Neste Dia do Anestesiologista, vamos relembrar o papel da hipnose como coadjuvante para a anestesia que consiste, basicamente, na promoção de um estado onde há ausência das sensações – sejam elas dolorosas, táteis, visuais, sensitivas ou conscientes – por intermédio de medicações específicas.
Muitas vezes, é necessário mais de um tipo de fármaco para gerar uma anestesia completa, eficaz e satisfatória. A anestesia pode ser apenas local ou geral, onde há o “desligamento” completo do paciente.
A hipnose consiste no “controle da mente”, de forma autoinduzida ou auxiliada por terceiros, que permite uma desconexão com os estímulos externos e eleva a consciência a um estado de completo e total controle, promovendo analgesia, relaxamento e, em alguns casos, sedação. O “controle da mente” cria uma ilusão, que é reconhecida pelo cérebro como realidade, o chamado transe hipnótico.
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É importante enfatizar que o objetivo do uso da hipnose dentro do centro cirúrgico não é a substituição da anestesia por completo. Trata-se de uma ferramenta adjuvante, eficaz principalmente em procedimentos de pequeno porte e de curta duração. Além disso, o paciente deve estar aberto e sugestionável à técnica (estima-se que cerca de 25% dos pacientes adultos não são hipnotizáveis).
A técnica da hipnose na medicina
Em 1800, a técnica da hipnose começou a ser difundida por estudiosos da mente, porém sem ser direcionada ao controle da dor. Foi somente em 1845, na Índia, que começou a ser difundida pelo médico escocês James Easdale, durante procedimentos cirúrgicos para o alívio da dor nos pacientes. Relata-se que esse médico tenha realizado mais de três mil procedimentos, com sucesso, de hipnose em seus pacientes.
A hipnose age na zona do córtex cingulado anterior cerebral, diminuindo a sua atividade. Ela aumenta a conexão entre o córtex pré-frontal dorsolateral e a ínsula e diminuiu as conexões entre esse mesmo córtex e a rede neuronal. Todas essas ações permitem que haja uma diminuição da atenção ao que acontece ao nosso redor, aumenta o processamento e controle sob o corpo e promove a desconexão da consciência das nossas ações.
William Kroger, no livro Hipnose Clínica Experimental na Medicina, Odontologia e Psicologia, escreveu: “Na época em que a hipnose era o lugar comum para o controle da dor, anestesia era só uma curiosidade”. O uso da hipnose é tão antigo quanto a anestesia, mas foi, por muitos anos, deixado de lado pela Medicina, vindo a ser reestabelecida como adjuvante de tratamentos na Segunda Guerra Mundial.
Embora não seja muito difundida ainda nos dias de hoje, a técnica de hipnose está sendo cada vez mais utilizada em hospitais do Brasil e do mundo. Apesar de a dor não ser psicológica, e sim física, ela também acontece no cérebro. Com o “controle da mente”, é possível, de certa forma, “desligar” o cérebro e diminuir o uso de medicações.
O Royal College of Anesthetists in the United Kingdom (RCoA) publicou vários áudios com frases de autoindução e tem solicitado que esses áudios sejam difundidos no período pré-operatório em todos os pacientes que seriam submetidos a procedimentos cirúrgicos. O objetivo é diminuir o grau de ansiedade antes de o paciente entrar no centro cirúrgico e, consequentemente, diminuir o uso de medicações hipnóticas e sedativas.
Nos Estados Unidos, o uso da hipnose foi adiante, e hoje é utilizada também durante o procedimento cirúrgico em alguns centros. Vários estudos vêm demonstrando que o uso da hipnose antes e durante o procedimento atua na melhora da ansiedade pré-operatória, da analgesia pós-operatória e da ocorrência de náuseas e vômitos pós-operatórios, além de também diminuir o tempo de recuperação pós-operatória do paciente, levando a um menor tempo de internação e alta precoce.
Uma pesquisa realizada pelo psicólogo Guy Montgomery, no Hospital Monte Sinai em Nova Iorque, mostrou que, em pacientes em pré-operatório de câncer de mama, 15 minutos de hipnose antes da cirurgia promoveu mais analgesia, diminuiu as náuseas e vômitos e resultou em recuperação mais rápida no período pós-operatório.
O professor David Spiegel, do departamento de Psiquiatria e Ciências do Comportamento da Universidade de Standford, nos Estados Unidos, explica que, no contexto de um procedimento cirúrgico, o paciente sob hipnose foca a sua atenção para outro espaço que não seja o seu corpo, guiando o seu cérebro para outro lugar e filtrando a sensação de dor.
Uma vez que o foco não é mais o procedimento, tampouco o corpo, a sensação de dor e toque ficam fragmentadas.
Benefícios da hipnose no centro cirúrgico
- Diminuir a ansiedade pré-operatória e o consumo de agentes sedativos e hipnóticos;
- Diminuir a incidência de náuseas e vômitos no período pós-operatório;
- Aumentar a analgesia pós-operatória, diminuindo a necessidade de agentes analgésicos como os opioides;
- Auxiliar no parto natural;
- Alternativa para alguns casos de alergia medicamentosa;
- Promover recuperação pós-cirúrgica mais rápida com menor tempo de internação hospitalar.
Desvantagens do uso da hipnose
- Maior tempo de preparo do paciente;
- Nem todos os pacientes podem ser hipnotizados;
- Descrença e preconceito por uma parte da comunidade médica;
- Maior cuidado com a monitorização intraoperatória;
- Não deve ser utilizada em procedimentos mais complexos ou demorados.
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Mensagem final
Além de ser utilizada como coadjuvante anestésica, a hipnose também é bastante utilizada em pacientes com dor crônica, profilaxia de náuseas e vômitos pós-cirúrgicos ou tratamentos quimioterápicos, controle do tabagismo e alcoolismo.
Apesar de a hipnose ter ganhado mais respeito na classe médica mundial, ela ainda não é tão difundida e estabelecida de forma prática e abundante. Porém, é muito utilizada como terapia complementar em tratamentos, como visitas pré-anestésicas e exames de imagens em pacientes com aversão a lugares apertados, ganhando cada vez mais adeptos a essa técnica.
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