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Neurologia12 outubro 2022

Cefaleia do viajante: prevalência, características clínicas e orientações de tratamento

A cefaleia do viajante costuma ser descrita como frequentemente intensa, habitualmente unilateral e periocular, sem sintomas autonômicos.

Por Danielle Calil

Com o surgimento da aviação, cefaleias durante os voos começaram a ser cada vez mais reportadas. Essa condição foi mais reconhecida em 2013 quando foi integrada à classificação de um tipo de cefaleia secundária conhecida como “cefaleia atribuída a transtorno de homeostase”.

A cefaleia do viajante (CV) costuma ocorrer durante e ser causada por viagens de avião, desaparecendo após o pouso. Grande parte das descrições são advindas de relatos de casos e séries de caso relativamente pequenas. Verifique os critérios diagnósticos segundo o The International Classification os Headache Disorders 3 (ICHD-3) na tabela abaixo.

Cefaleia do viajante prevalência, características clínicas e orientações de tratamento

Critérios diagnósticos de Cefaleia do viajante — segundo ICHD-3

A. Ao menos 2 episódios de cefaleia preenchendo o critério C.
B. O paciente está viajando de avião.
C. Evidência de causalidade demonstrada por pelo menos 2 dos seguintes:

1. Cefaleia desenvolveu-se durante voo.

2. Um dos ou ambos dos seguintes:

a) Cefaleia piorou em relação temporal com a subida do avião após decolagem e/ou descida antes do pouso.

b) Cefaleia melhorou espontaneamente dentro de 30 minutos após subida ou descida do avião estarem concluídas.

3. Cefaleia é forte, com ao menos 2 das 3 características:

a) localização unilateral;

b) localização orbitofrontal;

c) qualidade em golpe ou facada.

D. Não mais bem explicada por outro diagnóstico da ICHD-3.

É considerada uma cefaleia relativamente rara. Contudo, alguns estudos de coorte demonstraram prevalências entre 4 e 14,7% em populações pré-selecionadas segundo estudos de coorte prévios.2,3,4

Esse ano, a revista Cephalalgia publicou um estudo transversal com amostra de 50.000 viajantes apresentando objetivo primário de estimar a prevalência dessa cefaleia.

Leia também: Estratégias de desmame na cefaleia por uso abusivo de analgésicos

Como foi o estudo?

Objetivos:

Objetivo primário: Avaliar prevalência de cefaleia do viajante em uma grande amostra de passageiros.
Objetivo secundário: Redefinir características clínicas de cefaleia do viajante. Determinar prevalência de outros tipos de cefaleia durante viagens aéreas.

Métodos:

Todos os indivíduos que viajaram por avião foram recrutados durante período de 5 meses entre novembro de 2013 e março de 2014 nos aeroportos internacionais de Nuremberg e Munique na Alemanha. O recrutamento foi conduzido na área imediata de desembarque. Os investigadores da pesquisa fizeram investigações com perguntas a cada passageiro sobre existência de cefaleias durante o voo.

O passageiro que apresentasse relato de cefaleia era convidado a participar do estudo com entrevista estruturada. Através das respostas das características da cefaleia em questão, os grupos eram divididos em grupo com CV e em grupo não CV.

Resultados

Entre os 50.000 viajantes abordados, 374 (0,75%) apresentaram episódios de cefaleia durante o voo. 19,5% (73/374) foram relutantes em participar da entrevista estruturada a fim de detectar maiores características da cefaleia. Entre os 301 participantes com cefaleia durante o voo que foram entrevistados, 58,13% (175/301) foram identificados como cefaleia do viajante, mas apenas 101 foram considerados como pertencentes ao grupo CV visto que 5 dos participantes preencheram critérios para migrânea sem aura e 69 para cefaleia tensional.

Em geral, foi avaliado prevalência de cefaleia durante viagens aéreas de 0,75% (374/50.000) e de cefaleia do viajante em torno de 0,2% (101/50.0000).

Sobre o grupo com cefaleia do viajante:

Entre os 101 participantes do grupo com cefaleias do viajante: 79,2% apresentaram início de cefaleia durante fases do voo com alterações pressóricas (decolagem ou pouso), 48,5% apresentaram duração entre 10 e 30 minutos, 57,4% de moderada intensidade (escala de dor entre 1-6), 26,7% de qualidade pulsátil e 53,5% com localização frontal.

Sintomas associados como náusea e obstrução nasal foram avaliados em 24,8% e 9,9% dos participantes, respectivamente. Recursos como hidratação (n=8, 7,9%) e analgésicos (n=22, 21,8%) foram os fatores de alívio que melhor auxiliaram os participantes segundo resultados da entrevista. Importante constar que nenhum sintoma de infecção viral ou sinusite aguda foram descritos nessa população.

Comentários

Esse estudo sugeriu que a cefaleia do viajante aparenta ser mais rara (prevalência em torno de 0,75%) do que outros estudos até então publicados. Uma justificativa para essa diferença pode ter sido relacionada ao método de seleção dos estudos. Nos estudos prévios, os indivíduos entrevistados foram recrutados a partir de indivíduos que ativamente procuraram atenção médica — podendo assim ter relação com um possível viés de seleção.

Os critérios explícitos atualmente para essa condição de acordo com o ICHD-3 refletem informações derivadas de séries de caso e estudos de coorte. Considerando os resultados presentes nas características descritas nessa amostra estudada, os autores dessa publicação acreditam que provavelmente esses critérios não representem todos os pacientes que sofrem desse transtorno. Sendo assim, nesse artigo foi sugerido a reconsideração de alguns itens pertencentes aos critérios diagnósticos de cefaleia do viajante, como:

  1. Localização variável do padrão de cefaleia: podendo ser frontal a occipital, uni ou bilateral.
  2. Os pacientes podem apresentar apenas um único episódio de cefaleia e não necessariamente procurar atenção médica para isso, de forma que a qualidade de dor não possa ser plenamente definida (como apenas “em facada” ou “em golpe”). Sendo interessante talvez considerar diferentes padrões de qualidade, como o padrão pulsátil presente em 26,7% dessa amostra estudada.
  3. Dor de intensidade moderada aparente ser mais comum do que assumida previamente. Nessa circunstância, classificar a dor quanto ao tempo e manifestação clínica talvez seja mais apropriado do que a própria intensidade — como é descrito nos critérios do ICHD-3 atuais.

Mensagem prática

Não há tratamento específico recomendado por diretrizes formais para cefaleia do viajante. É ainda interrogado se haveria uma necessidade, visto que é uma cefaleia de curta duração e que finaliza após término de viagem. Drogas como ibuprofeno, naproxeno e triptanos foram relatados como analgésicos mais efetivos no controle dessa dor de acordo com descrição em estudos prévios.

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Referências bibliográficas

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