O hipotireoidismo subclínico (HSC) é uma disfunção endócrina caracterizada por níveis elevados de TSH com T4 livre dentro da normalidade. Evidências crescentes indicam uma associação entre HSC e enxaqueca, incluindo formas episódicas e crônicas. De forma que o mecanismo associado envolve o potencial papel modulador dos hormônios tireoidianos na neuroinflamação, no metabolismo energético e na função neurotransmissora.
Assim, surgem hipóteses de que a reposição hormonal em baixa dose poderia atenuar a frequência e intensidade das crises de enxaqueca. Em 2025, a revista BMC Neurology publicou a primeira meta-análise sobre o uso de levotiroxina em baixa dose em pacientes com enxaqueca associada ao hipotireoidismo subclínico, avaliando seus efeitos sobre parâmetros clínicos relevantes como frequência de crises, severidade e impacto funcional.
Métodos
Trata-se de revisão sistemática com meta-análise conduzida segundo diretrizes PRISMA. O protocolo foi previamente registrado no PROSPERO. Foram incluídos ensaios clínicos randomizados (ECRs), estudos de coorte e caso-controle que avaliaram o uso de levotiroxina em adultos com diagnóstico concomitante de enxaqueca e HSC.
Fontes de dados: Foram realizadas buscas sistemáticas nas bases Cochrane Central, Medline, Embase, Web of Science e Scopus entre 15 e 30 de outubro de 2024, utilizando termos controlados relacionados a “hipotireoidismo”, “levotiroxina” e “enxaqueca”.
Critérios de inclusão
- Adultos com enxaqueca (episódica ou crônica) e diagnóstico de HSC;
- Uso de levotiroxina em baixa dose;
- Estudos com grupo controle (placebo ou sem reposição hormonal);
- Desfechos relacionados à frequência e severidade das crises de enxaqueca.
Desfecho primário: Redução da frequência de crises de enxaqueca.
Desfechos secundários: Intensidade da dor, escore MIDAS, efeitos adversos da reposição tireoidiana e impacto na qualidade de vida.
Análise estatística: Utilizou-se o software R para a meta-análise.
Avaliação de viés: Realizada por dois revisores independentes, aplicando o Newcastle-Ottawa Scale (para estudos observacionais) e a ferramenta ROB-2 (para ECRs).
Resultados
Foram incluídos quatro estudos que preencheram os critérios de elegibilidade, totalizando 322.300 participantes, com predominância de mulheres e ampla faixa etária. Os estudos apresentaram desenhos metodológicos distintos: um ensaio clínico randomizado (Dev et al., 023), um estudo caso-controle (Filipchuk et al., 2022) e duas coortes retrospectivas de larga 2 escala (Hepp et al., 2018; Lage et al., 2020).
De forma geral, observou-se uma tendência consistente de redução da frequência e intensidade das crises de enxaqueca entre os indivíduos com HSC tratados com levotiroxina, embora os resultados quantitativos fossem heterogêneos.
O estudo de Dev et al., único ECR incluído, demonstrou resultados clinicamente significativos: após três meses de tratamento com 25 mcg/dia de levotiroxina, houve redução média de 1,61 episódios mensais de enxaqueca, além de melhora na intensidade da dor (diferença média de 1,15 pontos na escala de dor) e no escore MIDAS (diferença de 2,15 pontos). Ambos os grupos mantiveram o tratamento profilático habitual para enxaqueca, isolando o efeito da reposição hormonal.
No estudo observacional de Filipchuk et al., pacientes com enxaqueca crônica apresentaram maior prevalência de hipotireoidismo tratado do que aqueles com enxaqueca episódica (29,5% vs. 8,9%; p < 0,01), sugerindo uma possível associação entre disfunção tireoidiana e cronificação da cefaleia.
A análise de Hepp et al., com mais de 300 mil pacientes, indicou que a adesão à levotiroxina estava associada a menor frequência de enxaqueca e menor prevalência de comorbidades psiquiátricas e metabólicas (como depressão e diabetes), embora o efeito sobre migrânea tenha sido modesto (OR 0,94).
Já o estudo de Lage et al., com gestantes hipotireoidianas, revelou que o uso de levotiroxina esteve associado a menor prevalência de enxaqueca (2,7% vs. 4,1%) e menor carga de comorbidades, mesmo em uma população com características hormonais e imunológicas específicas.
Na meta-análise quantitativa, que incluiu os estudos de Hepp e Lage, o uso de levotiroxina mostrou redução da frequência de enxaqueca, porém sem significância estatística no modelo de efeitos aleatórios (OR 0,94; IC 95% 0,85–1,03), sugerindo possível benefício clínico, mas com variabilidade entre os estudos. A heterogeneidade metodológica (populações, doses e desfechos) foi considerada alta.
Discussão: terapia com levotiroxina
Os achados da presente revisão sugerem que a levotiroxina em baixa dose pode estar
associada à redução da frequência e da intensidade das crises de enxaqueca em pacientes com HSC, ainda que com significância estatística limitada na meta-análise agregada. Estudos individuais, como o ECR de Dev et al., demonstraram melhora clínica robusta.
O efeito terapêutico parece mais pronunciado em pacientes com enxaqueca crônica e hipotireoidismo subclínico tratado. Os mecanismos fisiopatológicos propostos envolvem a modulação de neuroinflamação, melhora do metabolismo energético cerebral e redução da reatividade neurovascular.
As evidências também destacam a relevância da triagem de função tireoidiana em pacientes com cefaleia crônica refratária, especialmente em mulheres, gestantes e indivíduos com sintomas atípicos.
Limitações
A meta-análise é limitada pelo pequeno número de estudos incluídos, com heterogeneidade significativa entre os desenhos (ECR, coorte, caso-controle), populações (gestantes, adultos jovens), e variações na dose, duração e adesão à levotiroxina.
Além da ausência de padronização na análise dos desfechos (alguns utilizaram MIDAS, outros apenas registros clínicos), o que prejudica a análise.
A baixa precisão estatística impede conclusões definitivas, e a possibilidade de viés de seleção deve ser considerada nos estudos observacionais.
Além disso, a generalização dos resultados é restrita, uma vez que a maioria dos estudos foi conduzida em contextos populacionais específicos.
Mensagem final: hipotireoidismo subclínico e levotiroxina
O uso de levotiroxina em baixa dose pode reduzir a frequência e intensidade das crises de enxaqueca em pacientes com hipotireoidismo subclínico, embora a evidência atual seja limitada por heterogeneidade e escassez de dados robustos.
A triagem tireoidiana deve ser considerada na avaliação de pacientes com enxaqueca, principalmente naqueles com quadros crônicos.
Novos ensaios clínicos randomizados, com metodologia padronizada e maior poder estatístico, são necessários para confirmar esses achados e orientar medidas terapêuticas bem definidas para um tratamento objetivo e personalizado.
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