Imagine a seguinte cena: uma criança chega ao pronto-socorro sem conseguir levantar o braço ou andar como antes. Esse sintoma, aparentemente simples — fraqueza —, pode ter inúmeras causas, algumas delas graves e potencialmente fatais. Entender o que está por trás da perda de força é fundamental para que médicos e familiares ajam rapidamente.
O que é fraqueza, afinal?
Fraqueza significa dificuldade real de movimentar os músculos contra resistência. É importante diferenciar de hipotonia (quando o músculo está “mole” ao ser manipulado) ou de ataxia (quando o problema é a coordenação motora, não a força).
Por onde começar a investigação?
O raciocínio clínico geralmente se divide em dois caminhos:
- Fraqueza de neurônio motor superior — quando a lesão está no cérebro ou na medula espinhal, antes do corno anterior.
- Fraqueza de neurônio motor inferior — quando o problema está no nervo periférico, na junção neuromuscular ou no próprio músculo.
Esse primeiro passo ajuda a organizar hipóteses diagnósticas e direcionar os exames.
Causas agudas mais relevantes
Algumas condições se instalam de forma súbita e exigem atenção imediata:
- Acidente vascular cerebral (AVC) em crianças – pode estar associado a anemia falciforme, cardiopatias congênitas ou dissecção arterial.
- Hemorragias intracranianas – hematoma subdural ou epidural, hemorragia subaracnóidea por malformação arteriovenosa ou aneurisma.
- Tumores cerebrais – gliomas, meduloblastomas, ou hemorragia intratumoral podem causar fraqueza, vômitos e cefaleia matinal.
- Paralisia de Todd – fraqueza transitória após crises epilépticas.
- Enxaqueca hemiplégica – crises de aura motora, podendo ser familiar (mutação genética) ou esporádica.
- Hemiplegia alternante da infância – síndrome rara caracterizada por episódios de hemiplegia, movimentos oculares anormais e melhora após o sono.
- Trauma raquimedular – lesões cervicais, SCIWORA ou hematoma epidural.
- Mielite transversa – inflamação da medula com déficits motores e sensitivos de instalação subaguda.
- Síndrome de Guillain-Barré (SGB) – fraqueza ascendente simétrica, podendo evoluir para insuficiência respiratória.
- Mielite flácida aguda (AFM) – associada a enterovírus, com quadro semelhante à poliomielite.
- Botulismo infantil – associado a mel ou poeira com esporos de Clostridium botulinum.
- Miastenia gravis – pode causar ptose, fadiga e crises com risco respiratório.
- Intoxicações – metais pesados (arsênio, mercúrio, tálio), organofosforados, carbamatos, venenos de cobras neurotóxicas ou toxinas marinhas.
- Paralisia por carrapato – fraqueza ascendente causada por toxina salivar.
- Miopatias virais – como a miosite pós-influenza, que pode evoluir para rabdomiólise.
- Piomiosite – infecção supurativa de músculo, comum em áreas tropicais.
- Trichinellose – causada por ingestão de carne suína malcozida contaminada, com dor muscular intensa e fraqueza.
- Paralisias periódicas familiares – crises de fraqueza associadas a alterações do potássio sérico.
- Rabdomiólise – ruptura muscular associada a infecções, esforço físico ou drogas.
Fraqueza crônica: quando o tempo revela a doença
Quando a fraqueza aparece lentamente e progride ao longo do tempo, pensamos em doenças congênitas, genéticas ou metabólicas:
- Distrofias musculares – Duchenne (precoce, marcha em anserina, pseudohipertrofia de panturrilhas) e Becker (mais tardia e branda).
- Atrofia muscular espinhal (AME) – fraqueza progressiva, fasciculações e atraso motor.
- Miopatias congênitas – apresentam hipotonia desde cedo e dificuldade de ganho motor.
- Doenças metabólicas e degenerativas – leucodistrofia metacromática, doença de Krabbe, doença de Alexander, ELA juvenil.
- Hipotireoidismo congênito – podendo cursar com síndrome de Kocher-Debré-Semelaigne (hipertrofia muscular paradoxal associada à fraqueza).
- Síndrome de Cushing – geralmente induzida por uso crônico de corticoides, com fraqueza proximal, obesidade central e estrias.
- Doenças estruturais do SNC – paralisia cerebral (espasticidade, atraso motor) e mielomeningocele (fraqueza em MMII, deformidades ortopédicas).
- Doenças autoimunes – dermatomiosite juvenil (fraqueza proximal + lesões cutâneas típicas).
- Exposição crônica a metais pesados (arsênio, mercúrio).
- Transtorno funcional neurológico (conversão) – geralmente em meninas 10–15 anos, após estresse emocional, com quadro motor incompatível com lesão neurológica.
O que o médico deve avaliar na prática?
Na anamnese e no exame físico, pontos fundamentais ajudam a direcionar a investigação:
- Distribuição da fraqueza:
- Assimétrica → AVC, tumores, trauma medular, hemiplegia alternante, paralisia de Todd.
- Simétrica proximal → Duchenne, dermatomiosite, rabdomiólise, miopatias congênitas.
- Distal → neuropatias hereditárias, polineuropatias tóxicas.
- Reflexos:
- Hiperreflexia → lesão de neurônio motor superior (ex.: paralisia cerebral).
- Arreflexia → SGB, AME, botulismo, AFM.
- Achados específicos:
- Ptose → miastenia gravis, botulismo, envenenamento por cobra.
- Fasciculações → AME.
- Dor muscular → miosite viral, rabdomiólise, triquinose, piomiosite.
- Marcha em anserina → distrofias musculares.
- Sinais sistêmicos:
- Febre → miopatias infecciosas, piomiosite, triquinose.
- Alteração urinária → mielite transversa, compressão medular.
- Manchas na pele → dermatomiosite juvenil.
- Mudança comportamental/cognitiva → tumores cerebrais, leucodistrofias.
Leia também: Distúrbios da junção neuromuscular: Mimetizadores e apresentações atípicas
Por que o tempo é crucial?
Algumas causas de fraqueza infantil podem evoluir rapidamente para insuficiência respiratória, como síndrome de Guillain-Barré, botulismo, miastenia gravis e rabdomiólise grave. Avaliar precocemente a função pulmonar e garantir suporte vital imediato pode salvar vidas.
Conclusão
A fraqueza em crianças não deve ser encarada como algo simples. Vai muito além da “preguiça” ou do “cansaço”. Ela pode ser a manifestação inicial de doenças neurológicas, infecciosas, metabólicas, endócrinas ou até funcionais. O olhar atento e o raciocínio clínico estruturado fazem toda a diferença para garantir diagnóstico precoce e tratamento adequado.
Autoria

Thiago Nascimento
Formado em Medicina pela Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF) em 2015. Residência Médica em Neurologia no Hospital Geral Roberto Santos (HGRS) Salvador - Bahia (2016-2019). Membro titular da Academia Brasileira de Neurologia (ABN). Mestrando em Ciências da Saúde pela UFBA (PPGCs - UFBA). Preceptor da Residência de Neurologia do HU- UFS - (Ebserh - Aracaju- SE). Médico Neurologista - Membro do Ambulatório de Neuroimunologia do HU- UFS - (Ebserh - Aracaju- SE). Professor na Afya Educação Médica.
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