Os cateteres venosos centrais de inserção periférica (PICCs) são usados em pacientes que necessitam de uma via para administração estável e segura de medicamentos. Na última década, houve maior reconhecimento e resposta às complicações infecciosas, trombóticas e mecânicas associadas ao seu uso. Dessa forma, um influxo de produtos, práticas e avanços tecnológicos foi introduzido pelos fabricantes para reduzir o risco de tais complicações. O desenvolvimento de inovações tecnológicas incorporadas ao PICC é uma solução para a redução de danos.
A maioria dos PICCs convencionais é feita de poliuretano. Os avanços na tecnologia de materiais introduziram revestimentos e superfícies alteradas com supostas propriedades antitrombóticas e anti-infecciosas para serem usadas com PICCs de poliuretano. No entanto, por faltarem dados de ensaios randomizados comparando esses cateteres foi realizado um estudo randomizado, controlado e de superioridade em três hospitais terciários australianos.
O estudo
Adultos e crianças que foram encaminhados para a colocação do PICC foram designados na proporção de 1:1:1 para receber um PICC hidrofóbico, com clorexidina ou um PICC de poliuretano padrão e foram acompanhados por 8 semanas. O desfecho primário foi a falha do dispositivo, que foi uma combinação de complicações infecciosas (corrente sanguínea ou local) ou não infecciosas (trombose, quebra ou oclusão). Um total de 1098 participantes foi submetido à randomização; 365 foram designados para o grupo hidrofóbico, 365 para o grupo clorexidina e 368 para o grupo poliuretano padrão.
Leia também: O que usar no preparo cirúrgico da pele: gluconato de clorexidina ou iodopovidona?
A falha do dispositivo ocorreu em 21 dos 358 participantes (5,9%) no grupo hidrofóbico, em 36 dos 363 (9,9%) no grupo da clorexidina e em 22 dos 359 (6,1%) no grupo do poliuretano padrão (diferença de risco, hidrofóbico vs. poliuretano padrão, -0,2 pontos percentuais [IC, -3,7 a 3,2; P=0,89]; e clorexidina vs. poliuretano padrão, 3,8 pontos percentuais [IC 95%, -0,1 a 7,8; P=0,06]). No grupo hidrofóbico em comparação com o grupo de poliuretano padrão, a razão de chances de falha do dispositivo foi de 0,96 (IC 95%, 0,51 a 1,78), e no grupo clorexidina em comparação com o grupo de poliuretano padrão, a razão de chances foi de 1,71 (IC 95%, 0,98 a 2,99).
Complicações de qualquer causa durante o período de colocação do PICC ocorreram em 77 participantes (21,5%) no grupo hidrofóbico, em 140 (38,6%) no grupo clorexidina e em 78 (21,7%) no grupo poliuretano padrão (razão de chances, hidrofóbico vs. poliuretano padrão, 0,99 [IC 95%, 0,69 a 1,42]; e clorexidina vs. poliuretano padrão, 2,35 [IC 95%, 1,68 a 3,29]). Nenhum evento adverso foi atribuível às intervenções.
Resultados
O estudo atual não mostrou que o risco de falha do dispositivo (um composto de complicações infecciosas ou não infecciosas graves o suficiente para causar a interrupção da função PICC) foi menor com cateteres venosos centrais de inserção periférica (PICCs) hidrofóbicos ou PICCs de clorexidina do que com PICCs de poliuretano padrão. O número de eventos de oclusão do cateter, bem como eventos de oclusão completa e parcial, pareceu ser maior com PICCs de clorexidina do que com PICCs hidrofóbicos ou de poliuretano. Também foi observado numericamente mais complicações por qualquer causa no grupo clorexidina do que no grupo hidrofóbico ou poliuretano padrão. A incidência de eventos adversos pareceu ser semelhante nos três grupos.
Os achados atuais refletem a complexidade na prevenção da disfunção multifatorial do PICC, sem diferença aparente na incidência de falha do dispositivo ou de infecção de corrente sanguínea com o tipo de PICC. Esses resultados contrastam com as recomendações anteriores sobre os materiais do PICC, que são baseados principalmente em estudos observacionais.
A oclusão foi o motivo mais comum para a falha do dispositivo no estudo atual, uma complicação raramente relatada em ensaios clínicos e bancos de dados internacionais. A oclusão ocorreu com mais frequência com PICCs de clorexidina, embora o motivo não seja claro. Os autores acreditam que possa ter acontecido pela interatividade do revestimento de acetato de clorexidina com infusões às vezes complexas sendo administradas. No entanto, estudos anteriores se concentraram no gluconato de clorexidina em vez de acetato. Os resultados de estudos anteriores avaliando PICCs revestidos com clorexidina e cateteres venosos de inserção central não são semelhantes aos achados do estudo atual mas a oclusão é frequentemente negligenciada quando o tratamento é direcionado para a prevenção de infecção da corrente sanguínea. É necessária uma exploração mais aprofundada dos riscos modificáveis e não modificáveis das oclusões do PICC, incluindo aqueles associados aos revestimentos de clorexidina.
Saiba mais: Descolonização de microrganismos multirresistentes na UTI
O resultado primário do estudo atual não mostrou superioridade dos cateteres venosos centrais de inserção periférica (PICCs) de clorexidina ou hidrofóbicos sobre os PICCs de poliuretano padrão. Esse resultado pode ser atribuído ao fato de que a remoção do PICC por complicações é uma decisão clinicamente orientada, que muitas vezes se baseia em requisitos multifatoriais do paciente (por exemplo, duplo lúmen inserido, mas apenas um lúmen necessário) e requisitos dos serviços de saúde (por exemplo, disponibilidade de pessoal). Além disso, o estudo foi conduzido durante a pandemia de covid-19, quando as pessoas estavam minimizando as exposições aos cuidados de saúde, o que também pode ter influenciado a tomada de decisão de deixar os PICCs parcialmente funcionais no local.
Durante a pandemia de covid-19, houve também um foco maior na prevenção e controle de infecções, que pode ter influenciado nos resultados de infecção; a incidência de infecção da corrente sanguínea adquirida por cateter em nesse estudo foi menor do que os benchmarks internacionais históricos.
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.