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Neurologia9 outubro 2025

Crianças com fraqueza muscular: como investigar e o que pode estar por trás 

Neste artigo trazemos as possíveis causas, tanto agudas como crônicas, para fraqueza muscular na população pediátrica e como avaliar

Imagine a seguinte cena: uma criança chega ao pronto-socorro sem conseguir levantar o braço ou andar como antes. Esse sintoma, aparentemente simples — fraqueza —, pode ter inúmeras causas, algumas delas graves e potencialmente fatais. Entender o que está por trás da perda de força é fundamental para que médicos e familiares ajam rapidamente.  

O que é fraqueza, afinal? 

Fraqueza significa dificuldade real de movimentar os músculos contra resistência. É importante diferenciar de hipotonia (quando o músculo está “mole” ao ser manipulado) ou de ataxia (quando o problema é a coordenação motora, não a força).  

Por onde começar a investigação?

O raciocínio clínico geralmente se divide em dois caminhos: 

  • Fraqueza de neurônio motor superior — quando a lesão está no cérebro ou na medula espinhal, antes do corno anterior. 
  • Fraqueza de neurônio motor inferior — quando o problema está no nervo periférico, na junção neuromuscular ou no próprio músculo. 

Esse primeiro passo ajuda a organizar hipóteses diagnósticas e direcionar os exames.  

Causas agudas mais relevantes 

Algumas condições se instalam de forma súbita e exigem atenção imediata: 

  • Acidente vascular cerebral (AVC) em crianças – pode estar associado a anemia falciforme, cardiopatias congênitas ou dissecção arterial. 
  • Hemorragias intracranianas – hematoma subdural ou epidural, hemorragia subaracnóidea por malformação arteriovenosa ou aneurisma. 
  • Tumores cerebrais – gliomas, meduloblastomas, ou hemorragia intratumoral podem causar fraqueza, vômitos e cefaleia matinal. 
  • Paralisia de Todd – fraqueza transitória após crises epilépticas. 
  • Enxaqueca hemiplégica – crises de aura motora, podendo ser familiar (mutação genética) ou esporádica. 
  • Hemiplegia alternante da infância – síndrome rara caracterizada por episódios de hemiplegia, movimentos oculares anormais e melhora após o sono. 
  • Trauma raquimedular – lesões cervicais, SCIWORA ou hematoma epidural. 
  • Mielite transversa – inflamação da medula com déficits motores e sensitivos de instalação subaguda. 
  • Síndrome de Guillain-Barré (SGB) – fraqueza ascendente simétrica, podendo evoluir para insuficiência respiratória. 
  • Mielite flácida aguda (AFM) – associada a enterovírus, com quadro semelhante à poliomielite. 
  • Botulismo infantil – associado a mel ou poeira com esporos de Clostridium botulinum. 
  • Miastenia gravis – pode causar ptose, fadiga e crises com risco respiratório. 
  • Intoxicações – metais pesados (arsênio, mercúrio, tálio), organofosforados, carbamatos, venenos de cobras neurotóxicas ou toxinas marinhas. 
  • Paralisia por carrapato – fraqueza ascendente causada por toxina salivar. 
  • Miopatias virais – como a miosite pós-influenza, que pode evoluir para rabdomiólise. 
  • Piomiosite – infecção supurativa de músculo, comum em áreas tropicais. 
  • Trichinellose – causada por ingestão de carne suína malcozida contaminada, com dor muscular intensa e fraqueza. 
  • Paralisias periódicas familiares – crises de fraqueza associadas a alterações do potássio sérico. 
  • Rabdomiólise – ruptura muscular associada a infecções, esforço físico ou drogas.

Fraqueza crônica: quando o tempo revela a doença 

Quando a fraqueza aparece lentamente e progride ao longo do tempo, pensamos em doenças congênitas, genéticas ou metabólicas: 

  • Distrofias musculares – Duchenne (precoce, marcha em anserina, pseudohipertrofia de panturrilhas) e Becker (mais tardia e branda). 
  • Atrofia muscular espinhal (AME) – fraqueza progressiva, fasciculações e atraso motor. 
  • Miopatias congênitas – apresentam hipotonia desde cedo e dificuldade de ganho motor. 
  • Doenças metabólicas e degenerativas – leucodistrofia metacromática, doença de Krabbe, doença de Alexander, ELA juvenil. 
  • Hipotireoidismo congênito – podendo cursar com síndrome de Kocher-Debré-Semelaigne (hipertrofia muscular paradoxal associada à fraqueza). 
  • Síndrome de Cushing – geralmente induzida por uso crônico de corticoides, com fraqueza proximal, obesidade central e estrias. 
  • Doenças estruturais do SNC – paralisia cerebral (espasticidade, atraso motor) e mielomeningocele (fraqueza em MMII, deformidades ortopédicas). 
  • Doenças autoimunes – dermatomiosite juvenil (fraqueza proximal + lesões cutâneas típicas). 
  • Exposição crônica a metais pesados (arsênio, mercúrio). 
  • Transtorno funcional neurológico (conversão) – geralmente em meninas 10–15 anos, após estresse emocional, com quadro motor incompatível com lesão neurológica.

Crianças com fraqueza muscular: como investigar e o que pode estar por trás 

Criança com fraqueza muscular em atendimento. Imagem de freepik

O que o médico deve avaliar na prática? 

Na anamnese e no exame físico, pontos fundamentais ajudam a direcionar a investigação: 

  • Distribuição da fraqueza:
    • Assimétrica → AVC, tumores, trauma medular, hemiplegia alternante, paralisia de Todd. 
    • Simétrica proximal → Duchenne, dermatomiosite, rabdomiólise, miopatias congênitas. 
    • Distal → neuropatias hereditárias, polineuropatias tóxicas. 
  • Reflexos: 
    • Hiperreflexia → lesão de neurônio motor superior (ex.: paralisia cerebral). 
    • Arreflexia → SGB, AME, botulismo, AFM. 
  • Achados específicos: 
    • Ptose → miastenia gravis, botulismo, envenenamento por cobra. 
    • Fasciculações → AME. 
    • Dor muscular → miosite viral, rabdomiólise, triquinose, piomiosite. 
    • Marcha em anserina → distrofias musculares. 
  • Sinais sistêmicos: 
    • Febre → miopatias infecciosas, piomiosite, triquinose. 
    • Alteração urinária → mielite transversa, compressão medular. 
    • Manchas na pele → dermatomiosite juvenil. 
    • Mudança comportamental/cognitiva → tumores cerebrais, leucodistrofias.

Leia também: Distúrbios da junção neuromuscular: Mimetizadores e apresentações atípicas  

Por que o tempo é crucial?

Algumas causas de fraqueza infantil podem evoluir rapidamente para insuficiência respiratória, como síndrome de Guillain-Barré, botulismo, miastenia gravis e rabdomiólise grave. Avaliar precocemente a função pulmonar e garantir suporte vital imediato pode salvar vidas.  

Conclusão  

A fraqueza em crianças não deve ser encarada como algo simples. Vai muito além da “preguiça” ou do “cansaço”. Ela pode ser a manifestação inicial de doenças neurológicas, infecciosas, metabólicas, endócrinas ou até funcionais. O olhar atento e o raciocínio clínico estruturado fazem toda a diferença para garantir diagnóstico precoce e tratamento adequado.

Autoria

Foto de Thiago Nascimento

Thiago Nascimento

Formado em Medicina pela Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF) em 2015. Residência Médica em Neurologia no Hospital Geral Roberto Santos (HGRS) Salvador - Bahia (2016-2019). Membro titular da Academia Brasileira de Neurologia (ABN). Mestrando em Ciências da Saúde pela UFBA (PPGCs - UFBA). Preceptor da Residência de Neurologia do HU- UFS - (Ebserh - Aracaju- SE). Médico Neurologista - Membro do Ambulatório de Neuroimunologia do HU- UFS - (Ebserh - Aracaju- SE). Professor na Afya Educação Médica.

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