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Gastroenterologia30 agosto 2024

H. pylori: Tratamento empírico vs. guiado

O papel do H. pylori na carcinogênese é suportado por um alto nível de evidência, tendo sido qualificado como um carcinógeno do tipo 1 pela OMS.
Por Leandro Lima

A infecção pelo Helicobacter pylori (HP) é um dos grandes problemas mundiais de saúde pública, em especial por sua correlação estreita com a doença ulcerosa péptica e o câncer gástrico (CG).  

O seu papel na carcinogênese é suportado por um alto nível de evidência, tendo sido, portanto, qualificado como um carcinógeno do tipo 1 pela OMS, o que justifica os programas de rastreamento populacional, especialmente em regiões de alta prevalência, como em países asiáticos, onde 3% dos pacientes infectados pelo HP evoluem com CG em uma década. 

médico prescrevendo tratamento para H. pylori

Testar e tratar 

O lema amplamente conhecido de rastreamento populacional é o “testar e tratar”.  

O diagnóstico da infecção, definido preferencialmente por métodos não invasivos, como o teste respiratório com ureia ou pesquisa do antígeno fecal do HP, deve ser seguido pelo tratamento de erradicação, reservando-se a endoscopia digestiva alta (EDA) e biópsias para os indivíduos com mais de 50 anos ou com sinais de alarme.  

Leia mais: Tratamento do H. pylori na alergia à penicilina

Uma vez tratado, deve-se avaliar o sucesso terapêutico após transcorridas, pelo menos, 4 semanas do término do tratamento.    

A erradicação do HP, contudo, tende a perder a sua capacidade de frear a cascata evolutiva para o CG, descrita por Pelayo Correa, quando já se instalaram áreas extensas de atrofia e metaplasia intestinal, que mantêm um ambiente propício para a instabilidade genética e suas ominosas consequências. Dessa forma, uma das metas de tratamento do HP é fazê-lo ainda na juventude.  

Vale a pena tratar todos os infectados pelo H. pylori? 

Um questionamento pertinente, todavia, é se, de fato, todos os pacientes infectados são realmente beneficiados pelo tratamento, tendo em vista que a maioria não cursa com complicações graves do HP ao longo da vida, e que a pressão seletiva exercida pelo tratamento universal torna-se uma força motriz importante para a seleção de cepas resistentes.  

Na atualidade, infelizmente, não dispomos de elementos concretos para inferir sobre a virulência da bactéria e a susceptibilidade individual do hospedeiro, fatores que permitiriam selecionar indivíduos de baixo risco que pudessem dispensar o tratamento. Entretanto, destacamos algumas descobertas relevantes nesse aspecto:  

  • Fatores de virulência do H. pylori: formato da bactéria, presença de flagelos polares, motilidade, quimiotaxia a aderência; bem como fatores patogênicos, como a presença dos genes CagA, VacA, BabA, OipA, SabA e DupA.  
  • Fatores de susceptibilidade do hospedeiro: a presença de genes relacionados a tumores hereditários, como ATM, BRCA1, BRCA2 e PALB2, implicam em odds ratio (OR) acima de  22 para a evolução para o CG. 

Os tratamentos disponíveis e os desafios enfrentados 

Os tratamentos triplos ou quádruplos destinados à erradicação, geralmente prescritos por 14 dias, denunciam a resiliência do patógeno e a preocupação em relação à eclosão de resistência antimicrobiana, como listado na sequência. 

H. pylori: Resistência antimicrobiana mundial 

Antibióticos 

Percentual de resistência 

Locais mais críticos 

Claritromicina 

10 a 34% 

Pacífico oeste 

Metronidazol 

27 a 97% 

África 

Levofloxacino 

14 a 25% 

Sudeste asiático 

Amoxicilina 

1 a 38% 

África 

Tetraciclina 

1 a 13% 

África 

Veja também: Microbiota intestinal e o desenvolvimento imunológico na pediatria

A reflexão sobre os dados elencados nos leva a uma conclusão óbvia: o pragmatismo do tratamento empírico, com base em inquéritos epidemiológicos locais de sensibilidade antimicrobiana, embora traga a vantagem de reduzir custos diretos, pode fomentar o agravamento da resistência antimicrobiana e redução da eficácia dos tratamentos, enquanto se mantém a exposição aos eventos adversos da terapia. 

Em que pese a ampla indisponibilidade dos testes de sensibilidade, baseados em avaliações fenotípicas por meio de culturas ou genotípicas por testes moleculares, como o PCR, o ideal seria a promoção de uma rápida transição do tratamento empírico para o direcionado por dados microbiológicos individuais.   

Discute-se muito sobre a resistência antimicrobiana, mas não podemos nos esquecer de que, por detrás das falhas terapêuticas, frequentemente há questões relacionadas ao paciente, como má adesão terapêutica, polifarmácia e tolerabilidade limitada aos fármacos. Logo, é importante motivar o paciente para a terapia de erradicação, além de gerar disponibilidade para realizar orientações pontuais e auxiliar no manejo de eventuais efeitos colaterais leves.  

Os adjuvantes da antibioticoterapia 

Além dos antibióticos, os adjuvantes são fundamentais no processo de erradicação do H. pylori, com destaque para os tradicionais IBPs, utilizados desde a década de 1990; os potentes bloqueadores ácidos competitivos de potássio (PCABs), como a vonoprazana, que adentrou no mercado brasileiro nos últimos anos e tem se mostrado promissora na terapia de erradicação; o uso concomitante de probióticos, que parecem aumentar a eficácia e minimizar os eventos adversos do tratamento; e, por fim, os sais de bismuto, que se mostram as drogas mais produtivas ao incrementar as taxas de sucesso da erradicação em até 40%. 

Estamos próximos de uma vacina? 

Por se tratar de patógeno ubíquo e que acomete cerca de metade da população mundial, a busca por uma vacina eficaz segue em curso, embora a maioria dos estudos ainda esteja na fase pré-clínica, como os que envolvem a HelicoVax®  e Helicovaxor®.     

Saiba mais: Diarreia aguda: 5 dicas para abordagem

Conclusão e Mensagens práticas 

  • A infecção pelo Helicobacter pylori é considerada um problema de saúde pública mundial, sendo o patógeno considerado um carcinógeno do tipo 1 pela OMS, por sua relação estreita com o câncer gástrico. O rastreamento populacional, pautado no lema “testar e tratar”, é válido especialmente nas regiões com alta prevalência de câncer gástrico. O tratamento empírico, mais prático, tende a perder o seu espaço à medida que a resistência antimicrobiana avança. As novas perspectivas terapêuticas incluem, além dos antibióticos (amoxicilina, claritromicina, levofloxacino, metronidazol, tetraciclina), os inibidores de bomba de prótons, bloqueadores ácidos competitivos de potássio, probióticos e sais de bismuto. A busca por um imunizante eficaz encontra-se em andamento, mas ainda em estudos pré-clínicos.  
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Referências bibliográficas

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