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Psiquiatria26 dezembro 2025

Ocorrência de psicose e transtorno afetivo bipolar em indivíduos com TDAH 

Estudo buscou responder qual a incidência de psicose ou transtorno bipolar (TB) em indivíduos com TDAH após tratamento com estimulantes

O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é uma condição do neurodesenvolvimento prevalente e caracterizada pela desatenção, podendo ou não estar associada à hiperatividade ou impulsividade. Sua abordagem é predominantemente multimodal, mas a farmacoterapia assume um papel de destaque. Dentre as opções para tratamento farmacológico, a classe dos psicoestimulantes se destaca como especialmente benéficos.   

Entretanto, podem se associar a efeitos adversos — dentre eles, causam especial preocupação os sintomas psicóticos e a mania. Os sintomas psicóticos tendem a ser mais comuns em adultos e a regredir com a cessação da medicação. Eventualmente podem se cronificar a ponto de ser necessária terapia antipsicótica. A mania, por sua vez, também parece estar relacionada ao uso de psicoestimulantes, embora essa relação precise ser melhor estabelecida. Levando em consideração esse grave padrão de efeitos adversos do uso de psicoestimulantes no TDAH, Pablo GS et al realizaram uma revisão sistemática com metanálise, publicada em setembro de 2025 no JAMA Psychiatry, para avaliar a ocorrência de psicose ou transtorno afetivo bipolar após o tratamento com estimulantes para TDAH.  

Métodos 

Este artigo seguiu as diretrizes PRISMA e MOOSE, coletando trabalhos em 4 bases de dados (PubMed, Web of Science, Ovid/PsycINFO, e Cochrane Central Register of Reviews) até o primeiro dia de outubro de 2024, sem restrição de línguas. Foram incluídos estudos de todas as naturezas (observacionais e de intervenção), em pacientes com diagnóstico de TDAH seguindo os critérios do DSM-5 ou da CID-10 e que fizeram uso de estimulantes, desde fossem relatados sintomas ou transtorno psicóticos ou do transtorno afetivo bipolar (TAB) após o início do tratamento farmacológico. Foi pesquisado o percentual de indivíduos expostos aos estimulantes que desenvolveram sintomas ou transtorno psicótico ou TAB. A heterogenidade e os vieses foram abordados com testes apropriados.  

Ao todo, 16 estudos foram incluídos, somando mais de 391 mil participantes. Os autores encontraram que 2,8% dos pacientes com TDAH em uso de estimulantes desenvolveram sintomas psicóticos; 2,3%, transtorno psicótico; e 3,7%, TAB. Embora não sejam percentuais elevados, os achados não são desprezíveis e reforçam o alerta de bula da FDA sobre a possível ocorrência de sintomas psicóticos.  

Resultados 

Esses resultados devem ser ponderados juntamente com evidências externas: o diagnóstico de TDAH na infância associa-se a maior risco de transtorno psicótico ao longo da vida (risco relativo de 4,74); além disso, filhos de pais com transtornos mentais apresentam risco aumentado para o desenvolvimento de transtornos mentais. Em dois estudos que compararam períodos com e sem uso de metilfenidato, não foi encontrada associação significativa entre metilfenidato e aumento de risco de psicose. Quanto aos mecanismos, a ocorrência de psicose em usuários de estimulantes pode relacionar-se a excesso ou disfunção dopaminérgica, hipótese que ainda demanda investigação. 

O maior risco de sintomas psicóticos a longo prazo não suporta um efeito imediato, direto e causal. Ao contrário, sugere que os sintomas psicóticos podem refletir o próprio curso do TDAH. Neste estudo, a associação da duração do seguimento e sintomas psicóticos não foi significativa.  

Por outro lado, o uso de anfetaminas esteve associado a 57% mais chance de sintomas psicóticos quando comparado ao metilfenidato (com base em poucos estudos). Esses resultados devem ser interpretados como estimativas médias em contextos clínicos e metodológicos variados, dada a heterogeneidade dos estudos. Há a possibilidade de confusão por indicação (ex.: uso de anfetaminas em quadros mais graves). Em termos de força de evidência, o nível foi baixo para psicose e muito baixo para TAB. 

Leia também: Comparação e aceitação de intervenções para TDAH em adultos 

Os estimulantes parecem estar mais associados à psicose em doses mais altas e com uso parenteral, mas a metanálise não permitiu avaliar esse efeito. Um estudo populacional (incluindo pacientes com e sem TDAH) encontrou que o início de terapia com estimulantes se associou a maior risco de hospitalização por psicose ou mania nos 60 dias subsequentes, enquanto os achados da revisão sugerem que o risco aumenta no longo prazo. Outro trabalho, em usuários dependentes de metanfetamina (uso não médico), observou que início precoce e sexo masculino se associaram a sintomas psicóticos transitórios, enquanto história familiar de transtorno psicótico primário e depressão maior se associaram a sintomas persistentes. 

Entre os estimulantes, o metilfenidato surge como opção preferencial quando o objetivo é minimizar o risco de psicose, embora o pior perfil das anfetaminas possa refletir maior gravidade dos casos. Como alternativa farmacológica, a atomoxetina é pertinente, dado não haver evidência de aumento do risco de psicose.  

Quanto ao TAB, há relatos de hipomania/mania nas primeiras semanas após o início de estimulantes em determinados contextos; na metanálise, o risco em TDAH após prescrição de estimulantes parece menor do que em populações de risco ou em transtornos depressivos, mas a evidência de causalidade é muito baixa, exigindo mais estudos.  

Enquanto os mecanismos para o desenvolvimento de mania por trás do uso de psicoestimulantes não é esclarecido, as hipóteses envolvem desregulação das vias dopaminérgica e noradrenérgica. Sugere-se uma investigação criteriosa sobre história de TAB antes da prescrição de estimulantes e monitorização próxima dos pacientes quando prescrito.  

Ocorrência de psicose e transtorno afetivo bipolar em indivíduos com TDAH 

Considerações: psicose e transtorno afetivo bipolar em indivíduos com TDAH  

Estes resultados devem ser avaliados dentro de suas possíveis limitações: 

  • Não foi possível diferenciar o efeito da medicação do TDAH propriamente dito; 
  • Poucos estudos compararam metilfenidato e anfetaminas; 
  • Não foi possível metanalizar o desenvolvimento de sintomas maníacos com o uso de estimulantes; 
  • Dados faltantes comprometeram certas análises (ex: a gravidade do TDAH, presença de comorbidades, etc); 
  • Também não foi possível analisar o efeito de diferentes formulações, combinações de medicações ou o efeito de medicações não-estimulantes; 
  • Não foi possível estudar os efeitos sobre as idades, pois os estudos incluídos tinham populações de diferentes faixas etárias; 
  • Não foi possível controlar a sequência temporal do uso de medicações; 
  • Muitos estudos não especificaram o percentual de pacientes com psicose ou TAB no início das avaliações; 
  • Alguns estudos usaram registros de prontuários eletrônicos, o que é menos acurado do que os dados obtidos em avaliações clínicas.

Conclusão 

Os riscos de desenvolver psicose ou TAB em pacientes com TDAH tratados com psicoestimulantes não deve ser desconsiderado. As anfetaminas apresentam um risco maior do que o metilfenidato. Ainda assim, esses achados não devem desencorajar o uso dos psicoestimulantes como primeira linha para o tratamento de TDAH. Os autores sugerem monitorar o risco de desenvolver sintomas psicóticos ou de TAB, evolução gradual da dose e psicoeducação para pacientes e familiares.   

Mensagem prática 

Estes pacientes devem ser acompanhados para o risco de desenvolvimento de um quadro psicótico persistente no futuro. Em casos de psicose induzida pelo fármaco, a medicação deve ser descontinuada e considerada outra abordagem para o tratamento. O quadro psicótico desaparece em até 90% das vezes sem a necessidade de uso de antipsicóticos, segundo o FDA. 

Autoria

Foto de Paula Benevenuto Hartmann

Paula Benevenuto Hartmann

Médica pela Universidade Federal Fluminense (UFF) ⦁ Psiquiatra pelo Hospital Universitário Antônio Pedro/UFF ⦁ Mestranda em Psiquiatria e Saúde Mental pela Universidade do Porto, Portugal.

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Referências bibliográficas

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