Em geral, há um padrão de remissões e recorrências para síndrome nefrótica (SN). A forma mais comum é a idiopática, mas a doença também pode ser secundária a infecções (hepatite, HIV e malária), lúpus eritematoso sistêmico, neoplasias (leucemia e linfoma) e púrpura de Henoch-Schönlein. Apesar de muitos casos serem conduzidos ambulatorialmente, alguns pacientes podem apresentar complicações, como infecções graves, hipovolemia, tromboembolismo venoso e lesão renal aguda (LRA). A incidência de LRA, antes considerada rara na síndrome nefrótica (SN) idiopática, parece estar aumentando.
Na SN, a LRA pode ter várias causas, como vasoconstrição renal reversível durante todo o período de recidiva, causada por drogas nefrotóxicas, hipovolemia, infecções, nefrite intersticial, necrose tubular aguda ou trombose da veia renal. Nos casos de desidratação, a ingestão hídrica é reduzida, mas sem sinais claros de déficit total de água corporal (DAC), como sede ou osmolaridade plasmática elevada. Mesmo assim, os mecanismos de homeostase hídrica são ativados. A desidratação pode contribuir para a LRA em pacientes pediátricos com SN com baixa ingestão hídrica, embora não seja acompanhada de um DAC, aumentando o risco de lesão renal através de infecção do trato urinário (ITU) ou por meio da formação de cálculos renais.
Um estudo realizado na Índia Central avaliou se a desidratação é fator contribuinte para o desenvolvimento de LRA em crianças com SN. O estudo teve como objetivo primário identificar os fatores de risco para LRA em crianças com SN. Como objetivo secundário, investigou a relação entre o estado de hidratação e o desenvolvimento de LRA. O artigo foi publicado no periódico Cureus.
Contexto
A Índia Central é conhecida como o “cinturão da doença falciforme (DF)” no país. No caso de pacientes com DF, há uma hemólise crônica, que favorece a disfunção do óxido nítrico endotelial, evidenciada pela superexpressão da endotelina-1, comprometendo os mecanismos de compensação dos rins e aumentando a vulnerabilidade à LRA.
Diante de uma prevalência documentada da DF na Índia Central e envolvimento renal (10%), os pesquisadores identificaram a necessidade de um estudo mais aprofundado sobre complicações renais em pacientes com SN e DF.
Metodologia
De outubro de 2021 a abril de 2023, foi conduzido um estudo longitudinal no Departamento de Pediatria do All India Institute of Medical Sciences, Raipur, Chhattisgarh.
Foram incluídas crianças de ambos os sexos e idades entre três meses e 15 anos, que atendessem à diretriz da International Pediatric Nephrology Association para o diagnóstico de SN. Foram excluídas crianças com doença renal crônica.
Diariamente, os pacientes sem LRA foram avaliados para o desenvolvimento desta condição usando a diretriz Kidney Disease Improving Global Outcomes 2012 até o dia 14 ou alta e acompanhados por seis meses. Os registros dos pacientes que foram admitidos com LRA foram revisados para possíveis fatores de risco.
Resultados
Os seguintes resultados foram descritos:
- Foram incluídos 57 pacientes;
- A média de idade dos participantes do estudo no início da doença foi de 5,34 ± 3,66 anos;
- As apresentações comuns relatadas foram edema (94,74%) e oligúria (80,7%);
- A maioria das crianças (89,2%) apresentou resposta ao tratamento com corticoides;
- Mais da metade das crianças (56,14%) desenvolveram LRA. Os estágios 2 e 3 foram os mais frequentes, cada um representando 37,5%;
- Cerca de 53,12% das crianças desenvolveram LRA pré-renal. LRA intrínseca foi observada em 46,88%;
- À admissão, 45,61% tinham hipertensão (a maioria em estágio 1 [38,46%]);
- Seis (10,5%) crianças tinham traço falciforme, e todas desenvolveram LRA durante o acompanhamento;
- Um total de 42 (73,68%) crianças tiveram exposição a medicamentos nefrotóxicos, com o medicamento mais comum sendo o enalapril. Em sequência, vieram os antibióticos nefrotóxicos;
- De dez crianças com LRA submetidas à biópsia renal, a glomeruloesclerose segmentar focal foi o quadro mais frequente encontrado (60%);
- Apresentaram significância estatística para LRA:
- Baixa taxa de filtração glomerular à admissão;
- Hipertensão arterial;
- Exposição a medicamentos nefrotóxicos;
- Ingestão inadequada de água;
- Excreção fracionada de sódio (FeNa);
- Índice de potássio urinário como marcadores de hipoperfusão renal, infecções, síndrome nefrótica resistente a esteroides e lesões glomerulares significativas.
Conclusão: crianças com síndrome nefrótica e traço falciforme
O estudo identificou fatores de risco relevantes para LRA em crianças com SN e sugeriu uma possível associação com desidratação e traço falciforme. No entanto, esses achados precisam de mais evidências, sendo necessários estudos multicêntricos e com amostras maiores para confirmar essa relação. Os achados reforçam a importância da orientação dos pais sobre a triagem precoce da LRA e a manutenção de uma hidratação adequada para reduzir o risco de complicações em crianças com SN.
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