ADA 2021: Covid-19 e diabetes, desfechos cardiovasculares e outros destaques do ano
Para esta sessão do congresso da ADA 2021, foram convidados três cientistas que selecionaram os melhores estudos do último ano.
Para essa sessão, uma das mais esperadas do congresso da American Diabetes Association (ADA 2021), foram convidados três cientistas que selecionaram aqueles que foram considerados, por eles, os melhores estudos publicados no último ano. O critério foi a contribuição para o entendimento do diabetes e obesidade em termos de mecanismos de ação, novas drogas e novas intervenções com potencial impacto nos padrões de atendimento ou em nosso conhecimento sobre a doença.
Ciência básica
A Dra. Maureen Gannon, do Vanderbilt University Medical Center, deu início à apresentação comentando sobre os muitos estudos que evidenciaram a conexão entre Covid-19 e diabetes.
A pesquisadora chamou a atenção para a rápida mudança do conhecimento na área, e para o grande número de estudos com resultados controversos, como por exemplo quanto à capacidade do SARS-CoV-2 infectar as células beta. Destacou os achados de um estudo publicado na Cell Metabolism em que os autores demonstraram a presença de antígenos virais nas células beta obtidas de amostras de autópsia de indivíduos que haviam sido infectados pelo SARS-Cov2, evidenciando ainda que a infecção aumentou a resposta de estresse, reduziu a expressão de insulina e aumentou a expressão das células alfa.
A pesquisadora finalizou esse tópico comentando sobre a importância de entender os motivos dos resultados controversos entre os estudos que avaliam os muitos aspectos da relação Covid-19 e diabetes, sugerindo a leitura de artigo publicado na Nature, intitulado: Evidence Suggests the Coronavirus Might Trigger Diabetes¹.
Em seguida, abordou o que há de novo em: sinalização e secreção de insulina, papel da mitocôndria e vias de estresse oxidativo, e novas estratégias terapêuticas baseadas na via de GLP1.
O que há de novo sobre previsão de risco de diabetes?
A pesquisadora debateu alguns estudos baseados em análise genética e enfatizou um escore que usa uma combinação de fatores genéticos, imunológicos e clínicos que se mostrou potencialmente útil em predizer o risco de diabetes tipo 1 em crianças. O estudo foi publicado na Nature Medicine com o título A combined risk score enhances prediction of type 1 diabetes among susceptible children².
Leia também: EAP 2021: diabetes mellitus tipo 1 em crianças em tempos de Covid-19
Ciência translacional
O Dr. Willian T. Cefalu, diretor da divisão de diabetes, endocrinologia e doenças metabólicas do NIH, abordou os avanços na ciência translacional, que pode ser definida como a aplicação de descobertas básicas ou teóricas ao desenvolvimento de intervenções populacionais.
Os tópicos abordados foram:
1. Heterogeneidade e predição de doença
O cientista enfatizou a importância de se considerar a heterogeneidade na patogênese e progressão do diabetes. Há muitas particularidades que devem diferenciar, por exemplo, a abordagem a crianças, adolescentes, adultos e idosos. Mesmo quando se trata apenas do grupo de adultos há que se considerar os subtipos da doença.
O artigo Pathophysiology-based subphenotyping of individuals at elevated risk for type 2 diabetes³ recebeu destaque. Os autores avaliaram variáveis derivadas de testes orais de tolerância à glicose, distribuição de gordura corporal medida por ressonância magnética, conteúdo de gordura hepática e risco genético em uma coorte de indivíduos extensivamente fenotipados que apresentam risco aumentado para diabetes tipo 2, identificando seis grupos distintos de subfenótipos.
O estudo demonstra que existe heterogeneidade fisiopatológica antes do diagnóstico de diabetes tipo 2, e destaca grupos de indivíduos com risco aumentado de complicações específicas.
Qual a importância prática?
Pacientes que pertencem a determinados subgrupos (de maior risco de progressão da doença e/ou complicações) teriam maior benefício com intervenção precoce, enquanto outros, considerados de baixo risco, poderiam ser apenas monitorados.
2. Avanços na predição de resposta ao tratamento
Neste item o artigo colocado em destaque foi: Quantifying Variation in Treatment Utilization for Type 2 Diabetes Across Five Major University of California Health Systems4.
Este foi o primeiro estudo a analisar a utilização do tratamento anti-hiperglicêmico nos cinco grandes sistemas de saúde acadêmicos da UC. A análise revelou padrões de utilização de tratamentos estatisticamente diferentes no mundo real, não apenas entre os sistemas de saúde, mas também entre os provedores individuais dos sistemas de saúde, demonstrando a necessidade de diretrizes com indicações mais precisas.
O outro estudo citado foi: A Polygenic Score for Type 2 Diabetes Risk Is Associated With Both the Acute and Sustained Response to Sulfonylureas5.
Há uma compreensão limitada de como a genética associada a características glicêmicas no diabetes tipo 2 influenciam a resposta aos medicamentos antidiabéticos. Os resultados desse complexo estudo sugerem que os indivíduos com uma carga genética maior para DM2, dependendo do estado de preservação das células beta, experimentam uma maior resposta às sulfonilureias.
3. Covid-19 e diabetes
Entre os estudos clínicos envolvendo Covid-19 e diabetes o Dr Cefalu selecionou: High-dimensional characterization of post-acute sequelae of COVID-196, publicado na Nature em abril de 2021. Este foi o maior estudo no tema.
Entre os principais resultados pode-se citar que o risco de diabetes após a fase aguda é evidente mesmo entre indivíduos cuja doença aguda não foi grave o suficiente para requerer internação hospitalar. O risco aumentou dentro do espectro de gravidade da infecção aguda por Covid-19.
Ciência clínica
O Dr Jay S. Skyler, da Universidade de Miami, citou estudos que avaliaram desfechos cardiovasculares em pacientes com diabetes tipo 2, entre eles: DAPA-CKD7, o EMPERROR Reduced8, SCORED9 e SOLOIST10, FIDELIO-DKD11, e AMPLITUDE-O CVOT12.
Na sequência trouxe resultados de estudos de imunoterapia em diabetes tipo-1. Destacou que o teplizumab é a primeira droga a demonstrar preservação da função das células beta com potencial de retardar o início e, em alguns pacientes, prevenir o diabetes tipo 1 clínico.
Comentou sobre incretinas para obesidade: os principais resultados dos estudos STEP13 (efeitos da semaglutida uma vez por semana no sobrepeso e obesidade) foram descritos. O Dr Jay comentou sobre a liberação da semaglutida 2,4 mg pelo FDA, em 4 de junho de 2021, para o tratamento do sobrepeso e obesidade com o nome comercial de Wegovy.
Outro estudo associou cagrilintida (agonista da amilina) à semaglutida. A tirzepatida (agonista dual GLP-1/GIP) recebeu atenção (estudo SURPASS) por seus efeitos significativos no controle glicêmico e perda ponderal.
Cotadutida é outro agonista dual GLP-1/GIP em estudo, com resultados publicados em maio/21 no Diabetes Care.
Quanto às insulinas de uso semanal, destacam-se: Insulina Icodeca e Basal Insulin Fc (BIF) (ambas em estudos fase II), com resultados promissores.
Concluiu dizendo que o último ano teve muitos avanços em todas as áreas de estudo do diabetes, e que muito há por vir. Deixou clara sua satisfação pela oportunidade de trabalhar com pesquisas clínicas nesse momento de tantas conquistas para a ciência.
Mais do congresso:
- ADA 2021: quando iniciar novos antidiabéticos em pacientes internados por causas cardiovasculares?
- ADA 2021: qual o papel da hiperglicemia na evolução da Covid-19?
- ADA 2021: chegou para ficar? A telemedicina no cuidado do diabetes na “Era Covid-19”
- ADA 2021: tirzepatida – a nova droga potencial para controle glicêmico no diabetes
- ADA 2021: novos estudos com agonistas de GLP-1 para controle do diabetes
- ADA 2021: Covid-19, diabetes e impacto populacional após 18 meses
- ADA 2021: é hora de abandonar os trials de desfecho cardiovascular para novos antidiabéticos?
- ADA 2021: teste HbA1c point-of-care pode ser utilizado para diagnóstico de diabetes?
Referências bibliográficas:
- Evidence Suggests the Coronavirus Might Trigger Diabetes. Nature. Vol 583; 2 July 2020. https://media.nature.com/original/magazine-assets/d41586-020-01891-8/d41586-020-01891-8.pdf
- Ferrat LA, Vehik K, Sharp SA. et al. A combined risk score enhances prediction of type 1 diabetes among susceptible children. Nat Med 26, 1247–1255 (2020). https://doi.org/10.1038/s41591-020-0930-4
- Wagner R, Heni M, Tabák AG. et al. Pathophysiology-based subphenotyping of individuals at elevated risk for type 2 diabetes. Nat Med 27, 49–57 (2021). https://doi.org/10.1038/s41591-020-1116-9
- Peterson TA, et al. Quantifying Variation in Treatment Utilization for Type 2 Diabetes Across Five Major University of California Health Systems. Diabetes Care 2021 Apr; 44(4): 908-914. https://doi.org/10.2337/dc20-0344
- Li JH, et al. A Polygenic Score for Type 2 Diabetes Risk Is Associated With Both the Acute and Sustained Response to Sulfonylureas. Diabetes 2021 Jan; 70(1): 293-300. https://doi.org/10.2337/db20-0530
- Al-Aly Z, Xie Y & Bowe B. High-dimensional characterization of post-acute sequelae of COVID-19. Nature 594, 259–264 (2021). https://doi.org/10.1038/s41586-021-03553-9
- Wheeler DC, et al. The dapagliflozin and prevention of adverse outcomes in chronic kidney disease (DAPA-CKD) trial: baseline characteristics. Nephrology Dialysis Transplantation, gfaa234. 30 August 2020. https://doi.org/10.1093/ndt/gfaa234
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- Gerstein HC, et al. Cardiovascular and Renal Outcomes with Efpeglenatide in Type 2 Diabetes. June 28, 2021. DOI: 10.1056/NEJMoa2108269
- Wilding JPH, et al. Once-Weekly Semaglutide in Adults with Overweight or Obesity. March 18, 2021
N Engl J Med 2021; 384:989-1002. DOI: 10.1056/NEJMoa2032183
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