A pseudo-obstrução intestinal pediátrica (PIPO) é um distúrbio raro e grave da motilidade intestinal caracterizado pela incapacidade dos músculos do trato gastrointestinal de gerar contrações eficazes para a propulsão dos alimentos. Clinicamente, os pacientes apresentam sintomas de obstrução intestinal, como vômitos, distensão abdominal e constipação, sem evidência de um bloqueio mecânico típico. Essa condição é altamente debilitante e frequentemente necessita de internações hospitalares, nutrição parenteral prolongada e múltiplas intervenções cirúrgicas.
A falta de um padrão-ouro para diagnóstico e tratamento, a heterogeneidade da apresentação clínica e as dificuldades no manejo da doença tornam a PIPO um grande desafio para o gastroenterologista pediátrico. Com o objetivo de avaliar o perfil clínico e epidemiológico de pacientes com esta condição, um estudo retrospectivo realizado nos Países Baixos buscou analisar a incidência, diagnóstico, tratamento e desfechos clínicos de PIPO em pacientes pediátricos ao longo de 20 anos (2000-2020), fornecendo um panorama detalhado da doença nesse período.
Desenho do estudo e população
- Estudo retrospectivo, observacional e multicêntrico, com o seguintes critérios de Inclusão:
- Crianças menores de 18 anos diagnosticadas com PIPO.
- Diagnóstico baseado em pelo menos dois dos quatro critérios clínicos:
- Evidência objetiva de disfunção neuromuscular intestinal (exame de manometria, histopatologia ou estudo de trânsito intestinal).
- Dilatação persistente do intestino delgado com níveis hidroaéreos sem causa mecânica.
- Anormalidades genéticas ou metabólicas associadas à PIPO.
- Incapacidade de manter nutrição e crescimento adequados com alimentação oral.
- Dentre os dados coletados temos:
- Informações demográficas, métodos diagnósticos utilizados, estratégias terapêuticas, cirurgias adotadas, internações hospitalares, complicações, taxas de mortalidade e prognóstico.

Dentre os resultados encontrados, destacam-se os seguintes:
Incidência e Características Demográficas
- Total de pacientes: 43 crianças diagnosticadas entre 2000 e 2020.
- Incidência média: 0,008 casos por 100.000 crianças/ano (0 a 0,029/100.000).
- Idade mediana no diagnóstico: 10 anos.
- Distribuição por gênero: 54% feminino.
- Período neonatal: 60% desenvolveram sintomas ao nascimento.
- Histórico familiar: 14% com antecedentes de doenças neuromusculares.
Sintomas iniciais: veja os mais prevalentes!
- Principais sintomas: Vômitos (60%), distensão abdominal (40%), falha no crescimento e dificuldade alimentar.
- Outros sinais: Atraso na eliminação do mecônio e constipação crônica.
Diagnóstico: Exames complementares que auxiliam no diagnóstico
- Exames de imagem: Radiografia abdominal foi o exame mais frequentemente solicitado (97%), TC/RM para dilatação intestinal e exclusão de anomalias.
- Manometria: Realizada em < 30% dos pacientes, identificando neuropatia (4 casos) e miopatia (1 caso).
- Histopatologia: Biópsia endoscópica (97%), biópsia de espessura total (65%, com alterações em 55%).
- Testes Genéticos: 41% apresentavam mutações, sendo a mutação ACTG2 a mais comum.
Tratamento
- Medicamentoso: Laxantes (74%), procinéticos (57%), IBPs (51%), probióticos (9%).
- Nutrição: 80% necessitaram de Nutrição Parenteral Total (NPT), com complicações como infecções (71%) e colestase (46%).
- Cirurgia: 97% passaram por pelo menos um procedimento, sendo ileostomia (69%), gastrostomia (49%) e ressecção intestinal (46%). Complicações em 72% dos casos.
Prognóstico e Mortalidade
- Internações: Média de 22,5 hospitalizações por paciente.
- Tempo médio de internação: 157,5 dias ao longo do estudo.
- Mortalidade: 6%. Apenas um paciente recebeu transplante multivisceral.
Conclusão e discussão
Este estudo forneceu uma visão abrangente e objetiva da incidência, diagnóstico, tratamento e prognóstico da PIPO nos Países Baixos ao longo de 20 anos. Os principais achados foram:
- A PIPO continua sendo uma doença rara, afetando cerca de 0,008 crianças por 100.000 anualmente;
- O diagnóstico é demorado e muitas vezes exige múltiplos exames de imagem, biópsias e testes genéticos;
- A manometria é subutilizada, apesar de ser um exame crucial para diferenciar subtipos da doença;
- A nutrição parenteral é a base do tratamento, mas traz complicações graves, como infecções e doença hepática associada;
- Quase todos os pacientes necessitam de cirurgia, muitas vezes com múltiplas intervenções ao longo da vida;
- A mortalidade é relativamente baixa (6%), mas a morbidade é extremamente alta, com internações frequentes e impacto significativo na qualidade de vida dos pacientes e suas famílias.
Dado o alto número de complicações e a complexidade da PIPO, o estudo recomenda centralização do tratamento em centros especializados de reabilitação intestinal e mais colaboração internacional para desenvolver diretrizes mais eficazes para o diagnóstico e manejo da doença.
Autoria

Jôbert Neves
Médico do Departamento de Pediatria e Puericultura da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (ISCMSP), Pediatria e Gastroenterologia Pediátrica pela ISCMSP, Título de Especialista em Gastroenterologia Pediátrica pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Médico formado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Coordenador Young LASPGHAN do grupo de trabalho de probióticos e microbiota da Sociedade Latino-Americana de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica (LASPGHAN).
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