Como manejar tempestade elétrica?
Recentemente foi publicado um documento sobre o manejo da tempestade elétrica, forma de arritmia grave que deve ser tratada rapidamente. Abaixo seguem os principais pontos deste documento.
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Definição
Tempestade elétrica (TE) é definida como três ou mais episódios de arritmias ventriculares sustentadas em 24 horas, com diferença de pelo menos 5 minutos entre elas e com necessidade de intervenção para resolução. Na maior parte das vezes ocorre a taquicardia ventricular monomórfica sustentada (TVMS).
Incidência
A maioria dos pacientes tem doença cardíaca estrutural e frequentemente já possui cardioversor desfibrilador implantável (CDI). A TE ocorre em 10% a 30% dos pacientes com CDI para prevenção secundária e a ocorrência de múltiplos choques resulta em alterações psicológicas importantes e está associada à insuficiência cardíaca (IC) e à maior mortalidade. A incidência é menor nos casos de prevenção primária.
A mortalidade na TE é 2,5 vezes maior comparado a pacientes com episódios esporádicos de taquicardia ventricular (TV) e 3,3 vezes maior comparado aos com TV não sustentada.
Fisiopatologia
O mecanismo varia a depender da doença estrutural ou elétrica de base. No geral, é necessário que existam três fatores concomitantes: um coração vulnerável, um gatilho ou fator externo precipitante e alteração do sistema nervoso autonômico simpático. Também pode haver predisposição genética.
Nos pacientes com doença cardíaca estrutural, o substrato para arritmia costuma ser relacionado a áreas de fibrose. Geralmente esses pacientes são mais idosos, do sexo masculino, com fração de ejeção (FE) menor, IC avançada e maior quantidade de comorbidades.
Em relação às doenças primárias do sistema elétrico, todas as arritmias herdadas têm risco significativo de morte súbita em decorrência de arritmia ventricular.
Nos pacientes com Qt longo, torsade de points é a arritmia característica e o estímulo adrenérgico é genótipo específico: no tipo 1 a maioria dos eventos é induzida por exercício e no tipo 2 o gatilho pode ser acordar subitamente (como em decorrência de um barulho alto, por exemplo).
Na TV polimórfica catecolaminérgica (TVPC), o estímulo adrenérgico altera o fluxo de cálcio pelo receptor de rianodina e desencadeia a arritmia. Já na síndrome de Brugada e na síndrome de repolarização precoce, bradicardia, bloqueio adrenérgico, estímulo vagal ou febre são desencadeantes.
Fatores precipitantes ou gatilhos
Fatores externos incluem isquemia miocárdica, alteração eletrolítica, febre, hipotermia, alterações hormonais (hipertireoidismo), sepse, jejum, IC descompensada, estresse físico e emocional e má aderência medicamentosa. Porém, um gatilho é identificado na minoria dos casos.
Apresentação clínica
Os pacientes podem ser assintomáticos ou apresentar-se com palpitações, pré-síncope, síncope, instabilidade hemodinâmica ou até parada cardiorrespiratória (PCR). Ainda, pode haver piora de isquemia, choque cardiogênico e insuficiência renal, com piora da instabilidade.
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Avaliação inicial
Compreende anamnese com informações sobre antecedentes pessoais e familiares, uso de medicações (principalmente as de início ou aumento recente) e sintomas de início recente, avaliação dos sinais vitais e status hemodinâmico, seguida da avaliação de ritmo e monitorização do paciente.
O eletrocardiograma é obrigatório e pode já dar o diagnóstico: alterações isquêmicas, como supra ou infradesnivelamento do segmento ST, QT longo, padrão de Brugada ou sinais de hipocalemia.
Todos os pacientes devem ser avaliados em relação aos eletrólitos, hormônios tireoidianos, função renal e hepática, troponina e pode-se considerar exame toxicológico em casos específicos.
Ecocardiograma deve ser realizado em todos os pacientes e a coronariografia nos casos de infarto com supra de ST ou instabilidade hemodinâmica de causa isquêmica suspeita. Outros exames devem ser considerados caso a caso.
Tratamento
Em casos de instabilidade hemodinâmica, o atendimento deve seguir o recomendado pelo ACLS. A instabilidade pode persistir após a resolução da arritmia ventricular, tanto por recuperação lenta dos episódios de TV quanto por consequência dos múltiplos choques, principalmente nos pacientes com disfunção grave.
Caso o paciente evolua com parada cardiorrespiratória (PCR) e necessite de choque com desfibrilador externo, as pás devem ser colocadas a pelo menos 8cm do CDI e, se possível, na posição ântero-posterior.
Pacientes instáveis, porém conscientes, devem receber cardioversão elétrica (CVE) sincronizada após sedação e analgesia adequados. Quando a TV é bem tolerada, também deve ser resolvida rapidamente, com CVE, pois a deterioração pode ocorrer de forma muito rápida. Pode-se optar por tratamento farmacológico nos pacientes estáveis se o risco de sedação for muito alto.
A identificação da causa da arritmia é importante pois pode direcionar o tratamento e sempre é necessária avaliação do dispositivo, para entender se o choque foi apropriado ou não e para garantir uma adequada programação do CDI.
Caso não exista possibilidade de avaliação do aparelho de forma rápida e exista suspeita de mal funcionamento, um ímã sobre o dispositivo pode ajudar na suspensão da terapia de forma temporária.
Pacientes com choques recorrentes por TV sintomática podem precisar de sedação leve a moderada para melhor conforto, além de redução do tônus simpático. Em casos refratários pode ser necessária sedação profunda e ventilação mecânica.
Manejo farmacológico
O tratamento farmacológico agudo é baseado no uso de drogas antiarrítmicos, que varia a depender das características da arritmia e do paciente.
Pacientes com doença isquêmica devem ser tratados preferencialmente com betabloqueadores (BB), preferencialmente não seletivos, como propranolol. Um estudo randomizado avaliou o uso de amiodarona com propranolol e viu que a combinação é segura e eficaz e superior a combinação de amiodarona e metoprolol. Outras combinações também já foram testadas.
A amiodarona intravenosa controla a arritmia mais rapidamente que a amiodarona por via oral e os que já usam a medicação podem ter benefício de uma nova dose de ataque. Outras opções são procainamida e lidocaína e outras medicações vão depender da doença de base do paciente.
Pacientes com QT longo se beneficiam de BB e reposição de magnésio e potássio intravenosos. Isoproterenol pode ser usado no QT longo adquirido, mexiletina no QT longo congênito e marcapasso com frequência supranormal no QT longo adquirido e no congênito tipo 2. Antiarrítmicos de classe III devem ser evitados nesses casos.
Quando o estresse adrenérgico é um desencadeante, uma opção terapêutica é anestesia profunda e pacientes que evoluem com instabilidade hemodinâmica importante podem necessitar de suporte circulatório mecânico, como balão intraórtico e circulação extracorpórea.
Ablação por cateter pode ser uma opção na TV monomórfica refratária a tratamento medicamentoso na fase aguda e é indicada em todos os pacientes elegíveis para reduzir recorrência da tempestade elétrica. Nos pacientes estáveis pode ser realizada caso a arritmia se mantenha apesar de medicações para controle de ritmo e deve ser precoce se a arritmia for incessante ou recorrente apesar de medicação e sedação profunda.
Existem outras terapias que reduzem o tônus simpático e podem ser consideradas, como o bloqueio do gânglio estrelado, anestesia torácica epicadural (C7-T4), denervação cardíaca simpática cirúrgica ou por toracoscopia e denervação renal, mas essas são menos frequentes.
A colocação de um marcapasso com frequência cardíaca maior que a do paciente permite suprimir o foco da arritmia. Essa técnica pode ser utilizada no marcapasso definitivo ou com a colocação de um temporário.
Tratamento de longo prazo
Sem tratamento específico, a recorrência de tempestade elétrica é > 50% em pacientes com doença cardíaca isquêmica e esse risco é maior no primeiro ano. Preditores independentes de recorrência são FE do ventrículo esquerdo ≤ 30%, idade > 65 anos e tratamento de IC não otimizado. Fatores precipitantes conhecidos devem ser evitados.
Poucos estudos avaliaram medicações no longo prazo e geralmente são extrapoladas de estudos que avaliaram TV no geral. As de escolha são BB e amiodarona (de preferência associada a BB). Outras opções são sotalol, que deve ser usado com cautela em pacientes com IC e FE reduzida, e procainamida, porém esta pode ter efeitos colaterais graves.
No QT longo e TVPC a escolha também é por BB e outras medicações podem ser consideradas em casos específicos. Já na síndrome de Brugada a medicação não tem tanto benefício.
CDI está indicado para prevenção secundária de síncope arritmogênica no geral e a ablação por cateter pode ser uma alternativa ao tratamento antiarrítmico, principalmente se as medicações não são bem toleradas.
Saiba mais: Qual o papel da terapia de reposição estrogênica na prevenção de IC?
Comentários e conclusão
Essa revisão bastante completa nos mostra que os pacientes com tempestade elétrica devem ser tratados rapidamente, geralmente com medicação antiarrítmica na chegada. A causa da arritmia sempre deve ser avaliada, pois o tratamento pode variar a depender da etiologia e desencadeantes e se o paciente já tiver CDI, este sempre deve ser avaliado.
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