/dia, equivalente a 10g de sal. O trato gastrointestinal (TGI), principalmente o intestino delgado, é responsável por absorver sódio e água.

Existem transportadores de sódio chaves na borda em escova do intestino, como o NHE3 e SGLT1 e sua contribuição é diferente nos períodos pós-prandial e interprandial. Já a água segue o movimento passivo, por osmose. Os níveis séricos de sódio e a osmolaridade aumentam após 30 minutos do consumo oral.  

A homeostase de líquidos é controlada por dois mecanismos principais: o centro da sede no hipotálamo (desencadeia a liberação de vasopressina da hipófise em resposta a aumento da osmolaridade e/ou queda da pressão arterial) e o SRAA (contribui com a manutenção de um volume circulatório efetivo constante, pela modulação dos níveis de sódio). 

Aumentos mesmo pequenos da osmolaridade levam o rim a reter água. As veias esplâncnicas retêm 25% do volume de sangue, essencial para manter a pré-carga e é influenciada pelas vias neuro-hormonais.

Parte do sódio e fluidos absorvidos do TGI drenam dos capilares para o interstício e tecidos por meio das pressões oncótica e hidrostática. Ainda, há influência de glicosaminoglicanos e o sistema linfático, responsável por levar o fluido intersticial de volta para os vasos.  

Sódio e balanço hídrico  

O sódio é filtrado livremente pelos glomérulos e maior parte é reabsorvida pelos túbulos renais, sendo <1% excretada na urina. A concentração urinária de sódio é menor que a concentração sérica, principalmente nos pacientes com ativação dos sistemas neuro-hormonais, como os com IC. Assim, água é necessária para excretar sódio na urina.  

A autorregulação mantém a taxa de filtração glomerular em limites estreitos, por meio da resistência arteriolar. O feedback tubuloglomerular regula a filtração mantendo uma carga constante de cloreto nas células da mácula densa ao final da alça ascendente de Henle.

Aumento na concentração de cloreto leva a vasoconstrição da arteríola aferente e diminui a liberação de renina, que leva a menor efeito vasoconstritor da angiotensina II na arteríola eferente.  

O glomérulo e os túbulos atuam em conjunto para manter uma quantidade constante de ultrafiltrado isosmótico que será processado em regiões mais distais. Os túbulos distais reabsorvem 10% do total de sódio e são regulados pelo fluxo tubular, níveis de aldosterona e vasopressina. 

A excreção de grande quantidade de água depende de absorção de sódio e cloreto nos segmentos distais e supressão da vasopressina para prevenir a reabsorção de água livre nos ductos coletores. O corpo humano consegue produzir uma quantidade mínima de urina de 500ml ao dia e máxima de 20L em situações extremas.   

Leia ainda: Como manejar o potencial doador de órgãos no CTI? 

Manejo de sódio e fluidos em pacientes com IC 

Em pacientes com IC, o intestino está mais susceptível à congestão e shunt de sangue oxigenado em direção à base do volus, o que resulta em mal absorção e facilita isquemia.  

Venoconstrição transitória, por estímulo simpático, leva à redistribuição do sangue do leito esplâncnico para a circulação, o que contribui para o aumento das pressões de enchimento. A IC também leva à alteração estrutural do linfático e aumento do fluxo no ducto torácico, porém esse sistema se torna insuficiente e ocorre aumento da sobrecarga de volume no interstício. 

A ativação neuro-hormonal e redução da perfusão renal contribuem para a redução da TFG. O aumento da fração de filtração observado e aumento das pressões venosas levam a aumento da pressão oncótica capilar peritubular que facilita a reabsorção de sódio e água. Isso reduz o sódio que chega ao néfron distal, alterando a capacidade dos túbulos renais de regular a concentração da urina.  

Angiotensina II induz vasoconstrição, aumenta a resistência nas arteríolas eferentes mais que nas aferentes, induz contração celular mesangial e níveis aumentados de aldosterona e endotelina. Vasopressina prejudica a produção de urina diluída por alteração nos canais de aquaporina 2. Isso leva a aumento do volume de fluido corporal total, menor osmolaridade e hiponatremia dilucional.  

Efeitos do tratamento 

O mecanismo descrito acima, em pacientes com IC sem tratamento, leva à retenção de sódio e água. A avidez dos pacientes pelo sódio está aumentada no início da IC, porém o mecanismo de manutenção da homeostasia do sódio parece estar preservado nos pacientes com IC compensados e estáveis.  

A restrição intensa parece prejudicar o consumo de outros componentes necessários da dieta, levando à redução do consumo de calorias, sede persistente e aumento paradoxal de renina, além de aumento da ativação do sistema nervoso simpático. A aderência à restrição de sódio geralmente é baixa e questiona-se se ainda deve ser recomendada. 

Há poucos estudos que avaliaram consumo de líquidos no contexto de IC. Estudos que testaram restrição hídrica são muito variáveis e nenhum mostrou redução de mortalidade ou internação por IC.  

IC aguda 

Pacientes com IC aguda randomizados para restrição hídrica e de sódio ou consumo liberal não tiveram diferença nos resultados: não houve diferença na dose de diuréticos necessários, na alteração de peso ou na estabilidade clínica após três dias.

Avaliação apenas de restrição hídrica também não mostrou diferença na IC descompensada, porém a diferença no consumo foi muito pequena entre os grupos (392ml/dia). 

Pacientes hiponatrêmicos podem ter algum benefício em qualidade de vida, porém a sede é muito frequente, assim como xerostomia, paladar alterado, pele seca e com prurido.  

Paradoxalmente, alguns estudos sugerem que a sobrecarga salina junto aos diuréticos pode facilitar a diurese e descongestão, sendo o embasamento para utilização de salina hipertônica em caso selecionados.  

IC crônica 

Estudos nesse contexto são poucos e consumo < 1,5L não teve benefício comparado a consumo liberal em pacientes que receberam alta com restrição hídrica, porém é muito difícil conseguir aderência a esta medida. Há um estudo em andamento, que vai avaliar consumo restritivo ou liberal por 3 meses em pacientes com IC classe II ou III. 

A maioria dos estudos que avaliaram o consumo de sódio não mostraram diferença em mortalidade ou internação, porém um grande estudo mostrou alguma melhora em qualidade de vida. 

Alguns estudos observacionais indicam que pacientes em uso de diuréticos, em classe III ou IV, têm menor procura ao hospital, readmissões e mortalidade quando ingerem menos sódio e alguns sugerem que pacientes com sódio urinário baixo e eficácia diurética reduzida têm maior risco de internação e mortalidade.  

Recomendações 

As diretrizes do ESC de 2021 recomendam evitar consumo de grande quantidade de líquido. Tanto para IC aguda quanto crônica, a necessidade diária varia a depender da temperatura, umidade e perda pelo TGI. 

Pacientes com IC crônica não parecem ter prejuízo com consumo mais liberal (2,5-3L ao dia) e pacientes com IC aguda podem ter benefício de estratégia mais restritiva (1-1,5L), sendo que o objetivo no último caso é alcançar balanço hídrico negativo. 

Em relação ao sal, recomenda-se limitar o consumo em até 5g/dia e isso pode ser alcançado com restrição de comidas processadas ou com alto teor de sódio. Quando há IC crônica o objetivo é o consumo até 5g/dia com objetivo de manter balanço neutro de sódio.

Já nos pacientes com IC aguda, estratégia liberal pode não ser tolerada. Importante ressaltar que restrição extrema pode ser deletéria e deve ser evitada.  

Leia mais: Como utilizar antiplaquetários e anticoagulantes na síndrome coronariana aguda

Comentários e conclusão 

Estudos que avaliam o impacto do sódio em desfechos de pacientes com insuficiência cardíaca, principalmente nos de alto risco, assim como nos que fazem uso de altas doses de diuréticos de alça ainda são limitados e inconsistentes.  

Mais estudos são necessários para determinar quais pacientes teriam benefício dessa medida, assim como identificar efeitos potenciais do consumo de sal na resposta aos diuréticos. 

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Referências bibliográficas

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