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Infectologia31 janeiro 2024

A eterna e nova Legionelose

Atualmente, em muitos países, a infecção respiratória por Legionella spp é considerada um problema de Saúde Pública.

Por Rafael Duarte

Mediante as mudanças climáticas ocorridas nas últimas décadas, um patógeno já conhecido, mas não considerado necessariamente protagonista nas infecções respiratórias adquiridas na comunidade, têm emergido associado a surtos diversos de quadros de insuficiência respiratória grave e taxas de mortalidade significativamente altas, particularmente em indivíduos com imunocomprometimento.

Tal patógeno consiste em Legionella pneumophila, bactéria aeróbica Gram-negativa intracelular facultativa, que, assim como outras espécies relacionadas, são ubíquas em ambientes aquáticos e frequentemente contaminam sistemas aquosos fabricados pelo homem, e consequentemente infectam seres humanos por transmissão aérea indireta, direta (pessoa-pessoa — ainda questionável), ou a partir de solo ou água contaminada, com progressão para pneumonias graves, e doenças extrapulmonares.

Esses patógenos podem também sobreviver em plâncton, no interior de protozoários como amebas de vida livre e ciliados, e em biofilmes em canalizações ou outras fontes.

Estima-se que nos Estados Unidos, por exemplo, a cada ano, de 8.000 a 18.000 pacientes sejam hospitalizados com a “doença dos legionários” (denominação original do quadro respiratório associado a L. pneumophila em 1976), com período de internação em torno de 10,2 dias e altos custos, e os números de casos associados a esse patógeno se elevam em diversos países do mundo.

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A incidência de casos apresenta elevação de acordo com a maior idade, com taxas maiores em indivíduos de 50 a 64 anos (2,5/100.000) e progressivamente maior entre os idosos (3,6/100.000 para indivíduos entre 65-79 anos, e 4,7/100.000 para > 80 anos de idade). Considera-se que a L. pneumophila está associada a 57% a 66% dos surtos associados com os surtos relacionados ao consumo de água contaminada na última década. Em torno de 82,0% a 83,8% dos pacientes infectados, foram hospitalizados com taxas de mortalidade entre 10% e 15,7%, com taxa de fatalidade em torno de 7%.

Atualmente, em muitos países, a infecção respiratória por tal microrganismo é considerada um problema de Saúde Pública, de forma que qualquer nível de contaminação ambiental deve ser investigada e considerada um perigo para os indivíduos que ali circulam. Considera-se que a maioria dos casos estão relacionados com deficiências em sistemas de manutenção de água, com falhas em procedimentos de controle microbiológico, incluindo uso inadequado de níveis de desinfetantes (dissolução de biofilme e uso de cloração em doses ajustadas, por exemplo), ou temperatura da água, assim como uso de spas ou outras águas de recreação e fontes aquosas decorativas.

A eterna e nova Legionelose

A Legionelose

A Legionella pneumophila apresenta acima de 15 sorogrupos patogênicos já descritos e outras 26 espécies, como as principais Legionella longbeachae e Legionella micdadei também já foram descritas como patogênicas para os seres humanos. São reconhecidas as principais manifestações clínicas conhecidas:

  • Legionelose pulmonar (Pneumonia/Doença dos legionários);
  • Legioneloses extrapulmonares;
  • Febre Pontiac.

O quadro clínico mais comum, a legionelose pulmonar, apresenta síndrome similar às pneumonias por outras etiologias com febre, tosse e dispneia, com exames radiológicos com alterações não específicas como infiltrado unilobar em mosaico com possível progressão para consolidações.

Outros achados sugestivos incluem náuseas, vômitos, diarreia, hiponatremia, alteração da função hepática, aumento de PCR e falha terapêutica com a monoterapia com betalactâmicos. Os quadros podem evoluir para insuficiência respiratória grave com necessidade de suporte hemodinâmico hospitalar, ventilação mecânica ou oxigenação extracorpórea.

A legionelose extrapulmonar envolve manifestações como complicações da pneumonia (sepse, choque séptico e outros) ou de forma independente como infecção de partes moles (p. ex., celulite, abscesso cutâneo), artrite séptica, infecção de prótese osteoarticular, osteomielite, miocardite, pericardite, endocardite em válvula nativa ou protética, pielonefrite, meningite, abscesso cerebral ou infecções de sítio cirúrgico.

A febre pontiac consiste em uma síndrome febril aguda autolimitada com sintomas como febre, cefaleia, mialgias, náuseas, vômitos e diarreia, sem sintomas respiratórios pulmonares com duração aproximada de um a nove dias. A resolução ocorre espontaneamente sem a necessidade de antibioticoterapia.

Os fatores de risco para a doença consiste em pacientes com idade acima de 50 anos, imunocomprometidos, doentes oncológicos, transplantados, diabéticos, tabagistas, alcoólicos crônicos e aqueles com doença respiratória, cardiovascular e/ou renal crônicas avançadas e com exposição ambiental.

O diagnóstico específico deve ser realizado a partir dos espécimes relacionados com o quadro clínico e submetidos aos métodos envolvendo a realização de polimerização em cadeia (PCR), sequenciamento genômico, detecção de antígenos de Legionella na urina (atenção que a detecção do sorogrupo 1 não permite a detecção de outros sorogrupos!) e cultura.

O tratamento envolve o uso de macrolídeos, fluoroquinolonas ou tetraciclinas, com a duração usual de 7 a 10 dias para imunocompetentes e 14 a 21 dias para quadros graves ou pacientes com imunocomprometimento.

As mudanças climáticas e a epidemiologia das legioneloses

O aquecimento global e as alterações climáticas, observadas mais significativamente nas últimas décadas, têm sido consideradas as ameaças ambientais mais graves em escala mundial.

O aumento da temperatura acima da superfície e nos oceanos, resultante principalmente da ação humana, assim como o aumento das emissões de dióxido de carbono por queima de combustíveis fósseis, devastação de florestas, e outras ações, têm alterado significativamente o clima com consequente desertificação de extensões significativas de áreas e aumento de chuvas, tempestades, alagamentos e inundações em outras regiões de forma não habitual.

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Cientistas têm demonstrado preocupação com o consequente impacto sobre a distribuição de espécies de microrganismos, e aumento de chance de contaminação de água de consumo humano, por patógenos comuns como enterobactérias, Campylobacter, Vibrio, viroses gastrointestinais (ex. norovírus e hepatite A), parasitoses intestinais (p. ex., Cryptosporidium e Giardia).

Uma das preocupações inclui a emergência de casos de infecção respiratória associados à Legionella spp. mediante sua alta capacidade adaptativa ambiental em ambientes aquosos e a correlação de surtos com períodos anuais de chuva, especialmente no verão.

Diversos autores sugerem que o número de casos de legionelose pulmonar está diretamente associado com a ocorrência prévia recente de duas semanas de chuvas intensas e alta umidade relativa, tais fatores serviriam como preditores de picos de infecção por tal patógeno em períodos subsequentes. Vale lembrar que L. pneumophila já foi isolada de inúmeras fontes ambientais aquosas como poças d’água, com fácil formação de aerossol.

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De forma semelhante, hábitos comuns em domicílio ou usuais em grandes edificações (hospitais, hotéis e shoppings) como limpeza de chão, uso de ar-condicionado, máquinas de lava-jato, torres de resfriamento, umidificadores, spa, jardinagem, chuveiros e vasos sanitários são potenciais formadores de aerossol contendo Legionella spp.

Alguns surtos recentes de legionelose pulmonar foram descritos em países da América do Sul, como na Argentina em 2022. No Brasil, um dos casos de infecção por Legionella spp. mais destacados na imprensa foi associado ao falecimento do ex-ministro Sérgio Motta em abril de 1998, devido a complicações decorrentes da infecção pulmonar por esse patógeno. Tal fato resultou na publicação da portaria 3.523 de 28/08/1998 para regulamentar os critérios e medidas para a manutenção adequada dos sistemas de ar-condicionado no país.

As estimativas brasileiras sobre a epidemiologia da legionelose pulmonar são escassas. Por exemplo, de acordo com a Vigilância Municipal de São Paulo (em 2013) teriam sido detectadas 5.000 mortes no país associadas a legionelose, mas outros dados não são oficialmente divulgados por meios oficiais desde então.

Atualmente, considera-se que as medidas preventivas mais recomendadas atualmente incluem o uso de máscaras frente a suspeição de infecção respiratória (doente e contactantes), dosagem e ajuste de biocida (cloração) nos sistemas de água, limpezas periódicas de caixas d’água e reservatórios com tecnologia para a remoção de biofilmes e análises periódicas de água com a investigação da presença de Legionella spp.

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Referências bibliográficas

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