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Pediatria27 março 2025

Acompanhamento laboratorial de pacientes pediátricos celíacos

Estudo retrospectivo avaliou a necessidade do acompanhamento laboratorial prolongado em pacientes pediátricos com doença celíaca
Por Jôbert Neves

A doença celíaca (DC) é uma condição autoimune desencadeada pela ingestão de glúten, levando à inflamação crônica e atrofia das vilosidades intestinais em indivíduos geneticamente predispostos, resultando em um espectro de manifestações, que podem incluir sintomas gastrointestinais como diarreia crônica, dor abdominal, vômitos e distensão abdominal, além de manifestações extraintestinais, como fadiga, déficit de crescimento, anemia e osteopenia, nas fases mais avançadas da doença. Estima-se que a prevalência global da doença varie entre 1% e 3%, sendo uma das doenças autoimunes mais comuns na infância, logo é fundamental o seu seguimento de forma correta.  

O tratamento da DC baseia-se na adesão estrita e vitalícia a uma dieta isenta de glúten (DIG), o que geralmente leva à remissão dos sintomas e à recuperação das vilosidades intestinais em algumas semanas. No entanto, a literatura aponta que algumas alterações laboratoriais podem persistir ou surgir ao longo do acompanhamento, mesmo em pacientes com boa adesão à dieta. A escassez de diretrizes baseadas em evidências para o monitoramento laboratorial de longo prazo levanta dúvidas sobre quais exames são essenciais para prevenir deficiências nutricionais e complicações metabólicas, especialmente nos pacientes pediátricos.  

Diante desse cenário, um estudo retrospectivo avaliou a necessidade do acompanhamento laboratorial prolongado em pacientes pediátricos com DC e foi conduzido em um centro de referência em gastroenterologia pediátrica em Israel e incluiu 500 crianças diagnosticadas com DC entre 1999 e 2018. A metodologia envolveu uma revisão retrospectiva de prontuários médicos, incluindo dados demográficos, clínicos e laboratoriais desde o diagnóstico até um período médio de 5,5 anos de acompanhamento. Pacientes com doenças endócrinas concomitantes, como diabetes tipo 1 e hipotireoidismo, foram excluídos para evitar viés nos resultados. 

Os principais resultados foram os seguintes: 

  1. Deficiências nutricionais no momento do diagnóstico

No momento do diagnóstico, foram observadas altas taxas de deficiências nutricionais e metabólicas, reforçando a necessidade de um rastreamento abrangente em todos os pacientes recém-diagnosticados. Os exames laboratoriais anormais mais frequentes foram: 

  • Ferritina baixa em 64,3% dos pacientes; 
  • Vitamina D deficiente em 33,6%; 
  • Deficiência de zinco em 29,9%; 
  • Anemia (hemoglobina baixa) em 29,2%; 
  • Deficiência de folato em 14,7%; 
  • Elevação de transaminases (AST e ALT) em 12,7% e 5,3%, respectivamente; 
  • Elevação do TSH em apenas 0,7% dos casos. 

A ferritina baixa e a anemia foram os achados mais comuns, sugerindo que a má absorção de ferro e outros micronutrientes pode ser um dos primeiros sinais laboratoriais da doença celíaca em crianças. 

  1. Emergência de novas deficiências durante o acompanhamento

Apesar da melhora clínica com a dieta isenta de glúten, o estudo identificou que novas deficiências surgem ao longo do tempo. Entre os achados mais relevantes: 

  • Anemia desenvolvida após o diagnóstico em 14,8% dos pacientes; 
  • Recorrência da anemia em 36,8% daqueles cuja anemia havia sido corrigida; 
  • Deficiência de folato emergindo em 29,4% dos pacientes após uma média de 3,9 anos; 
  • Elevação do TSH foi observada em 5% dos pacientes após uma média de 2,2 anos do diagnóstico; 
  • Elevação de transaminases reapareceu em 5,1% dos casos. 

Além disso, os pacientes diagnosticados na adolescência (12-18 anos) apresentaram intervalos mais curtos para a recorrência da anemia e deficiência de folato. Isso sugere uma maior necessidade nutricional durante o crescimento acelerado dessa fase ou uma possível menor adesão à dieta isenta de glúten, ponto que merece muita atenção nessa população.  

  1. Importância da adesão à dieta isenta de glúten

O estudo revelou que a adesão à DIG foi reportada como “boa” em 82,7% dos pacientes, com normalização da sorologia (anticorpos anti-transglutaminase) em 83,4%. No entanto, mesmo entre os pacientes com boa adesão, algumas deficiências nutricionais ainda foram observadas, sugerindo que a alimentação sem glúten pode ser inadequada em termos de ingestão de ferro, folato e zinco. 

  1. Implicações para o Acompanhamento Laboratorial

Com base nesses achados, os autores recomendam um acompanhamento laboratorial contínuo que vá além da sorologia para DC. Além da monitorização dos anticorpos anti-transglutaminase, os seguintes exames devem ser realizados regularmente: 

  • Hemoglobina e ferritina: para detecção precoce de anemia e deficiência de ferro; 
  • Folate e vitamina D: essenciais para o metabolismo ósseo e a função celular; 
  • Zinco: devido à sua importância na imunidade e no crescimento; 
  • Enzimas hepáticas (AST e ALT): para avaliar alterações hepáticas; 
  • TSH: devido à associação com doenças autoimunes da tireoide. 

Saiba mais: Como monitorar os portadores de doença celíaca?

Conclusão 

O estudo reforça que o acompanhamento laboratorial de longo prazo é essencial para pacientes pediátricos com doença celíaca, pois muitas deficiências nutricionais podem persistir ou surgir mesmo em pacientes com boa adesão à dieta isenta de glúten. A anemia e a deficiência de ferro continuam sendo os achados mais comuns, tanto no diagnóstico quanto durante o acompanhamento, destacando a importância do monitoramento contínuo. 

Mensagem prática 

Embora a atual diretriz da ESPGHAN (Sociedade Europeia de Gastroenterologia Pediátrica, Hepatologia e Nutrição) recomende exames laboratoriais apenas no diagnóstico e em casos específicos, os achados deste estudo indicam que um monitoramento periódico da hemoglobina, ferritina, folato, vitamina D, zinco, função hepática e tireoidiana deve ser incorporado à rotina de acompanhamento desses pacientes. 

A implementação de protocolos de monitoramento mais rigorosos pode contribuir significativamente para a prevenção de complicações, otimização do crescimento e desenvolvimento na infância e adolescência, além de melhorar a qualidade de vida a longo prazo 

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Referências bibliográficas

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