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Clínica Médica7 outubro 2024

Apneia obstrutiva do sono

A apneia obstrutiva do sono (AOS) é uma condição de alta prevalência e que agrega significativa morbimortalidade ao escopo da síndrome metabólica.
Por Leandro Lima

A apneia obstrutiva do sono (AOS), sem dúvidas, merece estar no repertório de todo médico generalista, por se tratar de condição de alta prevalência e que agrega significativa morbimortalidade ao escopo da síndrome metabólica.

A perviedade das vias aéreas altas é, por si só, desafiadora, em decorrência da posição bípede assumida pela homem e do espaço exíguo compartilhado para as funções de respiração, digestão e fonação.

O tônus muscular dilatador, com destaque para o músculo genioglosso, que projeta a base da língua anteriormente durante a respiração, garante o deslocamento de ar com baixa resistência durante a inspiração para os pulmões. Entretanto, durante o sono, há um relaxamento muscular natural, que favorece o colapso dinâmico, parcial ou total, das vias aéreas, e os consequentes episódios de apneia e hipopneia, especialmente na presença de fatores anatômicos contribuintes.

homem com apneia do sono

Conceitos importantes

  • Apneia: cessação do fluxo aéreo respiratório em mais de 90%, com duração superior a 10 segundos e resultando em dessaturação ou despertares corticais.
  • Hipopneia: redução do fluxo aéreo entre 30 e 90% e com queda na saturação arterial de oxigênio (SaO2) em pelo menos 3% ou indução de despertares.

A hipoventilação alveolar resultante dos episódios de apneia e hipopneia é responsável pela hipoxemia e hipercapnia intermitentes, que são gatilhos para a ocorrência de grandes pressões negativas intratorácicas (gradiente pressórico promovido pelo esforço respiratório inspiratório contra uma via aérea parcial ou totalmente obstruída) e promoção de microdespertares, gerando a fragmentação do sono. O somatório desses eventos desencadeia reações de estresse oxidativo, ativação simpática e o aumento da pré e pós-carga cardíaca, agravando ou precipitando as comorbidades, como a hipertensão arterial sistêmica (HAS), diabetes mellitus do tipo 2 (DM2), doença arterial coronariana (DAC), doença cérebro-vascular (DCV), arritmias e insuficiência cardíaca (IC).

Não é de se surpreender, portanto, que a AOS se associa, de forma independente, ao aumento do risco cardiovascular global em três vezes e a mais de 60% dos casos de HAS resistente.

Diante de uma condição tão prevalente, potencialmente grave e subdiagnosticada, deve-se manter uma alta suspeição clínica, pautada na identificação de fatores de risco (sexo masculino, idade acima de 50 anos e obesidade, por exemplo) e sintomatologia a ela atribuível, que pode ser caracterizada da seguinte maneira:

 

Sintomas noturnosSintomas diurnos
Roncos, interrupções respiratórias, sono fragmentado e não reparador, microdespertares e noctúria.Sonolência diurna, cefaleia matinal, fadiga, queda na produtividade, déficit na memória, queda de libido, prejuízo da qualidade de vida e depressão.

Veja também: Quando a apneia do sono não precisa ser tratada

A triagem populacional é, portanto, recomendada, valendo-se de questionários validados, como o STOP-Bang, desenvolvido para a avaliação perioperatória e destacado pela sensibilidade de 90%; o escore de Berlim, dedicado ao cenário da atenção básica; e a famosa, e pouco sensível, escala de sonolência de Epworth.

Na entrevista médica as perguntas com maior sensibilidade e especificidade são, respectivamente: “Você ronca?” e “Você interrompe a respiração enquanto está dormindo?”, devendo-se valorizar as queixas provenientes dos contactantes domiciliares.

O exame físico pode elucidar elementos corroborativos, como o índice de massa corporal (IMC) > 30 kg/m², perímetro cervical aumentado (> 43 e 38 cm entre homens e mulheres, respectivamente) e alterações anatômicas (hipertrofia das tonsilas palatinas e adenoide, palato ogival, macroglossia, retrognatia, micrognatia, desvio de septo nasal ou obstrução nasal).

O diagnóstico é realizado, preferencialmente, por meio da polissonografia convencional. Contudo, a modalidade é complexa e cara, existindo uma tendência mundial de busca por ferramentas simplificadas e acuradas para o diagnóstico, a exemplo do Biologix®, desenvolvido na USP pela equipe do Dr. Geraldo Lorenzi Filho.

Polissonografia
TipoLocal Canais de sinal
1Laboratório de sonoAo menos 7
2DomicílioAo menos 7
3Domicílio4 a 7
4Domicílio1 ou 2

A polissonografia completa, do tipo 1 e 2, conta com os vários canais de sinais, dedicados ao registro de parâmetros importantes para a definição da AOS, entre os quais enfatizamos os seguintes:

  • Bandas de indutância abdominal e torácica;
  • Cânula nasal conectada a um transdutor de pressão ou nasobucal com um sensor térmico para a avaliação do fluxo aéreo;
  • Oxímetros de alta resolução;
  • Microfone para a captação dos roncos;
  • Cardioscopia;
  • Eletroencefalograma;
  • Eletrooculograma;
  • Eletromiograma mentoniana e das extremidades inferiores.

A complexidade dos exames do tipo 1 e 2 é contraposta com a boa performance do tipo 4, com sensibilidade e especificidade próximas aos 80%, com área sob a curva ROC superior a 85% e custos aproximadamente 5 vezes menores. São, portanto, uma esperança real de democratização do diagnóstico da AOS, especialmente entre regiões com recursos de saúde limitados.

A gravidade da AOS é definida pelo índice de apneia-hipopneia (IAH) medido durante o período de sono por meio da polissonografia convencional ou pelo índice de eventos respiratórios ou índice de dessaturação (REI ou IDO) durante o período total de registro, provenientes dos testes do tipo 4.

 

Definição da gravidade da AOS (IAH, REI ou IDO)
ClassificaçãoEventos de apneia ou hipopneia por horaDiagnóstico
Normal0 a 4,9Excluído
Leve5 a 14,9Confirmado entre os sintomáticos.
Moderada15 a 29,9Confirmado, independentemente da presença de sintomas.
Grave30 ou mais

O tratamento clássico da AOS é baseado na pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP), capaz de normalizar o IAH em mais de 90% dos casos. Atualmente, a preferência é pelos dispositivos de titulação automática, pois, na maioria dos casos, dispensam a polissonografia de ajuste.

A boa adesão terapêutica é definida, arbitrariamente, como utilização por período superior a 4 horas/noite e frequência semanal superior a 5 dias, embora a resposta ótima esteja associada à utilização por mais do que 6 horas por noite.

Os casos leve a moderados podem se beneficiar dos dispositivos orais de avanço mandibular, que se associam à redução média do IAH de 14.

As modalidades invasivas de tratamento incluem a uvulofaringopalatoplastia, cirurgia de avanço maxilomandibular (LeFort I), estimulação do nervo hipoglosso e traqueostomia, sendo a última raramente indicada para esse propósito na atualidade.

Saiba mais: ADA 2024: Tirzepatida melhora a apneia do sono – resultados do estudo SURMOUNT-OSA

 

Medidas gerais
1)     Emagrecimento de ao menos 10 kg na presença de sobrepeso ou obesidade;

2)     Prática regular de atividade física aeróbica;

3)     Evitar o uso de álcool, benzodiazepínicos e opioides, bem como a direção de veículos entre indivíduos não tratados;

4)     Dar preferência para o sono em decúbitos laterais ou posição prona, em detrimento da supina.

Conclusão e Mensagens práticas

  • A apneia obstrutiva do sono (AOS) merece ser abordada pelo médico geral em virtude da alta prevalência e grande impacto em desfechos da síndrome metabólica.
  • A triagem populacional pode ser realizada por meio de instrumentos validados, como o STOP-BANG, escore de Berlim e escala de Epworth.
  • A definição diagnóstica é baseada na polissonografia, com destaque para as soluções de baixa complexidade que visam a democratização do diagnóstico.
  • O índice de apneia-hipopneia (IAH) é considerado normal se abaixo de 5 eventos/hora. Por outro lado, valores acima de 15 e 30 apontam para AOS moderada a grave, respectivamente.
  • O tratamento de primeira linha é o CPAP, embora possam ser utilizados os dispositivos orais de avanço mandibular nos casos leves a moderados. As medidas gerais, com destaque para o emagrecimento, não podem ser negligenciadas.
  • Terapêuticas invasivas, como a uvulofaringopalatoplastia, cirurgia de avanço maxilomandibular (Le Fort I) e estimulação elétrica do nervo hipoglosso podem ser consideradas de maneira individualizada.
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Referências bibliográficas

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