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Clínica Médica18 novembro 2024

Tirzepatide: Um novo tratamento para indivíduos com SAOS e obesidade? 

Estudo analisou o uso de tirzepatida como tratamento potencial contra a apneia obstrutiva do sono (SAOS) causada por obesidade
Por Danielle Calil

A apneia obstrutiva do sono (SAOS) é uma condição relativamente comum, com estimativas de afetar 900 milhões de indivíduos globalmente, sendo 40% com grau moderado-grave. A apneia do sono é distúrbio respiratório do sono caracterizado por repetitivos colapsos faríngeos durante o sono, resultando em episódios de apneia/hipopneia e, logo, em episódios de hipoxemia, hipercapnia e despertares noturnos recorrentes. 

Um tratamento bem consolidado para essa condição é a terapia de pressão aérea positiva com o uso do CPAP, que possibilita a melhora do index apneia-hipopneia do sono (AHI) e reduz os sintomas relacionados à apneia do sono. Alguns dados na literatura, contudo, demonstram que essa terapia é geralmente abandonada por aproximadamente 50% da população com SAOS após 3 anos. Há outras terapias disponíveis para condução desses casos embora sejam opções invasivas e não universalmente eficazes. Atualmente, não há uma intervenção farmacológica aprovada para tratamento de SAOS.  

O acúmulo de tecido adiposo é um relevante fator de risco modificável para a síndrome da apneia obstrutiva do sono. Nos Estados Unidos, a obesidade é responsável por cerca de 60% dos casos de SAOS moderada-grave. Em diretrizes clínicas, inclusive, há a recomendação para perda de peso ponderal como uma das estratégias terapêuticas.  

Nessa conjuntura, a New England Journal of Medicine publicou em outubro de 2024 o ensaio clínico SURMOUNT-OSA. Trata-se de trial que propôs investigar a droga tirzepatide, com mecanismo de ação de agonista do receptor GLP-1 (peptídeo 1 semelhante ao glucagon) e do receptor GIP (polipeptídeo insulinotrópico), para o tratamento de SAOS em indivíduos que apresentem essa condição concomitante à obesidade. 

Métodos 

Trata-se de dois ensaios clínicos de fase 3, multicêntricos, com grupos paralelos, duplo cego, randomizados, com follow-up de 52 semanas, nos quais foi investigado a eficácia e segurança da máxima dose tolerada de tirzepatide em adultos com SAOS moderada-grave e obesidade. 

Foram elegíveis adultos com diagnóstico moderado-grave de SAOS (presença de AHI ≥ 15 eventos por hora) e obesidade (IMC ≥ 30 kg/m²). Os critérios de exclusão contemplaram em indivíduos com diagnóstico de diabetes tipo 1 ou 2, mudança de peso corporal acima de 5kg nos últimos 3 meses antes do rastreio, planejamento cirúrgico para obesidade ou para SAOS, diagnóstico de apneia central ou mista e anormalidades craniofaciais significativas. 

O desenho do estudo consistiu em período de rastreio composto por 4 semanas nas quais os pacientes eram destinados ao trial 1 ou ao trial 2, de forma randômica na taxa 1:1, para receber a intervenção (tirzepatide) ou placebo em dose subcutânea semanal com uso de caneta autoinjetável. O grupo intervenção começou com tirzepatide em dose de 2,5 mg/semana e aumentado 2,5 mg a cada 4 semanas até a máxima dose tolerada em torno de 10 mg ou 15 mg na 20ª semana do ensaio clínico. O trial 1 foi composto por participantes que não puderam ou não quiseram usar o CPAP; enquanto, por outro lado, o trial 2 foi composto por participantes sob uso de CPAP por pelo menos três meses durante a fase de rastreio e com perspectiva de seguimento dessa terapia durante o ensaio clínico. Todos os participantes foram aconselhados à alimentação saudável com déficit calórico de 500 kcal e atividade física por pelo menos 150 min/semana. A avaliação de polissonografia com AHI foi aferido durante período do rastreio, na 20º semana e 52º semana do estudo. 

O desfecho primário foi alteração do AHI a partir do baseline. Alguns dos desfechos secundários avaliados foram a porcentagem de participantes com redução de AHI em pelo menos 50%, a alteração de carga hipoxêmica especificada para apneia do sono na polissonografia, alteração de pressão arterial sistólica e a alteração percentual do peso corporal. Estudos de segurança incluíram eventos adversos durante o período de follow-up. 

Leia também: Insônia e seus múltiplos tipos e origens

Resultados 

O estudo foi conduzido entre junho de 2022 até março de 2024. Um total de 469 participantes foram randomizados e incluídos no estudo: 234 participantes no trial 1 e 235 participantes no trial 2. As características sociodemográficas e clínicas do trial 1 constituíram em 67,1% homens, 65,8% caucasianos, com média de idade de 47,9 anos e AHI médio de 51,5 eventos/hora e IMC médio de 39,1; enquanto, no trial 2, foram 72,3% homens, 73,1% caucasianos, com idade média de 51,7 anos, AHI médio de 49,5 eventos/hora e IMC médio de 38,7. 

Na avaliação de desfecho primário, após 52 semanas, no trial 1 foi encontrada alteração de -25,3 eventos/hora do AHI no grupo intervenção comparado a -5,3 eventos/hora do placebo, compondo uma diferença de tratamento estimada em -20 eventos/hora (IC 95% -25,8 a -14,2, p < 0,001). Por sua vez, no trial 2, foi encontrada uma alteração de -29,3 eventos/hora no grupo intervenção e -5,5 eventos/hora no grupo placebo, constituindo uma diferença estimada de tratamento em -28,3 eventos/hora (IC 95% -29,6 a -17,9, P< 0,001). Em ambos os trials, foi observado que os participantes do grupo de intervenção com tirzepatide apresentaram reduções significativas do AHI e da carga hipoxêmica específica de apneia do sono na polissonografia. 

Quanto à segurança, os eventos adversos mais reportados eram de origem gastrointestinal e ocorreram mais frequentemente no grupo intervenção. Em geral, esses efeitos eram com graus leves a moderados cuja ocorrência era mais dose-dependente. Foram reportados 7,5% da amostra com eventos adversos sérios, sendo que a porcentagem entre os grupos intervenção e placebo foram similares. Não foram encontrado casos de câncer medular de tireoide entre esses efeitos. 

Saiba mais: Apneia obstrutiva do sono

Tirzepatide: Um novo tratamento para indivíduos com SAOS e obesidade?

Imagem rawpixel.com/freepik

Comentários: SAOS e obesidade

Nesse estudo, os adultos com SAOS moderada-grave com obesidade que receberam tirzepatide apresentaram redução significativa do índice apneia-hipopneia em torno de 29,3 eventos/hora comparados à redução de 5,3 eventos/hora no grupo placebo. Esse resultado é considerado clinicamente relevante de acordo com indício proposto pela American Academy of Sleep Neurology na qual define melhora significativamente clínica a partir da redução do AHI em pelo menos 15 eventos/hora.  

Embora SAOS e obesidade sejam condições distintas, elas estão intimamente relacionadas e ambas apresentam papéis independentes no desenvolvimento de complicações cardiovasculares. O tirzepatide, no SURMOUNT-OSA trial demonstrou impacto em complicações cardiovasculares ao reduzir pressão arterial, o contexto inflamatório e o IMC dos participantes. Uma limitação do estudo, contudo, é que o desenho do estudo e o curto período de follow-up (52 semanas) dificultam o suporte do uso dessa droga para avaliação de desfechos cardiovasculares de longo prazo. 

Diretrizes atuais recomendam perda de peso ponderal entre 7-11% em pacientes com SAOS; entretanto, alguns estudos de metanálise já evidenciaram que uma perda de peso adicional pode reduzir ainda mais o índice hipopneia-apneia, melhorando, portanto, o desfecho para SAOS.  

Uma outra limitação do estudo interessante de ser pontuada é que esse ensaio clínico não contemplou participantes com SAOS que não preenchiam critérios para obesidade e, portanto, limita a generalização desses resultados para essa população.  

Mensagem final 

A tirzepatide foi droga que aparentou reduzir o índice hipopneia-apneia em polissonografia de pacientes com SAOS moderada-grave e com obesidade. Ainda assim, estudos de longo prazo com a droga são necessários para avaliar o impacto em desfechos cardiovasculares.

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Referências bibliográficas

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