O status epilepticus (SE) é uma emergência neurológica cuja incidência cresce com o avançar da idade e está associada a alta morbimortalidade e custos hospitalares elevados. Considerando a população idosa, os clínicos devem se atentar a diferenças específicas no manejo de SE considerando apresentação, etiologia, tratamento e prognóstico.
A revista Epilepsia, nessa conjuntura, publica revisão, com proposta de examinar as evidências atuais que orientam o tratamento do SE em idosos e identificar lacunas de conhecimento e recomendações que representam oportunidades para futuras investigações.
Métodos
O estudo consistiu em uma revisão crítica da literatura realizada no PubMed até setembro de 2024, incluindo termos relacionados a SE, envelhecimento, farmacocinética, farmacodinâmica e terapias disponíveis. Foram priorizados artigos da última década, mas também incorporados trabalhos clássicos e revisões relevantes para delinear aspectos epidemiológicos, fisiopatológicos e terapêuticos.
Definições
A definição de pessoa idosa possui variação entre os pontos de corte de faixa etária entre as idades de 60 ou 65 anos ao examinar a demografia do SE.
A terminologia para descrever o SE, particularmente o SE não convulsivo (NCSE), evoluiu significativamente nos últimos 30 anos. O termo NCSE é aplicado a casos sem sintomas motores evidentes, confirmados (ou não) pelo EEG, conforme definições diagnósticas atualizadas como as de Salzburg.
De forma comparativa, o SE em idosos é mais frequentemente do tipo não convulsivo e pode ser mais refratário.
Etiologia
Acidente vascular cerebral, traumatismo cranioencefálico, alterações metabólicas e demência ficam entre as causas comuns de SE em idosos, enquanto a retirada de medicamentos antiepilépticos e o SE relacionado ao álcool são etiologias menos frequentes.
Aproximadamente 35% dos idosos com SE apresentam epilepsia prévia, enquanto quase dois terços dos casos correspondem a SE de início recente.
Alterações fisiológicas do envelhecimento
As mudanças fisiológicas do envelhecimento influenciam tanto o risco de SE quanto as estratégias de manejo em idosos.
A geração de crises epiléptica está relacionada à excitação excessiva ou à perda de mecanismos inibitórios. Alterações relacionadas à idade na sinalização neuronal podem influenciar no risco de SE, representando uma área pouco explorada, com potencial de esclarecer por que os idosos têm maior probabilidade de desenvolver SE após uma lesão cerebral aguda em comparação com adultos mais jovens. Há evidências como mudanças nos receptores GABA e glutamato, assim como deposição de produtos da neurodegeneração (ex. amiloide e tau), que podem justificar hiperexcitabilidade neuronais presentes na SE nos idosos.
Além disso, mudanças fisiológicas relevantes associadas ao envelhecimento que afetam a absorção de fármacos, a farmacocinética, a farmacodinâmica e a eliminação podem influenciar na estratégia do manejo de SE nessa população.
As concentrações de albumina diminuem na desnutrição e em doenças agudas, como também podem apresentar redução marginal com a idade (≤ 20%; cerca de 0,5 g/L por década). A queda nas concentrações de albumina pode resultar em variação individual na ligação proteica, de modo que a depuração hepática de fármacos não-ligados pode aumentar em resposta a essa redução, dificultando extrapolações para toda a população idosa. Ademais, o aumento da gordura corporal e a redução do conteúdo de água no corpo levam a maiores concentrações de fármacos hidrossolúveis e à eliminação prolongada de fármacos lipossolúveis em até 20%. Por fim, de forma geral, as reações adversas a medicamentos se correlacionam com o avanço da idade.
Manejo terapêutico do status epilepticus (SE) em idosos
Algumas considerações gerais são destacadas no manejo terapêutico de SE em pessoas idosas, como: fatores individuais do paciente (ex. comorbidades, nível funcional basal, etiologia do SE e valores pessoais), atenção aos riscos tanto de subtratamento quanto de excesso de tratamento do SE e avaliar de modo crítico que, a depender do caso apresentado, o uso de algoritmos terapêuticos do SE tônico-clônico generalizado pode não ser apropriado em idosos com SE focal, crises repetitivas ou status epilepticus eletrográfico.
Considerando a classe de fármacos utilizadas para status epilepticus em idosos, algumas ponderações podem ser realizadas:
Benzodiazepínicos:
- Na ausência de evidências que avaliem a necessidade de modificação de dose em idosos, seguir as diretrizes de dose da NCS/AES;
- Considerar que sarcopenia significativa pode reduzir a biodisponibilidade do midazolam intramuscular.
- Reconhecer que a depuração reduzida e a meia-vida prolongada podem levar a uma sedação mais duradoura, especialmente em cenários de múltiplas doses ou com fármacos que sofrem metabolismo hepático significativo (por exemplo, midazolam, diazepam, clonazepam).
Antiepilépticos não benzodiazepínicos:
- Considerar condições clínicas associadas ao selecionar esses fármacos, incluindo disfunções renal e hepática, histórico cardíaco e arritmias;
- Fármacos menos sedativos podem ser preferíveis em relação aos mais sedativos;
- Estar atento ao possível efeito sedativo cumulativo de múltiplos antiepilépticos.
Anestésicos intravenosos em infusão contínua:
- Considerar o uso de cargas adicionais de medicamentos antiepilépticos antes de iniciar etapa de anestésicos intravenosos, especialmente em casos de SE focal, SE eletrográfico (ESE) ou crises repetitivas em pacientes com proteção adequada de vias aéreas ou em contextos de limitação de cuidados.
- Infusão de cetamina sem intubação pode ser uma opção razoável em casos selecionados;
- Os efeitos adversos dos barbitúricos podem ser exacerbados em idosos.
Adjuvantes:
- O perampanel pode ser um antiepiléptico adjuvante menos sedativo.
- Considerar o uso de terapias não farmacológicas, como terapias dietéticas.
Prognóstico
Diversos fatores são importantes para compreender o prognóstico após o status epilepticus (SE). A morbimortalidade, por exemplo, está associada ao aumento da refratariedade ao tratamento. Há relatos de taxas de mortalidade de 4,2%, 14,9% e 37,9% em adultos com SE, SE refratário (RSE) e SE super-refratário (SRSE); enquanto, por outro lado, em pessoas idosas esse é ainda maior, com taxas de 8,7%, 21,6% e 43,1% de mortalidade em SE, RSE e SRSE, respectivamente.
A idade é incorporada em duas ferramentas clínicas amplamente reconhecidas para estratificação no SE: o Status Epilepticus Severity Score (STESS) e o Epidemiology-Based Mortality Score in Status Epilepticus (EMSE). Em ambas, o aumento da idade esteve associado à mortalidade; no entanto, a ferramenta EMSE demonstrou melhor desempenho em comparação ao STESS na predição de risco de morte em pacientes com idade ≥ 60 anos.
Ademais, a idade é um fator menos claramente estabelecido nas decisões sobre limitação de suporte de vida devido à percepção de mau prognóstico neurológico. Até o momento, os autores enfatizam não haver estudo com investigação específica na associação entre idade e limitação de suporte de vida em status epilepticus. Para os sobreviventes de SE, o risco de mortalidade aumenta nos 2-3 anos após um episódio, estabilizando-se posteriormente.
Mensagem prática
Em termos práticos, o artigo reforça que o reconhecimento precoce e o manejo individualizado do SE em idosos são cruciais, levando em conta fragilidade clínica, polifarmácia e maior risco de toxicidade medicamentosa. A personalização das doses e a vigilância rigorosa podem reduzir complicações, mas há urgente necessidade de estudos específicos nessa população para guiar condutas mais seguras e eficazes.
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