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Neurologia14 janeiro 2025

Atualização sobre status epilepticus

Status epilepticus (SE) é uma das principais emergências neurológicas. Crises epilépticas prolongadas ou recorrentes sem recuperação do estado de consciência entre os eventos.
Por Danielle Calil

O Status epilepticus (SE) pode causar injúria neurológica irreversível e tem alta morbimortalidade. Nos últimos 10 anos, grandes avanços foram alcançados em definição, classificação, diagnóstico e abordagem dessa condição. Entretanto, disparidades no manejo persistem, especialmente entre países de alta renda e países de baixa- média renda. A Lancet Neurology recentemente divulga revisão sobre o tema contemplando mudanças recentes realizadas na definição desse transtorno, desenvolvimentos quanto aos dados epidemiológicos, fisiopatológicos e etiológicos e avanços em diagnóstico e tratamento.

Definição e Classificação do Status Epilepticus (SE)

Em 2015, a International League Agains Epilepsy (ILAE) propôs uma nova definição de status epilepticus ao combinar aspectos fisiopatológicos com a necessidade de intervenção clínica precoce.

A definição de status epilepticus compreende que em determinado momento (estipulado como t1) os mecanismos fisiológicos para interrupção de uma crise epiléptica falharam, gerando um evento atipicamente prolongado que persistirá na ausência de uma intervenção médica emergencial. Caso as terapias iniciais sejam má sucedidas até alcançar um período temporal secundário (estimado como t2), há potencial para surgimento de consequências de longo prazo como injúria neuronal e óbito.

Os valores de t1 e t2 variam conforme a semiologia da crise:

  • Crises tônico-clônicas generalizadas: t1 = 5 minutos, t2 = 30 minutos.
  • Crises focais disperceptivas: t1 = 10 minutos, t2 > 60 minutos.
  • Crises de ausência: t1 = 10-15 minutos, t2 é desconhecido.

Status epilepticus é classificado em subgrupos baseados em quatro eixos: semiologia, causa, correlatos de EEG e idade. Quando o status epilepticus persiste após o uso de duas medicações adequadas (como benzodiazepínicos e antiepilépticos não-benzodiazepínicos), ele é considerado refratário. Se durar mais de 24 horas apesar de todas as terapias, incluindo anestesia geral, acrescenta-se o termo super-refratário. Dois subtipos específicos incluem: (1) New Onset Refractory Status Epilepticus (NORSE), subtipo de SE em pacientes sem histórico de epilepsia ou distúrbios neurológicos prévios; (2) Febrile Infection-Related Epilepsy Syndrome (FIRES), subtipo de SE associado à infecção febril de 24 horas a 2 semanas antes de seu início.

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Epidemiologia

A incidência de status epilepticus depende de diversos fatores utilizados na sua definição, como semiologia das crises epilépticas, localização geográfica, distribuição etária da população, método do desenho do estudo epidemiológico realizado. Na Europa e América do Norte, estudos observacionais estimam incidência de SE convulsivo entre 9 e 40 a cada 100 mil pessoas-ano respectivamente, com maiores taxas em crianças e idosos.

Fisiopatologia e etiologia

Modelos animais ajudaram a elucidar mudanças moleculares e celulares que interferem no equilíbrio entre inibição e excitação no status epilepticus. Durante as crises prolongadas, ocorre redução da expressão celular de receptores GABA-A e aumento da expressão de receptores NMDA na superfície celular, proporcionando um aumento de receptores com estímulo excitatório. Além disso, mudanças do ambiente iônico celular também ocorrem, como aumento intracelular de cloreto diante da internalização do transportador KCC2 que, como resultado, pode transformar a sinalização GABAérgica de hiperpolarizante para despolarizante no neurônio. Essas alterações, inclusive, podem explicar o porquê em alguns casos de status epilepticus ocorre refratariedade aos benzodiazepínicos (drogas de primeira linha) no uso inicial de drogas GABAérgicas.

A compreensão da fisiopatologia dessa emergência neurológica é derivada de estudos em modelos animais e, portanto, ainda são necessárias pesquisas futuras em humanos para corroborar esses achados descobertos em modelos animais.

A etiologia de SE pode ser decorrente de causas infecciosas, vasculares, tóxico-metabólicas, imunomediadas, iatrogênicas ou até relacionadas à suspensão de medicamentos anticrise em pacientes com epilepsia. Geralmente etiologias relacionadas com patologia primária do sistema nervoso central possuem pior prognóstico e maior risco para óbito intra-hospitalar. Por outro lado, gatilhos como concentração subterapêutica de medicamentos anticrise apresentam menor risco de prognóstico ruim e de óbito intra-hospitalar.

Diagnóstico do status epilepticus

A investigação inicial complementar de um indivíduo com status epilepticus é importante para direcionamento terapêutico. Exames laboratoriais devem contemplar coleta sérica como hemograma completo, glicose e eletrólitos e, se possível, acrescentar, função hepática, função renal, gasometria, lactato, troponina, creatinoquinase e exame toxicológico. Para mulheres em idade fértil deve ser considerada solicitação de beta-HCG. Além disso, inicialmente é importante a abordagem em pronto-socorro como neuroimagem para exclusão de causas estruturais.

Considerando a investigação laboratorial, há estudo que demonstrou níveis séricos elevados de prolactina em pacientes com status epilepticus ao ser coletado 10-20 minutos após evento epiléptico com sensibilidade de 53% e especificidade de 93% para diagnóstico de SE. Embora seja um recurso com limitação ao considerar a necessidade de coleta da amostra sérica dentro do período de 20 minutos após a crise, é um dado que pode auxiliar a diferenciação de status epilepticus com outros diagnósticos diferenciais como crise não-epilépica psicogênica.

A neuroimagem, por sua vez, é essencial na abordagem para avaliação de causas primárias do sistema nervoso central. A propedêutica pode ser realizada como tomografia de crânio, mas, se possível, exame de ressonância de crânio é mais acurado e preferencial caso disponível. A depender da suspeita clínica, pode ser considerando complementar com estudo de vasos cerebrais através do contraste.

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Em casos de suspeita de causas infecciosas ou neoplásicas de SNC, além de exame laboratorial sérico com hemoculturas, é importante a análise de líquor através da punção lombar. Em casos de status epilepticus pode ocorrer aumento de proteinorraquia e de pleocitose diante de uma crise epiléptica mais prolongada. Apesar desse dado, recomenda-se cautela para investigação principalmente no que cerne a exames modernos de neuroimagem e de laboratório que possibilitam melhor identificação de causas infecciosas e imunomediadas.

Em casos de pacientes com alteração do estado mental em andamento e suspeita de status epilepticus não convulsivo, o monitoramento com eletroencefalograma é fundamental se disponível. A avaliação desse exame depende da interpretação de análise visual do EEG digital por um neurofisiologista treinado. Apesar do ideal ser considerado um exame de EEG contínuo para detecção de atividade epileptiforme, esse método não é facilmente disponível em centros de países de média-baixa renda. Nesses casos, exames de rotina de EEG intermitentes podem ser utilizados embora, em estudo prévio, essa estratégia não conseguiu captar 10% das crises subclínicas.

Manejo

Considerando que se trata de uma emergência neurológica, o primeiro passo na abordagem do paciente com status epilepticus é estabilização hemodinâmica. O tratamento para SE segue um algoritmo escalonado, composto por terapias de primeira, segunda e terceira linha caso necessários para cessar o evento epiléptico prolongado.

A primeira linha engloba drogas da classe benzodiazepínicos (mais recomendadas são lorazepam, diazepam e midazolam). Ainda que alguns casos de status epilepticus possam ter farmacorresistência a tais drogas, há dados de que pacientes com essa condição possam ser responsivos mesmo após 15 minutos da administração desses medicamentos. Revisões sistemáticas indicam que médicos com acesso para todas as drogas da classe geralmente preferem lorazepam ao comparar com diazepam, tanto para adultos quanto crianças. Diazepam, por sua vez, é mais disponível e acessível ao comparar com lorazepam e midazolam. Em casos em que haja indisponibilidade de benzodiazepínicos, o uso de fenobarbital intravenoso/intramuscular pode ser utilizado como primeira linha, na qual recomenda-se que a dose de ataque seja administrada cautelosamente em duas doses diante do risco de depressão respiratória. Levetiracetam nasogástrico é outra opção possível.

Já o tratamento de segunda-linha, iniciado em caso de persistência de crise após falha das terapias de primeira linha, contempla medicamentos anticrise via intravenosa como fenitoína, valproato de sódio, levetiracetam e fenobarbital dentro dos 20-40 minutos do início do status epilepticus.

Em casos de falha à terapia de segunda linha para contenção do SE, devem ser iniciadas as drogas de terceira linha que contemplam infusão contínua de midazolam, propofol ou pentobarbital. Nas últimas décadas, há uma tendência a optar pelo uso de propofol e midazolam em comparação ao pentobarbital. Prescrição de cetamina, antagonista receptor NMDA competitivo, pode ser utilizado como alternativa a essas medicações. Não há ensaio clínico randomizado grande o suficiente para guiar a melhor escolha ou dose de droga para manejo de status epilepticus refratário ou super-refratário. Geralmente o padrão de supressão pela infusão anestésica é limitada a 24-48 horas. Nesses casos, o início simultâneo de medicação antiGABAérgica crise de longa duração (como fenitoína, lacosamida, levetiracetam, fenobarbital ou ácido valproico) pode ser adicionado ao tratamento de status epilepticus refratário a fim de manter o controle de crises após suspender a infusão.

Considerações Finais

O manejo do status epilepticus continua a evoluir, com novos avanços em diagnóstico e terapias. Pesquisas futuras podem proporcionar melhorares evidências em abordagem e em prognóstico, especialmente em países de baixa e média renda, na qual disparidades de cuidado ainda são evidentes.

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Referências bibliográficas

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