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Dermatologia4 agosto 2024

Afecções dermatológicas na infância: Molusco Contagioso

Cerca de 1% das infecções cutâneas em todo mundo estão relacionadas ao molusco contagioso, acometendo todas as faixas etárias.
Por Jôbert Neves

Afecções dermatológicas na infância

Introdução

O molusco contagioso (MC) é uma infecção de pele viral, benigna, autolimitada e sem manifestações sistêmicas. Caracterizada por 1 a 20 pápulas discretas, medindo cerca de 2 a 5 mm de diâmetro, em formato de cúpula, algumas delas com umbilicação central. As lesões podem ocorrer no tronco, face e extremidades, mas raramente são generalizadas. Elas se resolvem espontaneamente em 6 a 12 meses, podendo chegar até 3 a 4 anos para desaparecer completamente.

Veja também: Afecções dermatológicas na infância: Impetigo

Epidemiologia e etiologia

Cerca de 1% das infecções cutâneas em todo mundo estão relacionadas ao molusco contagioso, acometendo todas as faixas etárias e com uma prevalência crescente. Nos Estados Unidos, essa prevalência chega até 5%, sendo as crianças as mais acometidas, principalmente a faixa etária entre 1 e 4 anos de idade. Embora seja encontrado principalmente em indivíduos imunocompetentes, pacientes com imunodeficiência (especialmente infecção por HIV) e com dermatite atópica são grupos de risco para infecção pelo MC.

O MC é um membro não classificado da família Poxviridae, abrangendo os vírus dos tipos I a IV, infectando exclusivamente humanos, sem uma associação direta entre o tipo de vírus, a morfologia das lesões e a sua distribuição. São transmitidos por contato direto pele a pele ou indireto, por meio de fômites, como toalhas, roupas íntimas, brinquedos, lâminas de barbear, materiais para tatuagem.

Podendo também disseminar por autoinoculação para a pele normal após a manipulação do molusco pelo próprio paciente. Apesar de pouco frequente, o MC também pode ser transmito aos neonatos através do canal do parto, com lesões manifestadas no couro cabeludo do bebê. O tempo de incubação é de 2 a 6 semanas, provocando posteriormente uma ruptura da barreira cutânea e desenvolvendo pápulas de acordo com a resposta imune adaptativa e adquirida do hospedeiro.

Histopatologia

O MC infecta células epiteliais e se replica no estrato espinhoso da epiderme, levando à proliferação e hipertrofia de queratinócitos com a característica intracitoplasmática viral órgãos de inclusão. Com a morte e ruptura da célula hospedeira, as partículas de MC são liberadas, o que pode infectar novas células epiteliais. O exame histológico mostra uma área lobulada circunscrita, com hiperplasia epitelial e com aceleração da queratinização associada a um deslocamento descendente da membrana basal.

Apresentação clínica e diagnóstico

As lesões causadas pelo MC são assintomáticas, mas podem causar irritação ou prurido em alguns pacientes. Elas geralmente aparecem em grupos ou em um padrão linear e, infrequentemente, a lesão pode ser solitária. A umbilicação central pode ser difícil de observar em lesões pequenas e em lactentes.

Em indivíduos com imunodeficiência, as lesões podem ser extensas e de grande tamanho, podendo atingir um tamanho superior a 1 cm de diâmetro, denominando assim de molusco gigante contagioso. Apresentações atípicas também podem acontecer, como um padrão verrucoso e hipertrófico.

Apesar do diagnóstico baseado nas características clínicas das lesões, alguns casos de MC irritados ou escoriados podem ser indistinguíveis de outras dermatoses, sendo um desafio para o diagnóstico preciso. Ao dermatoscópio, observam-se estruturas não vistas a olho nu. Sendo evidenciada uma pápula, que pode ou não ser umbilicada, com estruturas amorfas lobulares de coloração branca a amarela, com padrão vascular em coroa, radial ou puntiforme.

Um estudo chinês avaliou cerca de 227 lesões de MC por dermatoscopia e os padrões mais frequentemente observados foram de lesões arredondadas, branco-amareladas e amorfa (40,53%), seguidas por um padrão trevo de quatro folhas  33,48%), polilobular  (20,26%) e inespecífico  (5,73%).

As lesões de MC podem criar marcas de sofrimento psicossocial e ter um impacto na qualidade de vida dos pacientes e/ou cuidadores de crianças afetadas. Além disso, lesões visíveis podem causar constrangimento, angústia ou ansiedade. Vale ressaltar que, não é necessário afastar as crianças da creche ou escola, desde que as lesões estejam cobertas, para que não ocorra a possibilidade de transmissão.

Diagnósticos diferenciais e complicações

De acordo com documento científico publicado pelo Departamento de Dermatologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), o diagnóstico diferencial varia de acordo com a faixa etária e o estado imunológico do paciente, com destaque para doenças de etiologias inflamatória, infecciosa e neoplásica, como verrugas planas, condiloma acuminado, granuloma piogênico, tumores anexiais e histiocitose de células de Langerhans. Já nos imunossuprimidos, devem ser consideradas a histoplasmose e criptococose, como importantes diagnósticos diferenciais.

Tratamento

São diversas as potenciais alternativas terapêuticas para manejo do MC, sendo elas mecânicas, químicas, antivirais e até imunomoduladores. Apesar disso, as evidências atuais se divergem em relação à definição da melhor terapia. Dentre as mais comumente utilizadas, temos:

Curetagem: Caracterizada pela remoção física da lesão de MC através da abertura da superfície epitelial da pápula. De forma geral, é um procedimento simples e com custo baixo. A eficácia desse tratamento está relacionada ao número e distribuição das lesões, assim como a depender da habilidade de quem está realizando procedimento. De acordo com a SBP, esse é o método de escolha preferível para e remoção das lesões de MC.

Hidróxido de potássio (KOH): É um método químico que, por meio do processo inflamatório gerado, destrói as lesões, nesse caso, dissolvendo a queratina. Pode ser utilizado em concentrações, que variam de 5% a 20%, aplicadas 2 vezes ao dia ou em dias alternados, durante uma semana. Vale ressaltar que há a possibilidade de irritação e dor local.

Podofilotoxina: Esse outro método químico que é um agente antimitótico, com concentração de 0,5% em solução ou gel, porém as suas segurança e eficácia no tratamento do molusco contagioso são incertas. Como efeito colateral, têm-se dor, irritação e desconforto no local da aplicação.

Crioterapia/Nitrogênio Líquido: Técnica barata e eficiente que pode ser uma alternativa rápida e aplicada em consultório médico. Sua aplicação pode ser feita com cotonete ou pulverizador. Porém, os efeitos colaterais comuns incluem dor, sangramento e bolhas no local da aplicação. Por ser uma modalidade dolorosa, ela é mal tolerada por crianças mais novas.

Imunomoduladores: Nesse método, o imiquimod ganha destaque. Ele é aplicado como um creme tópico (5%) que estimula a imunidade do hospedeiro contra a infecção. A SBP orienta que MC refratário grave em pacientes com estado imunológico comprometido possa utilizá-lo, mas que pacientes imunocompetentes não se beneficiam dessa terapia. Uma revisão publicada no Cochrane de 2017 evidencia que o imiquimod não é recomendado para molusco. Sendo assim, sua indicação deve ser individualizada.

Cidafovir: Essa é a terapia antiviral indicada apenas para pacientes com comprometimento imunológico e que tenham lesões extensas ou que não responderam aos tratamentos anteriormente discutidos. Pode ser utilizado na concentração de 1% a 3% por via tópica ou por via intravenosa, além das reações locais, a nefrotoxicidade deve ser considerada.

Leia mais: Afecções dermatológicas na infância: Celulite infecciosa

Sendo assim, o primeiro passo no manejo do molusco contagioso é reconhecer que se trata de uma infecção viral contagiosa. Parte considerável dos pacientes são tratados por pediatras ou médicos da atenção primária à saúde que, em muitas situações, optam por conduta expectante. No entanto, vale a pena discutir e entender qual é o paciente elegível para tratamento.

Em geral, em pacientes imunocompetentes, o tratamento é opcional, exceto para pacientes adolescentes e adultos com lesões na região genital, que devem ser tratados para evitar a disseminação via sexual. Para os imunocomprometidos, é consenso a indicação de tratamento devido à potencial evolução grave e persistente da infecção, assim como pacientes com doença extensa e complicações secundárias, como infecção bacteriana e conjuntivite.

Autoria

Foto de Jôbert Neves

Jôbert Neves

Médico do Departamento de Pediatria e Puericultura da Irmandade da Santa Casa  de Misericórdia de São Paulo (ISCMSP), Pediatria e Gastroenterologia Pediátrica pela ISCMSP, Título de Especialista em Gastroenterologia Pediátrica pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).  Médico formado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Coordenador Young LASPGHAN do grupo de trabalho de probióticos e microbiota da Sociedade Latino-Americana de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica (LASPGHAN).

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Referências bibliográficas

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