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Neurologia20 maio 2024

O estigma da enxaqueca (migrânea) e suas repercussões  

Migrânea é a segunda causa de anos perdidos por incapacidade globalmente, assim, estudo observacional investigou o estigma associado
Por Danielle Calil

Os indivíduos acometidos por migrânea muitas vezes podem experimentar redução na participação de atividades sociais e na produtividade da atividade laboral em decorrência da dor. Além desse impacto negativo, uma outra repercussão é o estigma envolvendo essa população.  

O estudo norte-americano OVERCOME, publicado em 2024 pela Neurology, propôs investigar o quão frequente indivíduos com migrânea experimentam a sensação de estigma envolvendo essa comorbidade e sua relação com desfechos da própria doença.  

O estigma da enxaqueca (migrânea) e suas repercussões  

Imagem de rawpixel.com no Freepik

Métodos 

OVERCOME foi um estudo observacional web-based que recrutou anualmente (2018-2020) uma amostra demográfica representativa dos Estados Unidos e, a partir disso, identificaram pessoas com migrânea a partir do questionário de diagnóstico de migrânea (American Migraine Study/American Migraine Prevalence and Prevention Study migraine diagnostic questionnaire) a serem incluídos nessa coorte.  

A frequência de percepção externa de estigma relacionado à migrânea foi colhido através do questionário Migraine-Related Stigma (MiRS), uma ferramenta validada anteriormente para aplicação neste estudo. O MiRS mensura dois fatores principais: a sensação de outros indivíduos considerarem a migrânea como instrumento de ganho secundário (SG) e a sensação de outros minimizarem a carga de migrânea (MB). A partir da aplicação desse instrumento, os grupos eram segmentados em 5: (1) MiRS-Both (presença frequente de SG e MB na coleta de dados), (2) MiRS-SG (presença frequente de sensação de outros quanto a ganho secundário), (3) MiRS-MB (presença frequente de sensação de outros minimizando a migrânea), (4) MiRS-raro (pouca frequência reportada, tanto para SG quanto MB) e (5) MiRS-Never (nunca experimentou esse estigma). 

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Ao traçar o grupo MiRS como variável independente, os autores realizaram uma regressão binomial para avaliar a relação transversal dessa variável com incapacidade (através do questionário Migraine Disability Assessment – MIDAS), sobrecarga interictal (através da Migraine Interictal Burden Scale-4) e qualidade de vida relacionada à migrânea (Migraine-Specific Quality of Life Questionnaire v2.1 Role-Function Restrictive). 

Resultados 

Um total de 290.162 indivíduos responderam ao convite, completaram o rastreio demográfico e foram considerados uma amostra demográfica representativa de adultos norte-americanos. A partir desses indivíduos e com a aplicação do questionário de diagnóstico de migrânea, foi traçada a coorte do estudo OVERCOME que contemplou 59.001 indivíduos com migrânea em atividade, em que a média de idade era 41,3 anos, 74,9% eram mulheres e 70,1% eram caucasianos. Nessa coorte, 41% apresentavam acima de 4 crises de dias de cefaleia ao mês nos últimos 3 meses, 44,4% com incapacidade de dor moderada e 31,7% referiu apresentar estigma associado à migrânea como “comum” ou “muito comum” no questionário MiRS. 

A maioria dos participantes que integraram grupos com presença de estigma associado à migrânea (grupos MiRS-Both, MiRS-SG e MiRS-MB), ao comparar com o grupo que não apresentou estigma (MiRS-Never), eram mais jovens, mais propensos a ter filhos abaixo de 18 anos, mais frequência de dias de cefaleia ao mês, com maior incapacidade associada à migrânea, maior sobrecarga interictal, menor qualidade de vida e mais comorbidades. 

Considerando a perspectiva de incapacidade, aplicada através do MIDAS, o percentual de indivíduos com pelo menos incapacidade moderada foi maior para àqueles com questionário MiRS indicando estigmatização; por exemplo, 74,9% do grupo MiRS-Both apresentavam incapacidade moderada-grave ao comparar com o 18,6% do grupo MiRS-Never que referiram o mesmo grau de incapacitação. O aumento do risco de incapacidade foi acima do dobro ao comparar o grupo MiRS-Both com o grupo MiRS-Never [RR 2,68, (IC 95% 2,56-2,8). 

Além disso, o aumento do MiRS possui associação com aumento da carga de doença (como incapacidade, sobrecarga interictal e qualidade de vida) para todas as frequências de cefaleias mensais. 

Comentários sobre o estigma da migrânea

O estudo OVERCOME foi o primeiro estudo populacional a examinar o estigma associado à migrânea. O estigma associado às doenças é comum principalmente para aquelas morbidades consideradas “invisíveis” (como dor crônica e transtorno mental, por exemplo). O principal estigma descrito pelos participantes no questionário foi a sensação de outros minimizarem o processo de dor e as repercussões atreladas ao episódio migranoso do participante. Um dado que pode justificar esse achado é que mais de 90% dos indivíduos irão experimentar uma cefaleia ao longo da vida e muitos não terão esse sintoma associado a elevado nível de incapacidade. Logo, pessoas com cefaleias menos graves podem, inclusive, desenvolver atitudes de estigmatização contra àqueles com quadros mais graves. 

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Os achados nesse estudo trazem um apelo às políticas de assistência clínica e de saúde pública sobre considerações nessa área imprescindíveis. O fato dos pacientes com alta frequência de cefaleia apresentarem maior associação com estigma foi um dado sobre o qual os autores aventaram a hipótese de um potencial benefício de início precoce de terapia profilática para pacientes que estejam apresentando um contexto de progressão de quadro migranoso. Por se tratar de uma hipótese, não há, portanto, uma comprovação científica que o início dessas terapias profiláticas irá reduzir essa estigmatização. 

Uma limitação do estudo foi que os dados foram colhidos por preenchimento de questionário, podendo permitir a ocorrência de viés de informação. Além disso, o requerimento para inclusão de participantes no estudo apresentou algumas restrições (como acesso à internet e proficiência em inglês) que limitam a generalização dos seus resultados.  

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Referências bibliográficas

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