Belimumabe e rituximabe no tratamento do lúpus eritematoso sistêmico
O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença complexa, com um potencial de acometimento de virtualmente qualquer órgão e sistema. Apesar dos tratamentos atuais com corticoide, hidroxicloroquina e imunossupressores, muitos pacientes não conseguem atingir o controle da doença no longo prazo.
Atualmente, uma das tônicas no tratamento do LES é a redução no consumo de corticoide, visto que este se associa com incremento no risco de dano e, consequentemente, de letalidade. Recomenda-se que a dose de prednisona seja reduzida para ≤5 mg/dia, com retirada sempre que possível. Dessa maneira, a identificação de novas estratégias que possibilitem o atingimento desses alvos terapêuticos é fundamentais.
O linfócito B apresenta um papel central na fisiopatogênese do LES, e duas medicações cujos alvos são essa célula são frequentemente utilizadas no tratamento do LES. O belimumabe é um anticorpo monoclonal com o BLyS, um fator solúvel responsável pela ativação, diferenciação e perpetuação de linfócitos B. Já o rituximabe, um anti-CD20, age depletando os linfócitos B; sua indicação para LES é off-label. Pequenos estudos sugeriram que a terapia sequencial utilizando essas duas medicações poderiam ter algum papel no tratamento do LES.
Para avaliar a eficácia dessa terapia sequencial, Aranow et al. conduziram o estudo BLISS-BELIEVE, que teve seus resultados recentemente publicados.
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Métodos
Trata-se de um ensaio clínico randomizado de fase 3, com seguimento de 104 semanas, patrocinado pela GSK (detentora da patente do belimumabe). Os pacientes foram incluídos entre março de 2018 e julho de 2021. Foram considerados elegíveis pacientes ≥18 anos, com ≥4 pontos nos critérios de classificação do ACR 1997, FAN ou anti-dsDNA positivos e SLEDAI-2K ≥6. Pacientes com nefrite lúpica e manifestações do sistema nervoso central em atividade foram excluídos.
Os pacientes foram randomizados na proporção de 1:2:1 para os seguintes braços: (1) belimumabe 200 mg/semana SC por 52 semanas + placebo EV nas semanas 4 e 6 (BEL/PBO); (2) belimumabe 200 mg/semana SC por 52 semanas + rituximabe 1000 mg EV nas semanas 4 e 6 (BEL/RTX); (3) belimumabe 200 mg/semana SC por 52 semanas + terapia padrão por 104 semanas (BEL/ST – referência). Os pacientes foram estratificados de acordo com SLEDAI-2K (6-9 ou ≥10), uso de imunossupressor (sim/não) e dose de corticoide (equivalente de prednisona ≥10mg/dia ou >10 mg/dia).
Após o período de 52 semanas, os grupos BEL/PBO e BEL/RTX entraram em uma fase observacional, duplo-cega, de 52 semanas sem tratamento, com avaliações clínicas detalhadas nas semanas 60, 64 e, a partir daí, a cada 8 semanas até a semana 104. Os pacientes do grupo BEL/ST continuaram com o tratamento ao longo das 104 semanas.
Foi considerada falha de tratamento se o paciente receber nessa fase, a critério do médico assistente, corticoide >5 mg/dia, qualquer imunossupressor e/ou belimumabe open-label.
O uso de AINEs, antimaláricos e prednisona ≤5 mg/dia foram autorizados dentro dos limites definidos no protocolo entre as semanas 53 e 104.
O desfecho primário analisado foi a proporção de pacientes que atingiram controle da doença (SLEDAI ≤2, sem imunossupressores e com prednisona ≤5 mg/dia) na semana 52 para BEL/RTX vs. BEL/PBO. Os desfechos secundários maiores (controlados por alfa) foram a proporção de pacientes com remissão clínica (semana 64: SLEDAI-2K clínico = 0, sem imunossupressores/corticoide) e com controle da doença (semana 104). Outros desfechos secundários menores: duração do controle da doença, positividade e níveis de anti-dsDNA, níveis de C3/C4 e subtipos de linfócitos B.
Resultados
Dos 396 pacientes que foram analisados, 292 foram incluídos na população de intenção-de-tratar (ITT) e 263 foram incluídos na análise de ITT modificada. De modo geral, 226 (77,4%) foram seguidos até a semana 104, sendo que 215 concluíram o tratamento programado até a semana 52.
A idade média dos pacientes foi por volta de 40 anos, cerca de 90% eram do sexo feminino e a maioria era branca.
Na análise por ITT modificada, 12/72 (16,7%) dos pacientes com BEL/PBO e 28/144 (19,4%) do grupo BEL/RTX atingiram o controle da doença (OR 1,27, IC95% 0,60-2,71, p=0,5342) na semana 52. Não houve diferenças estatisticamente significativas também nas análises dos desfechos secundários maiores.
Os níveis de anti-dsDNA e a maioria dos subtipos de linfócitos B foram menores no grupo BEL/RTX vs. BEL/PBO. A duração média de controle da doença ao longo das primeiras 52 semanas foi estatisticamente maior no grupo BEL/RTX.
Veja também: Rituximabe nas miopatias autoimunes sistêmicas
Conclusão e mensagem prática
O estudo BLISS-BELIEVE não foi capaz de demonstrar o benefício da terapia sequencial de BEL/RTX. Apenas alguns parâmetros laboratoriais (que já eram previsíveis de serem alterados pelas próprias características farmacodinâmicas das drogas) e uma duração um pouco maior do controle mais precoce da doença foram diferentes.
Sendo assim, não podemos indicar essa terapia sequencial no momento, sendo reservadas para medidas salvadoras, nas quais as outras opções terapêuticas já foram esgotadas.
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