A exposição repetida a estímulos dolorosos no período neonatal tem sido associada a desfechos adversos, incluindo alteração do desenvolvimento do trato corticoespinhal, desregulação do sistema de resposta ao estresse e alteração comportamental. Além disso, a dor, tanto pós-operatória (PO) quanto relacionada a procedimentos, está associada a alterações metabólicas, autonômicas e neurofisiológicas que são melhoradas com analgesia. Uma analgesia adequada durante essas intervenções diminui a liberação de adrenalina e noradrenalina, e reduz hiperglicemia, acidose láctica e metabólica, coagulopatia intravascular disseminada e mortalidade.
Uma iniciativa de melhoria da qualidade teve como objetivo diminuir a dor pós-operatória e melhorar a satisfação da família com o manejo da dor em recém-nascidos (RN). Os resultados desse projeto foram publicados na Pediatrics, revista da Academia Americana de Pediatria.
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Metodologia
O projeto incluiu 26 Unidades de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) quaternárias do Children’s Hospitals Neonatal Consortium, que cuidam de neonatos com condições cirúrgicas complexas. Cada um dos centros participantes do estudo formou equipes multidisciplinares para desenvolver objetivos, intervenções e estratégias de medição para serem testadas em múltiplos ciclos Plan-Do-Study-Act. Os centros foram incentivados a adotar intervenções baseadas em evidências, que incluíam ferramentas de avaliação da dor, documentação do escore da dor, medidas de tratamento não farmacológico, diretrizes para o manejo da dor, comunicação de um plano de tratamento da dor, discussão sobre a dor e pontuações das ferramentas durante os rounds da equipe, e envolvimento dos pais.
As equipes enviaram dados sobre um mínimo de dez cirurgias por mês, abrangendo:
- Linha de base: janeiro a julho de 2019;
- Período de trabalho para melhoria: agosto de 2019 a junho de 2021;
- Período de manutenção: julho de 2021 a dezembro de 2021.
Objetivos do projeto | |||
Primário: Diminuir a porcentagem de pacientes com dor pós-operatória não aliviada (pontuações de dor consecutivas acima do limite) nas primeiras 24 horas para 15% ou menos, de agosto de 2019 a junho de 2021, e manter por seis meses. Secundário: Melhorar a satisfação da família com o tratamento da dor para 90% ou mais de respostas positivas ≥ 2 (com base em escala Likert de 3 pontos) nas primeiras 24 horas do período PO. | |||
Primeiros passos | Passos secundários | Exemplos de intervenções | |
Relatório padronizado de dor pré e PO sem intervenção | Pré-operatório: história de exposição a opioides, requisitos de analgesia durante procedimentos cirúrgicos anteriores | Avaliação pré-operatória para anestesia caudal, epidural, espinhal | |
PO: dose/tempo de analgésicos intraoperatórios, recomendações para início de analgésicos no PO | Analgésicos à beira-leito após o retorno do paciente do centro cirúrgico | ||
Fornecer nível apropriado de controle da dor PO |
Providenciar nível adequado de tratamento farmacológico
| Aumentar o conhecimento da equipe sobre medidas não farmacológicas e farmacológicas
Seguir o caminho ou algoritmo de tratamento de acordo com o diagnóstico/avaliação da dor
Discutir as pontuações nas escalas de dor e o tratamento em todos os rounds interdisciplinares
Consciência da situação sobre a importância de medidas alternativas de conforto | |
Providenciar nível adequado de tratamento não farmacológico
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Reduzir os efeitos colaterais evitáveis dos analgésicos | |||
Documentação e relatórios padronizados usando uma ferramenta de avaliação da dor |
Fornecer avaliação precisa e oportuna da dor | Envolver o apoio médico no uso de uma ferramenta de avaliação da dor | |
Seguir o algoritmo para pontuação, documentação e relatórios de avaliação da dor | |||
Melhorar a satisfação da equipe e dos pais em relação ao conforto do paciente | Incentivar a participação dos pais em medidas de conforto não farmacológicas | ||
Incluir a opinião dos pais sobre o conforto do paciente |
Legenda: PO (pós-operatório)
Resultados
A iniciativa começou com 26 centros, dos quais 23 submeteram dados ao longo de toda a colaboração e estão incluídos nas análises. Foram monitoradas:
- 11.048 cirurgias de agosto de 2019 a junho de 2021;
- 3.014 cirurgias de julho a dezembro de 2021;
- Média de 485 cirurgias por mês, de agosto de 2019 a dezembro de 2021.
Os seguintes resultados foram descritos:
- A escala NPASS (Neonatal Pain Agitation and Sedation Scale) foi a mais utilizada (73%);
- A porcentagem de pacientes com dor PO não aliviada em 24 horas diminuiu 35%, passando de 19,5% para 12,6%;
- A satisfação da família com o tratamento da dor medida numa escala Likert de 3 pontos com respostas positivas ≥ aumentou de 93% para 96%;
- A conformidade com a avaliação adequada da dor e a documentação numérica dos escores de dor PO de acordo com a política local da UTIN aumentou de 53% para 66%;
- A medida de equilíbrio da porcentagem de pacientes com quaisquer pontuações de sedação consecutivas mostrou uma diminuição de 20,8% no início do estudo para 13,3%;
- Todas as melhorias foram mantidas durante o período de manutenção.
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Conclusão
Os centros participantes do projeto atingiram uma redução significativa da dor pós-operatória através da identificação, desenvolvimento e implementação de intervenções específicas que eram relevantes para o seu sistema local. Os pesquisadores relataram que “ferramentas, processos e aprendizados compartilhados por meio da participação colaborativa provaram ser o canal para o sucesso demonstrado”.
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