Enxaqueca: Comparativo das intervenções medicamentosas para o manejo agudo
A enxaqueca é um distúrbio neurológico caracterizado por episódios incapacitantes e recorrentes de dor de cabeça moderada a grave e sintomas concomitantes que duram até 72 horas. Afeta mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo, é a principal causa de incapacidade em meninas e mulheres de 15 a 49 anos. As consequências se estendem ao bem-estar biopsicossocial.
O tratamento agudo de episódios de enxaqueca consiste em intervenções medicamentosas destinadas a fornecer alívio rápido e sustentado da dor e, idealmente abortá-la. Vários medicamentos com diferentes mecanismos de ação estão disponíveis. As diretrizes clínicas internacionais geralmente endossam medicamentos anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) como tratamento inicial, enquanto os triptanos são recomendados para episódios moderados a graves ou quando a resposta aos AINEs é insuficiente.
Nos últimos anos, o lasmiditan e os os “gepants” foram introduzidos como outras opções, especialmente para pacientes com contraindicações aos triptanos devido a potenciais efeitos vasoconstritivos e maior risco de eventos isquêmicos. No entanto, não existe um consenso claro sobre quais agentes específicos dessas classes de medicamentos devem ser selecionados inicialmente.
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Revisão sistemática
Dada a ampla gama de medicamentos para o tratamento agudo da enxaqueca, médicos e pacientes precisam de evidências robustas para fazer a melhor escolha individualizada na prática. Os autores desde artigo realizaram uma revisão sistemática e meta-análise em rede para comparar medicamentos orais licenciados para o tratamento agudo de episódios de enxaqueca em adultos.
Foram incluídos os resultados de 137 ensaios clínicos randomizados que compreenderam 89.445 participantes alocados a uma das 17 intervenções ativas ou placebo. Todas as intervenções ativas mostraram eficácia superior em comparação com o placebo para resolução da dor.
Em comparações frente a frente entre intervenções ativas, o eletriptano foi a droga mais eficaz para resolver a dor em duas horas, seguido por rizatriptano, sumatriptano e zolmitriptano. Para resolução da dor sustentada (24h), as intervenções mais eficazes foram o eletriptano e o ibuprofeno.
Resultados
Em comparação com estudos anteriores, essa revisão sistemática e meta-análise em rede forneceram síntese abrangente de dados sobre o tratamento agudo da enxaqueca em adultos. Evidenciaram que alguns triptanos — eletriptano, rizatriptano, sumatriptano e zolmitriptano — tinham os perfis gerais mais favoráveis em termos de eficácia e tolerabilidade. Esses quatro triptanos foram mais eficazes do que os medicamentos mais recentemente comercializados lasmiditan, rimegepant e ubrogepant, que, com base nos resultados, mostraram eficácia comparável à do paracetamol e da maioria dos AINEs.
Os triptanos são contraindicados em pacientes com doença vascular, representando uma limitação importante ao seu uso. No entanto, as preocupações sobre sua segurança cardiovascular permanecem difíceis de interpretar. Além disso, estudos avaliando a resposta a altas doses de eletriptano intravenoso ou sumatriptano subcutâneo não encontraram vasoconstrição clinicamente significativa em pacientes submetidos a angiografia coronariana diagnóstica. Estudos futuros revisitando as contraindicações vasculares de triptanos são cruciais para minimizar oportunidades de tratamento potencialmente perdidas.
Os medicamentos comercializados mais recentemente, como lasmiditan, rimegepant e ubrogepant, não estão associados a efeitos vasoconstritivos e, portanto, foram promovidos como alternativas para pacientes para os quais os triptanos são contraindicados ou não tolerados. Embora o rimegepant tenha sido bem tolerado, o ubrogepant mostrou maior risco de náuseas em comparação com o placebo. Lasmiditan foi associado a um risco substancial de tontura, juntamente com parestesia e sedação. Restrições levantadas pela FDA contra dirigir por oito horas após a ingestão de lasmiditan é um dos desafios ao seu uso. Além disso, os altos custos desses novos medicamentos representam uma barreira ao seu uso generalizado e exigem ensaios para verificar sua relação custo-benefício para pacientes com resposta insuficiente aos triptanos.
Impacto do estudo
Esse estudo mostrou uma grande variação no desempenho entre os AINEs individuais. O diclofenaco de potássio mostrou eficácia e tolerabilidade próximas à do sumatriptano, mas essas estimativas foram imprecisas devido aos grandes intervalos de confiança. Para o ibuprofeno, a estimativa de alta eficácia para a resolução da dor sustentada. O ácido acetilsalicílico e o naproxeno sódico mostraram eficácia moderada, com tolerabilidade comparável à do sumatriptano. O celecoxibe ficou com o pior resultado entre os AINEs, enquanto evidências escassas estavam disponíveis para a fenazona. Em conjunto, os AINEs tiveram um desempenho pior do que os triptanos, foram comparáveis aos gepants e tiveram menor probabilidade de causar eventos adversos em comparação com o lasmiditan. O paracetamol, embora tenha um efeito limitado para a resolução da dor em duas horas, provou ser bem tolerado, afirmando seu papel como uma opção viável para aqueles que buscam alívio da dor com baixo risco de eventos adversos.
Os resultados sobre benefícios e malefícios devem influenciar a tomada de decisões clínicas, considerando as preferências de pacientes, cuidadores e profissionais de saúde.
No geral, os resultados sugerem que os triptanos de melhor desempenho devem ser considerados o tratamento de escolha para episódios de enxaqueca devido à sua capacidade de induzir o alívio da dor rápida e sustentada, o que é de fundamental importância para o paciente.
Embora recentemente introduzido no mercado, os autores sugerem lasmiditan, rimegepant e ubrogepant como opções de terceira linha, após as opções de segunda linha mais barata e igualmente eficazes, como: ibuprofeno, ácido acetilsalicílico, diclofenaco de potássio, almotriptano e frovatriptano foram considerados.
A inclusão dos triptanos mais eficazes (disponíveis como medicamentos genéricos) na Lista Modelo de Medicamentos Essenciais da OMS deve ser considerada para promover a acessibilidade global e os padrões uniformes de atendimento (atualmente, o sumatriptano é o único triptano incluído).
Os resultados desta revisão sistemática e da meta-análise em rede oferecem as melhores evidências disponíveis para orientar a escolha de intervenções medicamentosas orais agudas para episódios de enxaqueca.
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O que já se sabe sobre este tópico
- A enxaqueca é uma condição altamente prevalente e uma das principais causas de incapacidade em todo o mundo
- Numerosos medicamentos orais com diferentes mecanismos de ação estão disponíveis para o tratamento agudo da enxaqueca, mas não existe um consenso claro entre as diretrizes clínicas sobre a classificação desses tratamentos
- Revisões sistemáticas anteriores e meta-análises em rede incluíram apenas um subconjunto de medicamentos atualmente licenciados
O que este estudo acrescenta
- Considerando tanto a eficácia quanto a tolerabilidade, eletriptano, rizatriptano, sumatriptano e zolmitriptano mostraram o melhor desempenho geral para o tratamento agudo da enxaqueca.
- Eletriptano, rizatriptano, sumatriptano e zolmitriptano foram mais eficazes do que os medicamentos recentemente comercializados e mais caros lasmiditan, rimegepant e ubrogepant, que mostraram eficácia comparável ao paracetamol e à maioria dos medicamentos anti-inflamatórios não esteroides.
- Os triptanos estão subutilizados, e o acesso a eles deve ser promovido globalmente.
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