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Cardiologia23 maio 2024

A ecocardiografia na predição de fluido-responsividade

Existem situações em que a necessidade de expansão volêmica é óbvia, de modo a dispensar avaliações pormenorizadas da fluido-responsividade.
Por Leandro Lima

A predição de fluido-responsividade, definida pela capacidade de converter a expansão volêmica em débito cardíaco, é uma tarefa extremamente importante no tratamento de pacientes críticos

Existem situações em que a necessidade de expansão volêmica é óbvia, de modo a dispensar avaliações pormenorizadas da fluido-responsividade, como na fase precoce do choque séptico ou diante de sinais claros de desidratação ou choque hemorrágico.

Veja também: Balão intra-aórtico (BIA): dispositivo para choque cardiogênico

Entretanto, em outros cenários, podem surgir dúvidas quanto ao potencial benefício ou eventual malefício da expansão volêmica adicional, como nos exemplos a seguir:

Cenário 1

Na sepse, a dependência persistente do suporte vasopressor após a expansão volêmica habitual (30 a 40 mL/kg) pode ser contornada com a administração adicional de cristaloides?

Cenário 2

Na miocardiopatia da sepse, a administração adicional de fluidos será útil no manejo hemodinâmico ou mais provavelmente trará complicações, como agravamento da congestão venocapilar pulmonar e piora da troca gasosa?

Cenário 3

Na insuficiência de ventrículo direito com colapso hemodinâmico, a administração de fluidos será benéfica ou trará malefícios por aumento da interdependência interventricular e consequente piora do débito cardíaco?

A ultrassonografia à beira do leito (POCUS), enquanto ferramenta de avaliação funcional, dinâmica e não invasiva, tem sido cada vez mais utilizada com esse propósito, permitindo a realização de inferências sobre o impacto clínico da expansão volêmica em vários contextos, o que é particularmente relevante entre os pacientes mais lábeis, com baixo potencial de tolerância à intervenção, como é o caso dos hipoxêmicos graves.

Quais elementos de fluido-responsividade, a ecocardiografia pode nos fornecer?

A estimativa do débito cardíaco pode ser realizada de forma não invasiva pelo cálculo da integral velocidade-tempo (VTI) na válvula aórtica à janela apical cinco câmaras.

Os pré-requisitos para a análise incluem a presença de ritmo sinusal, com bom alinhamento da gaiola do doppler com o sentido do fluxo sanguíneo na via de saída do ventrículo esquerdo (VE) e bom envelopamento do fluxo aórtico.

Quando a expansão volêmica deve ser encorajada?

Os dados ecocardiográficos sugestivos de fluido-responsividade incluem:
  • Fenômeno de kissing-walls, ou seja, ocorrência de aproximação das margens endocárdicas apostas do VE durante a sístole, indicativa de circulação hiperdinâmica, especialmente quando a área diastólica final do VE é inferior a 5 cm²/m²;
  • Diâmetro expiratório final da veia cava inferior (VCI) < 10 mm, geralmente associado com uma pressão venosa central reduzida;
  • Redução do diâmetro da veia cava superior (VCS) > 31% ou o seu colapso inspiratório durante a ventilação mecânica, avaliada à ecocardiografia transesofágica.

Leia ainda: Como manejar tempestade elétrica?

Quando não prosseguir com a expansão volêmica?

Os achados ecocardiográficos que apontam para a ausência de benefícios da expansão volêmica incluem:
  • Dilatação acentuada do ventrículo direito (VD), com relação VD/VE > 1, com ou sem a movimentação paradoxal do septo interventricular.
  • Diâmetro expiratório final da VCI > 25 a 27 mm, refletindo a presença de congestão venosa sistêmica com risco de redução da pressão de perfusão renal e hepática com a expansão volêmica adicional, agravando as disfunções orgânicas;
  • Choque cardiogênico, no contexto de redução da fração de ejeção do VE (FEVE), quando há sinais de que a pressão de enchimento está aumentada no VE, como relação E/A > 1,8 e E/E’ > 15.
A dopplerfluxometria transvalvar mitral, com posicionamento da gaiola (2 traços paralelos) sobre o jato direcionado ao VE a partir do átrio esquerdo, resulta em duas ondas positivas durante a diástole: a 1ª onda (sinalizada pelo número 1) ocorre na fase de enchimento precoce e é denominada onda E; a 2ª onda (sinalizada pelo número 2) é gerada pela contração atrial e é denominada onda A. A relação E/A acima de 1,8 é preditora de pressões de enchimento aumentadas no VE.
O doppler tecidual corresponde ao estudo não mais do fluxo sanguíneo, mas da movimentação da musculatura miocárdica. Dessa forma, a diástole passa a ser representada como ondas negativas, uma vez que a musculatura do anel mitral septal e lateral passa a se afastar do probe durante o enchimento do VE. As duas deflexões negativas, em correspondência com as ondas E e A da dopplervelocimetria, são aqui denominadas ondas E’ e A’. A relação E/E’ > 15 média (septal e lateral) é preditora de pressões de enchimento aumentadas no VE.

A zona cinzenta

Os achados ecocardiográficos limítrofes podem ser indicativos de expansão volêmica mais liberal em pacientes com troca gasosa adequada ou estratégias mais restritivas entre os pacientes hipoxêmicos.
A fluido-responsividade é mais provável diante dos seguintes achados:
  • Variações mais acentuadas do diâmetro da VCS durante o ciclo respiratório;
  • Aumento da velocidade aórtica máxima durante a inspiração, demonstrando a dependência do débito cardíaco atrelada à pré-carga;
  • Elevação passiva dos membros inferiores por 1 minuto ou prova com pequenas alíquotas de volume (por exemplo, 100 mL de cristaloides) resultando em aumento do VTI aórtico ≥ 10%.

Cuidados importantes na utilização do método

As principais ressalvas que devemos ter em mente diante do uso mais abrangente do ECOTT à beira leito são a necessidade de treinamento e supervisão, evitando erros na aquisição e interpretação das imagens; a premissa de enquadrar os dados obtidos sob uma perspectiva abrangente, tratando o paciente, e não o exame; e o reconhecimento da incapacidade do método de fornecer informações sobre a perfusão de órgãos-alvo.

Conclusão e mensagens práticas

  • A análise de fluido-responsividade é útil no refinamento da fluidoterapia entre doentes críticos.
  • A ultrassonografia à beira leito (POCUS) não acrescenta em termos de conduta entre pacientes com indicações óbvias de expansão volêmica, como nas fases precoces do choque séptico, desidratação franca ou choque hemorrágico.
  • A avaliação ecocardiográfica torna-se mais importante antes da expansão volêmica em pacientes lábeis, como os hipoxêmicos graves, e em situações particulares, a exemplo do choque séptico, miocardiopatia da sepse e insuficiência do ventrículo direito.
  • Os parâmetros indicativos de fluido-responsividade incluem o kissing-walls do ventrículo esquerdo (VE), diâmetro expiratório final da veia cava inferior (VCI) < 10 mm e redução do diâmetro da veia cava superior > 31%.
  • Os parâmetros que demonstram um baixo potencial de fluido-responsividade incluem dilatação acentuada do ventrículo direito, diâmetro expiratório final da VCI > 25 a 27 mm e choque cardiogênico com evidências de pressão de enchimento aumentadas no VE.
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Referências bibliográficas

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