Logotipo Afya
Anúncio
Psiquiatria29 dezembro 2025

Recomendações para o diagnóstico, investigação e abordagem terapêutica do TEA

Neste artigo trazemos as principais recomendações da Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil para o Transtorno do Espectro Autista (TEA)

Em 2025, a Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil (SBNI) publicou em seu portal um novo documento sugerindo orientações e recomendações para a investigação, o diagnóstico e a abordagem do Transtorno do Espectro Autista (TEA). Por sua relevância, serão destacados aqui alguns dos principais pontos deste documento.

Conceito

O TEA é um transtorno do neurodesenvolvimento, e suas manifestações costumam ser observadas já nos primeiros anos de vida. Esses sintomas devem ocorrer em diferentes contextos sociais e acarretar prejuízo na adaptação ou na qualidade de vida.

As principais características incluem: 

  1. Dificuldades na comunicação e/ou na interação social, que podem se manifestar por:
  • dificuldade para iniciar ou manter uma conversa ou interação social;
  • dificuldade para reconhecer e demonstrar emoções;
  • pouco contato visual;
  • isolamento social;
  • dificuldade para compreensão e expressão da comunicação facial e corporal;
  • não possuir amigos, ter dificuldade para tê-los e/ou pouco interesse pelas outras pessoas;
  • dificuldade em ajustar o comportamento ao contexto;
  • dificuldade para entender ironias, metáforas e piadas;
  • déficit de teoria da mente (capacidade de se colocar no lugar do outro);
  • dificuldade para compartilhar brincadeiras imaginativas.
  1. Interesses restritos e comportamentos repetitivos, tais como:
  • estereotipias motoras ou vocais;
  • movimentos repetidos com objetos (alinhar, girar, etc.);
  • desconforto ou sofrimento diante de mudanças;
  • dificuldade para fazer a transição entre ambientes e atividades;
  • pensamento e comportamento rígidos;
  • rituais;
  • necessidade de fazer sempre o mesmo caminho ou seguir padrões de rigidez;
  • interesse extremo ou restrito a um assunto;
  • apego incomum a determinado objeto;
  • maior ou menor sensibilidade a estímulos sensoriais;
  • manipular ou cheirar objetos;
  • padrão atípico de seletividade alimentar.

Embora o descrito acima se refira aos sintomas centrais, outros sinais ou sintomas podem estar presentes, como auto ou heteroagressividade, problemas relacionados ao sono, dificuldade de regulação emocional, impulsividade, desatenção, hiperatividade e queixas gastrointestinais.

Em relação ao sono, o documento destaca que os sintomas centrais do TEA podem interferir com o sono, enquanto um sono ruim pode levar a uma piora comportamental, perpetuando um ciclo.

Os sintomas clássicos geralmente podem ser observados entre 1 e 2 anos de idade, mas alguns sinais de alerta podem estar presentes antes, como ausência de contato visual adequado para a idade em brincadeiras ou durante as mamadas, baixa reciprocidade social, ausência de imitação motora ou vocal e pouca ou nenhuma vocalização.

Quando há atraso no desenvolvimento, mesmo que o diagnóstico não esteja definido, é necessário encaminhar o paciente suspeito para abordagem terapêutica, a fim de aproveitar o período de desenvolvimento neurológico dessa fase.

Recomendações para o diagnóstico, investigação e abordagem terapêutica do TEA

Diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista (TEA) 

O diagnóstico do TEA é clínico, não havendo, até o momento, marcador biológico específico para o transtorno. Quanto mais nova a criança, mais desafiador tende a ser o diagnóstico precoce.

Para estabelecer o diagnóstico, recomenda-se:

  • Entrevista com os cuidadores: investigar dados sobre a gestação (diabetes, sangramentos, infecções, uso de medicações), período neonatal, primeiro ano de vida (principalmente desenvolvimento neuropsicomotor), sono, alimentação, presença de convulsões/epilepsia, alterações motoras e gastrointestinais, história familiar (incluindo doenças genéticas), contexto sociocultural em que a criança está inserida e grau de exposição a telas.
  • Entrevista e observação do paciente: observar interação social, comportamento, cognição, linguagem e grau de adaptação.
  • Exame físico: atenção a sinais que possam indicar outras condições clínicas, como alterações cutâneas (por exemplo, neurofibromatose), alterações de visão e audição. Deve-se também verificar a caderneta de vacinação e os resultados do teste do pezinho. Exames complementares (como exames laboratoriais, neuroimagem e avaliação genética) podem auxiliar na investigação de diagnósticos diferenciais.
  • Informações complementares: podem ser fornecidas pelo professor ou a escola e complementam a avaliação.

Não é necessário fornecer o diagnóstico na primeira avaliação, podendo-se contar com outras consultas e com avaliações de outros profissionais para auxiliar na definição diagnóstica.

O documento também sugere que o quadro seja sempre contextualizado, uma vez que, no início da vida (especialmente no primeiro ano), manifestações como irritabilidade, dificuldades com sono ou alimentação podem ser consideradas dentro da variação do normal.

Escalas e outros exames

O uso de escalas pode ser útil na presença de sinais de alerta ou buscando confirmar o diagnóstico. Porém, elas não são diagnósticas de TEA. Algumas ferramentas comuns de triagem são o M-CHAT, a CAST (Escala de Pontuação para Autismo na Infância) e o SCQ (Questionário de Comunicação Social).

Marcadores biológicos para o rastreio precoce de TEA vêm sendo estudados, com destaque para aplicativos de rastreio visual com relevante poder preditivo. O Food and Drug Administration (FDA) nos EUA, autorizou a comercialização do primeiro dispositivo baseado em rastreamento visual para crianças entre 16 e 30 meses.

Diagnósticos Diferenciais

  1. Transtorno do Desenvolvimento Intelectual;
  2. Atraso Global do Desenvolvimento Neuropsicomotor;
  3. Transtornos do Desenvolvimento da Linguagem;
  4. Transtorno da Comunicação Social;
  5. Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH).

O documento ressalta que crianças expostas de forma precoce e intensa a telas podem apresentar sinais e sintomas que simulam o TEA (por exemplo, atraso de linguagem, dificuldade de regulação emocional, obesidade, problemas de sono, níveis mais elevados de ansiedade), embora não haja associação causal direta entre telas e TEA.

Diagnósticos equivocados de TEA também podem ocorrer em crianças em contexto de privação afetiva ou situação de vulnerabilidade social.

Como determinar o nível de suporte no TEA?

A divisão em níveis auxilia principalmente na compreensão do prognóstico e da necessidade de suporte para as atividades da vida diária, o que, na prática, orienta a abordagem. O nível 1 demanda pouco suporte, enquanto o nível 3 é totalmente dependente e necessita de auxílio permanente. Entre eles está o nível 2, que demanda algum suporte, mas não tão intenso.

O documento não recomenda que crianças muito pequenas ou recém-diagnosticadas sejam classificadas em níveis, já que a gravidade dos sintomas pode variar com o tempo e com a abordagem terapêutica.

Como tratar o Transtorno do Espectro Autista (TEA)?

O tratamento deve ser iniciado precocemente, com terapias que auxiliem o desenvolvimento global da criança.

As abordagens com maior evidência de eficácia e benefício são baseadas na Análise do Comportamento Aplicada (ABA), associadas a outras formas de terapia, como: fonoterapia, terapia ocupacional com integração sensorial, etc. Outras terapias são indicadas conforme cada caso. Variantes naturalísticas da ABA também vêm sendo utilizadas, como Jasper e Denver. A abordagem transdisciplinar é considerada uma das mais efetivas para o TEA, permitindo que profissionais de diferentes áreas trabalhem com um plano terapêutico comum.

O envolvimento dos pais (ou cuidadores) é fundamental, devendo eles ser orientados sobre como manter a estimulação adequada do paciente no dia a dia.

A determinação médica rígida da frequência e da carga horária das terapias é considerada contrária a princípios éticos, por interferir na autonomia e no trabalho de cada profissional envolvido. Diante da pressão que o médico pode sofrer para definir terapias e suas frequências, o documento sugere indicar uma carga horária inicial que pareça adequada para cada caso, com base na experiência clínica, e ajustá-la após as avaliações iniciais e ao longo da evolução.

Situações específicas, como dificuldade com o sono, demandam manejo apropriado, incluindo higiene do sono, educação parental, redução de estímulos e, em alguns casos, terapia cognitivo-comportamental. 

Farmacologia

Não existe tratamento farmacológico específico para os sintomas centrais do TEA. As medicações podem ser utilizadas para abordar sintomas pontuais ou comorbidades, especialmente quando interferem na participação do paciente nas intervenções não farmacológicas.

O documento propõe:

  • Risperidona (a partir dos 5 anos) ou aripiprazol (a partir dos 6 anos) nos casos de irritabilidade e agressividade, após descartadas outras causas que possam justificar esses comportamentos e que não tenham respondido a outras formas de manejo. Na ausência de resposta, outros antipsicóticos podem ser prescritos em uso off-label.
  • Na presença de TDAH comórbido, podem ser utilizados psicoestimulantes e atomoxetina, embora a resposta possa ser menos favorável e a tolerância a efeitos adversos (como insônia, irritabilidade e perda de apetite) possa ser menor do que em pacientes com TDAH sem TEA.
  • Para agressividade, tiques, hiperatividade e alterações do sono, a clonidina pode ser uma opção.
  • Transtorno depressivo maior, transtornos ansiosos e transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) podem ser abordados com inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS), apesar do baixo nível de evidência em estudos específicos com população com TEA.
  • Para dificuldades com o ritmo circadiano, a melatonina é a opção com melhor nível de evidência, ajudando a reduzir a latência, aumentar a duração e melhorar a eficiência do sono.

Não há evidências consistentes que indiquem o uso de canabidiol, embora mais pesquisas estejam em andamento. Tanto o canabidiol quanto o ácido folínico ainda não têm evidência suficiente para recomendação rotineira, devendo ser considerados, se for o caso, de forma individualizada e com discussão clara de riscos, benefícios e incertezas com a família.

Não há evidências que comprovem a eficácia de outras abordagens, como dietas específicas, uso de suplementos alimentares sem deficiência diagnosticada ou intervenções como ozonioterapia e estimulação craniana não invasiva, entre outras. É possível que novos estudos venham a validar a eficácia de algumas dessas abordagens no futuro, mas, até o momento, o documento recomenda cautela, responsabilidade e atenção à ética médica, avaliando cuidadosamente riscos e benefícios, bem como a possibilidade de abandono do tratamento padrão, efeitos adversos e gastos excessivos.

O documento enfatiza ainda a importância de reforçar com as famílias que vacinas não causam TEA e que todos os pacientes devem seguir o calendário vacinal.

Em relação à emissão de documentos médicos:

Laudo x relatório

  • Laudo está relacionado ao resultado de exames complementares ou a laudos técnicos com finalidade processual.
  • Relatório é o termo mais adequado para se referir aos documentos emitidos pelo médico assistente, devendo conter início do tratamento, diagnóstico, evolução e abordagem terapêutica. O relatório especializado é mais detalhado e pode ter finalidade pericial.

Não é necessário indicar o nível de suporte no relatório. Em vez disso, pode ser descrito o tipo de apoio de que o paciente precisa naquele momento, reconhecendo que isso pode variar com o tempo. O documento da SBNI sugere também registrar que a carga horária das terapias pode ser modificada conforme a evolução do quadro e a avaliação da equipe de cuidado.

Carga horária e terapias

Resoluções da ANS determinaram cobertura obrigatória e ilimitada de terapias para o tratamento do TEA com psicólogos, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos e fisioterapeutas. O profissional deve ser capacitado para fornecer tratamento com a técnica indicada no relatório ou, na ausência de indicação de técnica específica, pode sugerir a abordagem que considerar mais adequada após sua avaliação e acompanhamento do caso.

Entretanto, atendimentos prestados em casa ou na escola não estão cobertos pelo rol da ANS, assim como aqueles realizados por profissionais que não são da área da saúde ou que exijam grande infraestrutura (como hidroterapia ou equoterapia).

Autoria

Foto de Paula Benevenuto Hartmann

Paula Benevenuto Hartmann

Médica pela Universidade Federal Fluminense (UFF) ⦁ Psiquiatra pelo Hospital Universitário Antônio Pedro/UFF ⦁ Mestranda em Psiquiatria e Saúde Mental pela Universidade do Porto, Portugal.

Como você avalia este conteúdo?

Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.

Compartilhar artigo

Referências bibliográficas

Newsletter

Aproveite o benefício de manter-se atualizado sem esforço.

Anúncio

Leia também em Psiquiatria