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Clínica Médica23 julho 2019

Manejo de dor com métodos não narcóticos

Artigo de revisão do NEJM fala sobre alternativas para tratamento da dor, a fim de evitar o uso dos opioides, seus efeitos adversos e a dependência gerada.

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A dor aguda é um dos principais motivos de ida à emergência e a dor crônica, especificamente a dor lombar crônica, de incapacidade. Sabemos que a dor, por definição, é uma experiência sensorial e emocional associada a autopreservação, devido a lesão real ou potencial de um tecido, cuja função é proteger o organismo de danos diretos, promovendo o estado de alerta à região acometida e uma reação com intuito de interromper o processo causal.

No entanto, quando a dor é originada da estrutura somato-sensitiva danificada, denomina-se dor neuropática. Recentemente, no dia 19 de junho, o The New England Jornal of Medicine publicou o artigo de revisão Manejo de dor com métodos não narcóticos e discutiremos os pontos principais abordados a seguir.

Os fatores associados, condições do paciente e a heterogeneidade da dor envolvida dificultam o estabelecimento de um algoritmo facilmente aplicável, devendo ser realizado um tratamento individualizado. O uso crônico de medicamentos opioides para manejo da dor tem sido relacionado com muitos efeitos colaterais, como sonolência, alteração cognitiva e memória, dependência e tolerância. Com isso, tem-se estimulado o manejo não opiáceo para dor crônica.

Para escolha do tratamento adequado, uma avaliação ampla é preconizada, baseada em aspectos temporal (agudo, crônico, intermitente, paroxístico), causal e multifatorial (intensidade, condições coexistentes, interferência nas atividades, estado físico e psicológico, social, comportamento). A avaliação da intensidade com uso da escala numérica de dor deve ser valorizada. Entretanto, ressalta-se que o resultado adquirido é oriundo de subjetividade e experiência prévia relacionada. Pacientes crônicos acometidos tendem a ter ansiedade e depressão em associação, e essa interação pode gerar uma poderosa crença limitante afetando múltiplas áreas e, por consequência, a sua qualidade de vida.

O artigo refere que várias sociedades e centros de referência têm enfatizado abordagens educacionais através de programas interdisciplinares. Nessas abordagens, se busca não somente o uso de terapia medicamentosa, mas também sua associação com terapias não farmacológicas para dor aguda. Inclusive, se utiliza fisioterapia e terapia cognitivo-comportamental como primeira linha de tratamento para dor crônica, deixando a abordagem medicamentosa, intervencionista e cirúrgica voltadas para os casos refratários.

Entre as psicoterapias, destacam-se a terapia cognitivo comportamental (demonstra um grande ganho para o paciente referente a melhora na realização de atividades diárias, do engajamento social e da crença limitante), a hipnose, o biofeedback, o controle emocional e o manejo de estresse. No entanto, há poucos estudos relacionados na utilização dessas técnicas, carecendo de evidências. 

Já o tratamento farmacológico não opiáceo possui uma variedade de medicações disponíveis, com diversos mecanismos de atuação. Medicamentos como analgésicos, anti-inflamatórios não esteroidais, antidepressivos e drogas antiepilépticas estão no arsenal referido.

O acetaminofeno, popularmente conhecido como paracetamol, é o analgésico e antipirético mais usado nos Estados Unidos, considerado uma medicação muito segura. Com relação aos seus efeitos colaterais, a grande preocupação é a hepatotoxicidade quando utilizado em altas doses, sendo a principal causa de falência hepática aguda. Outro efeito colateral relatado é reação dermatológica. O uso na gestação ainda está sendo avaliado pela Food and Drug Administration (FDA).

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O ácido acetilsalicílico e os anti-inflamatórios não esteroidais (AINES) são medicações com propriedades anti-inflamatórias e possuem como efeitos colaterais possíveis: náusea, sangramento gastrointestinal e reações de hipersensibilidade. O uso de AINES deve ser com a dosagem mais baixa, com o menor tempo possível e sua aplicação para tratamento de dor leve a moderada de diversas áreas da medicina. Importante lembrar que, mesmo avaliado como baixo risco, os AINES podem ser associados a infarto do miocárdio e a acidente vascular cerebral.

Os antidepressivos tricíclicos e os inibidores de recaptação de serotonina-noradrenalina, representados pela Duloxetina, são utilizados para o tratamento da depressão. Porém são mais uma opção para o tratamento de dor, principalmente, como primeira linha de escolha no tratamento de dor neuropática. Foi comprovado a redução da dor após uso dessas medicações em paciente com e sem o diagnóstico de Depressão. Seus mecanismos de ação envolvem ação central, atuando na membrana pré-sináptica, e periférica, através dos receptores Beta2 adrenérgicos e sistema opiáceo das vias inibitórias de dor. Outras possibilidades de uso já comprovadas, com bons resultados, são nos diagnósticos de migrânea, cefaleia tensional e fibromialgia. Entre os tricíclicos, a que possui melhores resultados analgésicos é a amitriptilina, e os que possuem menos efeitos colaterais (sonolência e efeitos anticolinérgico) são desipramina, imipramina e nortriptilina.

O uso dos antiepilépticos para o manejo de dor mostrou-se benéfico, sendo mais uma opção de tratamento. Dentre as alternativas, a Pregabalina e a Gabapentina, que agem nos canais de cálcio, tiveram bons resultados para o uso na dor neuropática. Além disso, a Pregabalina mostrou-se eficaz para o tratamento da fibromialgia, e o artigo desaconselha o seu uso perioperatório devido a efeitos adversos perigosos. O uso dessas medicações em outras condições ainda carece de estudo, não havendo evidência científica comprovada. Outros antiepilépticos podem ser utilizados como a carbamazepina e a oxcarbamazepina, que são primeira opção para neuralgia trigeminal.

Outra opção referida é o tratamento local. Consiste em 3 linhas utilizadas. A primeira linha é a aplicação de patch de lidocaína na dose de 1,8% ou 5%, aprovada pela FDA no tratamento de dor de neuralgia pós herpética e neuropatia periférica. A segunda linha de tratamento é o patch de Capsacaína, o qual sua aplicação repetida causa uma dessensibilização e diminuição do número de receptores de dor periféricos, sendo indicado na neuralgia pós- herpética e polineuropatia dolorosa; e deve-se evitar o contato da medicação com mucosas. O efeito adverso mais comum nesses patchs é reação de hipersensibilidade dermatológica, causando irritação local. A aplicação de toxina botulínica tipo A é aprovada como terceira linha no tratamento de neuropatia periférica dolorosa.

Quanto ao manejo intervencionista, o artigo afirma a importância da cirurgia nos casos em que a causa pode ser abordada de forma segura e gerar um benefício clínico real, e dá como exemplos hérnias de disco ou tumores adjacentes ao tecido neural. Devices elaborados para modulação da dor, como estimulador medular e estimulação magnética transcraniana repetitiva possuem fraca evidência quanto ao seu uso. Para a neuralgia pós-herpética e cefaleia em salvas o uso de tratamento intervencionista, como a rizotomia percutânea por radiofrequência ou descompressão microvascular e a estimulação de nervo occipital, estão entre as opções referidas, respectivamente. A analgesia epidural ou intratecal é muito utilizada em pacientes com dor refratária associada ao câncer.

As terapias complementares também são recomendadas, principalmente a massagem e a acupuntura, apesar desta ter seu uso controverso, além de meditação e yoga, principalmente com intuito de garantir melhora psicológica.

Alguns avanços estão ocorrendo para melhor entendimento do mecanismo da dor, a fim de gerar possibilidades terapêuticas futuras. Muitas pesquisas estão em andamento e algumas novas opções estão em teste, como o peptídeo relacionado ao gene da calcitonina (CGRP) e agonistas serotoninérgicos para enxaqueca e antagonista do receptor tipo 2 da angiotensina II e bloqueadores dos canais de sódio para dor neuropática. Para tratamento na emergência e manejo pós-operatório, o uso de óxido nitroso e quetamina tem se tornado boas alternativas. 

Vale ressaltar que já há uma tentativa de individualizar a terapêutica com base na busca de biomarcadores relacionados ao mecanismo da dor, que predizem qual tratamento será mais eficaz para cada paciente.

Por fim, conclui-se que há muitas alternativas para o tratamento da dor, a fim de evitar o uso dos opioides, seus efeitos adversos e a dependência gerada. Um manejo visando a educação do paciente, uma abordagem psicológica e o ato de evitar opioides garantem um melhor manejo nas dores crônicas.

 

Referências:

  • Nonnarcotic Methods of Pain Management. Nanna B. Finnerup, M.D. N Engl J Med 2019; 380:2440-2448.
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