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Oncologia19 junho 2024

Imunoterapia e toxicidade cardiovascular: tudo que o onco precisa saber 

ECG e eco podem ser considerados para pacientes com sinais e sintomas de SLC mais graves ou na suspeita de toxicidade cardiovascular.

Nos últimos anos, a imunoterapia para tratamento do câncer tem sido cada vez mais frequente e concomitantemente tem-se visto aumento de eventos adversos (EA) relacionados ao tratamento. Muitos dos EA cardiovasculares foram vistos após aprovação das medicações, a partir do uso na prática clínica.  

O custo ainda é o que mais limita esse tipo de tratamento, porém cada vez mais veremos pacientes com essas classes de medicação. Assim, é fundamental diagnosticar e tratar os EA de forma adequada. Recentemente foi publicada uma revisão sobre os inibidores de check-point imunológicos (ICI) e terapia com células CAR-T (chimeric antigen receptor T). Abaixo, seguem os principais pontos abordados. 

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Mão segurando uma agulha e um frasco para imunoterapia e toxicidade vascular

Mecanismos das medicações 

O ICI são anticorpos monoclonais que bloqueiam os sinais inibitórios da ativação das células T, permitindo que as células reajam ao tumor. A maioria tem como alvo o antígeno-4 dos linfócitos T citotóxico (CTLA-4), a proteína de morte celular programada 1 (PD-1), ou ligante do PD-1 (PD-L1), presente nas superfícies dos linfócitos CD4+ e CD8+ ou outros tipos de células imunes, como células T, B, NK e células tumorais. 

O primeiro inibidor de CTLA-4 foi o ipilimumabe, para melanoma metastático. Desde então mais 9 foram aprovados para outros tipos de câncer e são inibidores do CTLA-4, PD-1 e PD-L1, além de um inibidor do gene 3 de ativação do linfócito (LAG-3). Eles também podem ser utilizados em combinação, o que aumenta o risco de EA cardiovasculares. 

O tratamento com as células CAR-T consiste da transferência de células imunes residentes no tumor, como linfócitos, ou células sanguíneas do sistema imune periférico modificadas, como células T com modificação do receptor de antígeno quimérico (CAR), que são utilizadas no paciente com câncer para mediar as funções anti-tumorais.  

Essas células são modificadas geneticamente a partir de pacientes que expressam receptores recombinantes contra um antígeno específico na superfície celular. Isso resulta em ativação mais potente das células T e induz apoptose celular. Existem medicações com alvos CD19 para tratamento de leucemias e linfomas e recentemente duas novas medicações para mieloma foram aprovadas, com alvo em células B.  

Eventos adversos associados a ICI 

Miocardite: É o EA cardiovascular mais grave, com incidência baixa (0,27-0,67%), porém mortalidade altíssima, entre 30 e 50%. Os fatores de risco ainda não são claros e o mais estabelecido é o uso de combinações de ICI. Os outros fatores de risco possíveis são relacionado ao sexo, doença cardiovascular de base, outros tratamentos cardiotóxicos, doenças autoimunes e fatores genéticos.  

Leia também: ESC 2023: Anakinra para tratamento de miocardite aguda?

Na histopatologia, o predomínio é de linfóticos T CD8+, os responsáveis pela toxicidade. Ocorre mimetismo molecular, pelo qual essas células reconhecem os antígenos do miocárdio como sendo semelhantes aos antígenos tumorais e produzem citocinas inflamatórias que contribuem para o dano miocárdico. Porém, o mecanismo exato ainda precisa ser mais esclarecido. 

Essa complicação ocorre precocemente após o início do tratamento, porém há relatos de ocorrência em dias a anos após. Mais de 80% dos casos ocorrem nos primeiros 3 meses. Os sintomas variam entre dispneia, palpitação, dor torácica, fadiga, síncope e sinais de insuficiência cardíaca (IC). Na miocardite fulminante ocorre choque cardiogênico, bloqueio atrioventricular (BAV) ou arritmias incessantes. Alguns pacientes podem não ter sintomas e apresentar apenas alterações dos marcadores cardíacos ou exames de imagem, sendo muitas vezes subdiagnosticados. 

Ocorre manifestação concomitante de miastenia gravis em até 30% dos casos e esses pacientes têm maior risco de insuficiência respiratória, choque cardiogênico, arritmias e óbito. 

O desfecho varia entre os estudos e a mortalidade chega a 50%. Um registro internacional mostrou ocorrência de BAV completo em 16%, choque cardiogênico em 15%, parada cardiorrespiratória (PCR) em 15% e morte cardiovascular em 16%. 

O diagnóstico é baseado na apresentação clínica, biomarcadores, exames de imagem e histopatologia, que constituem critérios maiores e menores. A definição ainda inclui modificadores adicionais: gravidade, refratariedade a corticoides e estágio de recuperação.  

Biomarcadores: sugere-se a troponina I, mais específica. Porém, este exame pode se alterar em outras situações, como na síndrome coronariana aguda (SCA) ou injuria miocárdica da sepse. Coleta de troponina seriada de rotina é controversa, já que a prevalência é muito baixa. Os peptídeos natriuréticos não mostraram correlação com a gravidade da doença e nem todos têm IC. 

Eletrocardiograma (ECG): várias alterações já foram descritas, porém são inespecíficas. 

Ecocardiograma (eco): pode mostrar queda da fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE), hipocinesia difusa, alteração na mobilidade da parede, aumento da espessura ventricular, derrame pericárdico e alterações no strain longitudinal global. Porém, também são achados inespecíficos. 

Ressonância magnética (RM): é o exame preferido para diagnóstico, pois consegue avaliar o tecido miocárdico. O diagnóstico é baseado nos critérios modificados de Lake e Louise, com boa sensibilidade e especificidade para miocardite. 

Biópsia endomiocárdica: é o padrão ouro para diagnóstico e os critérios histopatológicos utilizados são os critérios de Dallas. Porém, é exame invasivo e com complicações em até 6%. Os achados são predomínio de linfócitos T CD8+, presença de linfócitos T CD4+ e infiltrado linfo-histiocitário que inclui células T CD68+. 

Quando o paciente tem suspeita clínica de miocardite, deve coletar troponina, realizar ECG e eco, outros diagnósticos mais comuns devem ser excluídos e, se mantida a suspeita, realiza-se biópsia endomiocárdica e/ou RM, a depender das condições clínicas do paciente. 

O tratamento de primeira linha é com corticosteroides em altas doses em até 24 horas do início do quadro, mantidos por 3 a 5 dias e reduzidos posteriormente em 4 a 6 semanas. Para os que não respondem ou persistem com troponina aumentada, indica-se associação de imunomoduladores. 

Após a recuperação do paciente não há dados sobre a segurança em relação a re-exposição à medicação. Pode ser que alguns tolerem, porém deve-se pesar o risco e o benefício e monitorizar esse paciente mais de perto. 

Antes de iniciar o ICI, os pacientes devem ter avaliação cardiovascular, ECG, troponina e peptídeos natriuréticos de base. O eco é recomendado para pacientes com doença já estabelecida. 

Pericardite e derrame pericárdico: são outras complicações possíveis, que tem incidência também baixa, porém também aumentam a mortalidade. Na ausência de miocardite concomitante, o tratamento é o da pericardite no geral, com anti-inflamatórios não esteroidais e colchicina. 

Vasculites: Incluem arterite de células gigantes e vasculites de pequenos e médios vasos. Também é raro e não se sabe se o ICI desencadeia uma nova vasculite ou desmascara uma já pré-existente. 

Doença tromboembólica: ocorre aumento de trombose venosa e arterial em até 8,5% dos pacientes. Os fatores de risco são inconsistentes e podem envolver anemia, história previa de trombose, aumento de DHL, trombocitose, leucocitose e obesidade. 

Aterosclerose: a ativação de células T pode levar a aterosclerose acelerada, porém os dados clínicos são contraditórios.  

Eventos adversos associados a células CAR-T 

A cardiotoxicidade por esta classe é pouco frequente, porém pode ocorrer cardiomiopatia, IC, arritmias, SCA, choque, PCR e morte cardiovascular. O EA mais comum é síndrome de liberação de citocinas (SLC), uma resposta inflamatória sistêmica desencadeada pela liberação de citocinas logo após a administração da medicação. 

Os mecanismos propostos para a cardiotoxicidade são diversos e envolvem ação direta das células nas células cardíacas semelhantes aos antígenos tumorais, de forma mediada pelas citocinas da SLC ou as células T atacariam inesperadamente antígenos semelhantes aos tumorais.    

Leia mais: Toxicidade cardiovascular: uma revisão das definições

A SLC é caracterizada por febre, taquicardia, hipotensão, hipóxia e toxicidade orgânica e ocorre em 70-90% dos pacientes. Pode ser leve, apenas com febre, ou causar lesões orgânicas e nos casos mais graves complicações cardiovasculares. 

Cardiomiopatia e IC: ocorre em 1 a 15% e pode se manifestar como Takotsubo. A FEVE pode se recuperar, porém até 50% persistem com alguma disfunção. 

SCA: ocorre em 1-7% dos pacientes. A ruptura da placa ocorre em decorrência da inflamação sistêmica, pode haver IAM tipo 2 e disfunção microvascular. O aumento de troponina ocorre em mais de 50% dos pacientes. 

Arritmias: a incidência ocorre em 5-12% e o mais comum é fibrilação atrial. A maioria é transitória e sem grande impacto. 

Hipotensão, choque e morte cardiovascular: hipotensão ocorre em até 25% dos pacientes, geralmente por choque distributivo relacionado a SLC. Choque cardiogênico é a minoria e PCR e morte cardiovascular são pouco frequentes. 

Fatores de risco para EA cardiovasculares: englobam os tradicionais, o grau de SLC, tipo de CAR-T e cardiotoxidade associado a tratamento de câncer prévio. 

Manejo: a maioria dos EA cardiovasculares ocorre no contexto de SLC, logo o reconhecimento desta complicação é crucial. Biomarcadores, como troponina, ECG e eco podem ser considerados para pacientes com sinais e sintomas de SLC mais graves (grau 2 ou 3) ou na suspeita de toxicidade cardiovascular. 

Tratamento: consiste em tratamento de suporte, com reposição volêmica, vasopressores se necessário e suporte ventilatório. Monitorização invasiva pode ser necessária em pacientes com IC. Nos casos de SLC grau 3 está indicado tratamento com anti-interleucina-6, tocilizumab e o uso precoce previne a ocorrência de EA cardiovasculares. Corticosteroides podem ser utilizados como segunda linha de tratamento e nos casos com neurotoxicidade. O manejo específico dos EA cardiovasculares vai depender da apresentação clínica. 

As complicações cardiovasculares no longo prazo, de quem teve cardiotoxicidade, não são bem conhecidas. Todos os pacientes que serão submetidos a tratamento com células CAR-T devem realizar avaliação cardiovascular, ECG, troponina, peptídeos natriuréticos e eco. Para os com fatores de risco ou sintomas pode-se considerar pesquisa de isquemia e o tratamento de comorbidades deve ser otimizado, com cuidados para evitar hipotensão.  

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Comentários e conclusão  

O aumento da disponibilidade dessas medicações nos próximos anos fará com que tenhamos que lidar cada vez mais com pacientes com toxicidade cardiovascular. É importante conhecermos as complicações possíveis e reconhecermos sua ocorrência precocemente, para possibilidade de tratamento adequado. Mais estudos são necessários para esclarecimento dos mecanismos envolvidos nos EA e melhores formas de tratamento. 

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Referências bibliográficas

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