Manejo da congestão na IC: papel da acetazolamida e da dosagem do sódio urinário
O manejo da congestão em pacientes com insuficiência cardíaca (IC) é baseado no uso de diuréticos de alça endovenosos. Poucos estudos randomizados avaliaram seus efeitos e o DOSE-AHF mostrou que mesmo com uso de altas doses de diurético, apenas 18% dos pacientes não tinham mais sinais de congestão após três dias.
Estratégias mais efetivas são necessárias, já que congestão é a principal causa de internação em pacientes com IC. Recentemente, o estudo ADVOR avaliou a ausência de sinais de congestão em 72 horas como desfecho primário com uso de acetazolamida comparado ao placebo em pacientes que já estavam em uso de furosemida endovenosa. Houve aumento da chance de resolução da congestão em 11,7% e a acetazolamida levou a aumento do débito urinário e da natriurese.
Foi feita então uma análise que avaliou o impacto da acetazolamida na natriurese e sua associação com variáveis clínicas, alívio da congestão e desfechos clínicos na IC descompensada.
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Métodos do estudo
Foi uma análise pré-especificada do estudo ADVOR, que foi multicêntrico, randomizado, duplo cego, placebo controlado e comparou acetazolamida na dose de 500mg via endovenosa 1x ao dia e placebo em pacientes com IC, sinais de congestão e que já estavam em uso de furosemida.
O desfecho primário de resolução da congestão em 72 horas foi mais alcançado no grupo intervenção e pacientes desse grupo tiveram maior débito urinário e natriurese, melhora mais rápida dos sinais de congestão e alta com média 1 dia mais cedo. Não houve diferença de mortalidade ou reinternação por IC no seguimento de 3 meses.
Os pacientes do estudo coletaram exame de urina em 2 momentos: entre a primeira administração da medicação e a avaliação clínica do primeiro dia e próxima a avaliação da segunda manhã. A natriurese foi avaliada de três formas: excreção urinária de sódio (NaU), fração excretada de sódio (FENa) e excreção de sódio total. Os pacientes foram divididos em grupos, a partir do valor do NaU: < 50mmol/L (pouca resposta a diurético), 50-79mmol/L (resposta reduzida), 80-99mmol/L (boa resposta) e ≥ 100mmol/L (excelente resposta a diurético).
A congestão foi avaliada por um escore de congestão que variou de 0 a 10 pontos, sendo até quatro pontos obtidos pela presença de edema, até três pontos pela presença de derrame pleural e até três pontos pela presença de ascite. Resolução da congestão era caraterizada por escore 0 ou 1.
Resultados
Foram analisados dados de 492 pacientes (89%) do estudo ADVOR, que tinham dados de exame de urina disponíveis. O NaU médio foi 92 ± 25 mmol/L e o sódio total foi 425 ± 234 mmol/L. Comparando os grupos, tanto o NaU (98 ± 24 mmol/L x 86 ± 25 mmol/L, p < 0,001) quanto o total (476 ± 229 mmol/L x 375 ± 229 mmol/L, p < 0,001) foram maiores no grupo acetazolamida, que também teve maior FENa e débito urinário.
Pacientes alocados no grupo acetazolamida tiveram valores de NaU 16 mmol/L e sódio total 115 mmol/L mais alto. Preditores de menor impacto foram sexo masculino, PA mais alta, maiores níveis de taxa de filtração glomerular e de sódio sérico. A dose de diurético de alça foi associada a maior NaU, porém não influenciou a natriurese total.
Pacientes com maiores níveis de NaU tiveram resolução da congestão mais rapidamente, já na primeira manhã após a randomização. A resolução da congestão foi maior conforme o nível de NaU aumentou, sendo de 8% no grupo com NaU < 50 mmol/L e 45% no grupo NaU ≥ 100 mmol/L nas primeiras 72 horas e 44% e 73%, nos respectivos grupos, na alta.
Pacientes com NaU mais alto tiveram tempo de internação menor, sendo 12,5 dias quando NaU < 50 mmol/L e 8 dias quando NaU ≥ 100 mmol/L. Maior natriurese total também teve relação com alta mais precoce.
A cada 10 mmol/L de aumento do NaU houve redução do desfecho combinado de mortalidade e re-internação hospitalar em 8% (HR: 0,92; IC 95%: 0,85-0,99). Dos pacientes do grupo acetazolaminda, 80,5% tiveram boa ou excelente resposta a diurético, enquanto no grupo placebo essas respostas foram encontradas em 65,8% (p < 0,001).
Comentários
Esta análise mostrou o impacto do diurético acetazolamida na natriurese de pacientes com IC descompensada e sua relação com a resolução da congestão e desfechos clínicos.
O tratamento da IC com diuréticos produz urina hipotônica e resulta em maior remoção de água comparado a sódio e isso pode ajudar a explicar por que as estratégias de tratamento acabam não sendo tão efetivas em reduzir o volume plasmático por tempo mais prolongado. A acetazolamida aumenta a resposta diurética, levando mais sódio a alça de Henle e ajudando a “quebrar” o sistema neuro-humoral, o que leva a um forte efeito natriurético quando usado em associação a diuréticos de alça. Isso também explica por que o efeito da acetazolamida se manteve e foi, inclusive maior, na alta do paciente, quando comparado às primeiras 72 horas.
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Conclusão e mensagem prática
Os resultados comentados aqui reforçam o benefício do uso da acetazolamida junto a diuréticos de alça (furosemida) e sugerem que a medida de NaU possa ser um bom parâmetro para futuros estudos que avaliam resolução da congestão, assim como um alvo do tratamento da IC, já que é medida simples de obter, objetiva e parece se relacionar a resolução da congestão e desfechos clínicos.
Importante ressaltar que a medicação foi utilizada logo no início do tratamento e não como terapia de resgate em caso de falha com diurético de alça. Outro ponto importante de ressalva é que esta foi uma análise post-hoc, ou seja, com resultados exploratórios e geradores de hipóteses, com objetivo de entender melhor os resultados do estudo principal. Assim, são necessários mais estudos para confirmar esses resultados.
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