Os déficits neurológicos transitórios (DNT) pós-raquianestesia são complicações raras, porém clinicamente relevantes, com alterações motoras, sensitivas ou autônomas, que podem ocorrer após a administração da anestesia subaracnóidea, e que na maioria dos casos são benignas com auto resolução em horas ou dias, não causando sequelas permanentes. Esses déficits incluem sintomas como dor lombar localizada ou irradiada, fraqueza muscular, parestesias e em alguns casos raros, disfunção esfincteriana.
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A incidência de DNT varia bastante entre os estudos, e depende do tipo de anestésico, dose, concentração, técnica e população estudada. Em estimativas gerais temos uma incidência média de cerca de 0,03% a 0,1%, sendo mais comum em pacientes submetidos a raquianestesia com o uso de lidocaína hiperbárica. Essa incidência pode aumentar para até 30%, principalmente quando administrado altas doses do anestésico. Raramente ocorre com o uso de bupivacaína ou ropivacaína, que são os anestésicos mais utilizados hoje em dia.
Evidências
Um estudo realizado no Dessie Referral Hospital com 215 pacientes submetidos a cirurgias eletivas sob anestesia espinhal entre fevereiro de 2021 e abril de 2021 evidenciou uma incidência de DNT de 10,2% principalmente nos pacientes com alto índice de massa corpórea e realização de procedimento em posição de litotomia.
Outro estudo multicêntrico realizado na China, com a análise de mais de 2 milhões de pacientes em 243 hospitais no período de 2013 a 2022 submetidos a anestesia espinhal, evidenciou uma incidência geral de 0,44% de complicações neurológicas, sendo as complicações transitórias a maioria dos casos, quase 90%.
Causas
Os DNT pós-anestesia espinhal podem ter diversas causas como por exemplo a toxicidade dos anestésicos locais especialmente o uso de lidocaína em altas concentrações, posição de litotomia em procedimentos de longa duração, trauma mecânico com lesão da medula espinhal ou das raízes nervosas durante uma punção com dificuldade técnica, hipotensão e hipoperfusão local levando à uma redução do fluxo sanguíneo temporariamente na medula espinhal e neurotoxicidade adjuvante pelo uso de outras medicações como vasoconstritores ou outras substâncias adicionadas ao anestésico.
Manifestações clínicas de déficits neurológicos transitórios (DNT) pós-raquianestesia
As manifestações clínicas mais comuns são síndrome da dor radicular transitória caracterizada por uma dor intensa em região glútea podendo irradiar para os membros inferiores sem déficit motor; fraqueza muscular transitória podendo ocorrer em membros inferiores e geralmente resolvendo-se em poucos dias; disfunção sensorial com parestesia, hipoestesia ou sensações de choques e mais raramente alterações autonômicas como retenção urinária e instabilidade hemodinâmica.
Importante saber realizar o diagnóstico diferencial para complicações permanentes como síndrome da cauda equina, mielite transversa ou hematoma ou abcesso espinhal, que devem ser diagnosticadas e tratadas o mais precoce possível por não apresentar resoluções espontâneas.
Tratamento
O tratamento das DNT pós-raquianestesia é geralmente um suporte clínico com o uso de analgésicos e fisioterapia. Os sintomas costumam desaparecer espontaneamente em até 72 horas e em casos mais persistentes ou graves pode ser necessário uma avaliação mais profunda com exames de imagem a fim de excluir outras causas mais graves.
A prevenção consiste na escolha de anestésicos com menor toxicidade e baixas concentrações, assim como evitar múltiplas punções e cirurgias de longa duração principalmente em pacientes em posição de litotomia.
Apesar de ser um evento benigno, a DNT pode causar grande ansiedade ao paciente também na equipe médica, uma vez que pode gerar dúvidas em relação a outras complicações mais graves como síndrome da cauda equina, aracnoidite ou hematoma espinhal. Por isso é de grande importância saber diferenciar a DNT dessas alterações neurológicas permanentes, principalmente observando o padrão dos sintomas, tempo de evolução, duração e resposta a conduta conservadora.
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