A injeção intratecal inadvertida é a injeção no espaço subaracnóideo de qualquer droga não destinada ao bloqueio raquidiano, diferente da perfuração inadvertida da dura-máter, durante uma punção peridural, onde ocorre uma injeção inadvertida de alto volume de anestésico local.
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Qualquer injeção intratecal de alguma droga de forma inadvertida é considerada um erro técnico e deve ser rigorosamente evitado. Quando um procedimento é realizado por mãos humanas, sempre haverá possibilidades de erros, por isso deve-se ter atenção redobrada quando o profissional anestesista está realizando qualquer técnica passível de trocas ou uso de medicações diversas.
Epidemiologicamente falando, é rara a incidência de trocas de medicações, porém existem, e, dependendo de cada caso e da substância inoculada, o paciente pode permanecer assintomático, como pode desenvolver sintomas graves, podendo evoluir para o óbito.
Toda injeção inadvertida, é considerada um quadro emergencial, e seu diagnóstico e tratamento devem ser realizados de forma rápida. Suporte hemodinâmico e ventilatório, assim como a lavagem do líquido cefalorraquidiano são os tratamentos de primeira linha.
Algumas complicações podem ser relatadas após uma injeção inadvertida como por exemplo, a aracnoidite adesiva, meningite, encefalite, depressão respiratória, convulsões, paraplegias, coma e morte.
As trocas de medicações por via subaracnóidea podem ocorrer durante um procedimento anestésico ou em casos de pacientes internados com prescrições venosas e intratecais simultâneas. Em ambos os casos, as trocas acontecem por falta de atenção e podem ser facilmente evitadas. Casos relativamente comuns em pacientes internados é a injeção de vincristina intratecal, ao invés de endovenosos, em pacientes internados para tratamento de linfomas de Hodgkin ou leucemia, tratados com vincristina endovenosa juntamente com metotrexato, citarabina e/ou glicocorticoides por via intratecal.
Normalmente, a troca ocorre por falta de atenção, quando esses medicamentos são prescritos para serem administrados no mesmo horário. A injeção intratecal de vincristina tem sido relatada há mais de 45 anos, sendo o primeiro caso ocorrido nos EUA em 1968. Desde essa época, já foram descritos cerca de 120 casos, contudo estima-se que mais casos tenham ocorrido, porém não relatados devido ao receio de punições.
Em procedimentos anestésicos, as injeções inadvertidas podem ocorrer com substâncias cáusticas como o álcool utilizado para assepsia ou com drogas que apresentam o mesmo tipo de ampola e rótulo e que não foram duplamente checadas. O ácido tranexâmico é uma droga que protagoniza as injeções inadvertidas durante bloqueios raquidianos. Como exemplo, podemos citar o caso ocorrido em um paciente egípcio, com a injeção de 400 mg de ácido tranexâmico, inadvertidamente no espaço subaracnóideo em uma cirurgia ortopédica (fratura de fêmur).
O paciente evoluiu com intensa dor em região glútea e lombar imediatamente após o bloqueio, com mioclonia, agitação e convulsão generalizada. Nesse caso, o diagnóstico foi realizado de forma imediata e o tratamento foi rapidamente estabelecido com administração de fenitoína, tiopental e atracúrio e intubação orotraqueal.
Foi realizada lavagem do líquor (LCR) com a punção dupla, uma à nível L2-L3 e outra a nível L4-L5 com agulha de Quincke 22G, com infusão contínua e passiva de 150 ml de solução salina. Paciente foi encaminhado a UTI, sendo realizado todos os procedimentos para proteção cerebral e neurológica, tendo alta uma semana após sem sequelas neurológicas pelo período de follow up de um ano.
A lavagem do LCR imediata e contínua, assim como o controle hemodinâmico e ventilatório do paciente, a proteção cerebral e o encaminhamento à unidade de terapia intensiva, são as condutas principais que podem diminuir as sequelas e salvar a vida desses pacientes.
A lavagem é um procedimento relativamente simples e com poucos riscos, se realizada de forma correta utilizando toda assepsia e antissepsia necessária. Basicamente, realiza-se uma punção dural, com retirada de 10 a 20ml de LCR e reposição com solução salina a 0,9%, sendo que não existe um consenso do volume máximo que se pode ser seguramente substituído, podendo variar entre 40 a 75mL. De qualquer forma, a lavagem deve ser feita imediatamente à injeção inadvertida.
As maiores causas estão associadas a erros na rotulação de seringas, ao formato, coloração e semelhança dos rótulos e frascos de medicamentos, ao armazenamento em local errado, a falta de dupla checagem antes da aspiração e injeção, a falta de atenção e o cansaço e exaustão do profissional.
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De qualquer forma, são todos fatores que podem ser facilmente evitados, seguindo algumas condutas de segurança, como por exemplo colocar na bandeja de bloqueio apenas as medicações necessárias, colocar a cuba com álcool fora da bandeja ou com uma gaze para diferenciação, checagem dupla da ampola, antes e durante a aspiração, aspiração somente da quantidade a ser administrada e atenção nas alterações físicas de cor, densidade e cheiro da medicação.
A injeção inadvertida intratecal é rara, porém existe e é considerada um erro técnico, sendo facilmente evitado, portanto grande atenção deve ser dada ao momento da seleção e separação de medicamentos que serão utilizados durante o procedimento.
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