Abordagem e tratamento de trombose arterial inexplicada
Introdução
Quando eventos arteriais cárdio ou cerebrovasculares, além de sítios anatômicos não usuais, ocorrem sem uma etiologia aparente, particularmente em pacientes mais jovens, os hematologistas podem ser chamados para auxiliar na avaliação e no manejo desses casos. Neste texto, iremos abordar as principais causas e tratamentos específicos.
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Definindo a localização e a natureza do trombo
É de suma importância que o leito vascular acometido seja claramente evidenciado, uma vez que eventos venosos podem se assemelhar a eventos arteriais (ex: vasos centrais da retina). O manejo dos eventos arteriais varia por órgão acometido.
Devemos tentar encaixar o evento em uma das 06 categoriais principais, sendo elas: (1) aterosclerótica, (2) embolia, (3) desordens sistêmicas, (4) precipitada por medicações ou substâncias, (5) anormalidades anatômicas/vasculares, (6) trombofilias. As duas primeiras categoriais são as mais frequentes.
Importante lembrar que, para todo paciente considerado elegível a uma terapia antitrombótica, o ideal é que o risco hemorrágico seja sempre avaliado antes do início do tratamento.
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Abordando os pontos específicos
Aterosclerose – combina achados de imagem e fatores de risco para doença cardiovascular. Achados de obstrução luminal (> 50%) proximais ao leito acometido podem ser indicadores de alto risco de doença cardiovascular. Em cenários com maior disponibilidade de recursos realizam a dosagem de Lipoproteina (A) em pacientes com doença aterosclerótica cardiovascular (DAC) e cerebrovascular precoce (< 55 anos), história familiar fortemente positiva para DAC ou eventos recorrentes/progressivos apesar de terapia otimizada.
A terapia baseada nos mais novos estudos recomenda antiagregação com anticoagulação em doses muito baixas (utilizando-se os novos anticoagulantes orais) – chamada de inibição de dupla via (ex: AAS 100mg e Rivaroxabana 2,5mg de 12/12h). A terapia proposta foi avaliada até o momento somente em doença coronariana estável e doença aterosclerótica obstrutiva periférica.
Embolia – Os eventos embólicos podem ser difíceis de diferenciar e em geral utilizamos a epidemiologia dos eventos ou sinais indiretos dos exames de imagem para tal. Infartos lacunares pequenos (vasos com menos de 15mm em diâmetro) ou infartos subcorticais de artérias perfurantes, afastam causa embólica. Exemplos de sítios mais acometidos por embolia: infartos esplênicos e renais. Ecocardiografia deve ser realizada para busca da fonte de êmbolos (Forame oval patente? Alterações valvares?), assim como avaliação do ritmo cardíaco e doppler de carótidas ou aorta (fonte ateroembólica?).
O tratamento depende da causa. Nas fibrilações atriais, sugerimos anticoagulação conforme guidelines da cardiologia. Um termo foi criado para designar acidente vascular encefálico isquêmico de provável etiologia embólica sem sítio aparente – AVC isquêmico embólico de fonte indeterminada – e dois ensaios clínicos randomizados evidenciaram que a terapia antiagregante simples com AAS é tão eficaz e com menor risco de sangramento do que o uso de anticoagulação.
A aplicabilidade desses achados para outros sítios de embolia não foi definida até o momento na literatura. O tratamento associado ao achado de trombo em ventrículo esquerdo baseia-se no uso do Marevan, devido aos dados conflitantes de literatura. O fechamento do forame oval patente deve ser realizado apenas nos casos em que a alteração estrutural é considerada causal para o evento, e não coincidente. Para tanto, uma extensa avaliação para outras causas deve ser efetuada e outros fatores de risco para causas estruturais ou trombóticas devem ser excluídos.
Medicações e substâncias – Caso não seja identificado agente o causador, algumas drogas podem ser investigadas como fatores de risco para eventos tromboembólicos, como: hormônios estrogênios e andrógenos, heparina (trombose induzida por heparina), imunoglobulina endovenosa, cocaína, tabaco e cannabis (tromboangeíte obliterante), agentes estimuladores da eritropoiese, terapias oncológicas, inibidores do fator de crescimento endotelial, tamoxifeno, fluorouracil, inibidores de checkpoint. O tratamento consiste na suspensão da droga.
Doenças sistêmicas – neoplasias ocultas (investigar com exames de triagem adequados à idade, sexo e fatores de risco), doenças autoimunes (artrite reumatoide, lúpus e vasculites) e doenças hematológicas (neoplasias mieloproliferativas, hemoglobinúria paroxística noturna, doença falciforme, doenças plasmocitárias, crioglobulinemia). A doença grave provocada pelo SARS-COV2, com falência respiratória, também deve entrar no diagnóstico diferencial. A trombose induzida por vacinas (covid-19– Astrazeneca e Johnson & Johnson) se assemelha aos casos de trombose associada ao uso de heparina (acompanhada de trombocitopenia). Deve-se tratar a doença de base.
Alterações anatômicas – Devem ser avaliadas nos exames de imagem. Exemplos: dissecção da parede arterial, aneurismas, displasia fibromuscular, vasculite, vasoespasmos e compressão extrínseca. Exames como angiorressonância ou arteriografia podem ser considerados. Tratamento da doença de base previne recorrências.
Trombofilias – As trombofilias hereditárias não são classicamente associadas a eventos vasculares e, portanto, só devem ser consideradas em casos de pacientes jovens (< 50-55 anos) com eventos não provocados e história familiar sugestiva de eventos tromboembólicos. As mutações em heterozigose do fator V de Leiden e do gene 20210 da protrombina não têm relevância clínica, a não ser que sejam encontradas em concomitância no mesmo paciente (duplas heterozigose).
A pesquisa da síndrome do anticorpo antifosfolípide é recomendada e deve ser basear nos critérios novos lançados pela ACR/EULAR 2023. O tratamento é muito debatido na literatura e atualmente prefere-se lançar mão da terapia antiagregante (AAS) em baixas doses, associada a anticoagulação sistêmica (varfarina) em pacientes de baixo risco de sangramento.
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