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Cirurgia7 maio 2024

Transplante de medula óssea na aplasia de medula

A timoglobulina anti-timocítica humana de coelho (ATGr) é preferível no contexto do transplante alogênico de medula óssea.
Por Felipe Mesquita

Profissionais de saúde em sala de cirurgia para transplante de medula óssea.

Indicações clínicas  

Todo paciente com diagnóstico de aplasia de medula óssea grave ou muito grave com menos de 40 anos e que tem doador aparentado totalmente compatível imediatamente disponível deve ser candidato a receber um transplante de medula óssea.

Comorbidades e outras contraindicações devem ser avaliadas no período pré-transplante. Pacientes que tenham entre 40 e 50 anos devem ser avaliados quanto ao grau de comorbidades presentes antes da indicação do TMO alogênico. Escores prognósticos como o HCT-CI são úteis nessa avaliação.   

Pacientes com marcadores de má resposta à imunossupressão também devem ser avaliados quanto à possibilidade de TMO em primeira linha.

Assim, uma duração prolongada entre o diagnóstico e o início do tratamento, ausência de clones HPN (hemoglobinúria paroxística noturna), comprimento telomérico encurtado e a presença de mutações adversas (ASXL1, TP53, RUNX1, DNMT3A) devem sugerir um benefício do TMO em primeira linha.

Veja também: Exossomos: quais as evidências de seu uso em cirurgia plástica?

Informações importantes sobre idade do paciente e sobrevida  

Dados do European Group for Blood and Marrow Transplant (EBMT) refletindo a sobrevida global de pacientes com aplasia de medula severa ou muito severa submetidos ao transplante alogênico aparentado compatível demonstraram um impacto negativo da idade sobre o desfecho avaliado. A sobrevida em 10 anos foi de 86%, 76% e 55%, respectivamente, para as faixas etárias de 1 a 20 anos, 21 a 40 anos e > 40 anos.

No entanto alguns novos dados sobre o uso de fludarabina no condicionamento de pacientes mais velhos (> 30 anos) têm sido promissores, reportando sobrevida global em cinco anos semelhante entre pacientes jovens e pacientes maiores de 50 anos (tabela 1).  

TMO alogênico não aparentado compatível (10/10; HLA-A, B, C, DRB1, DQB1)  

Deve ser avaliado após falha de pelo menos um ciclo da terapêutica imunossupressora na maioria dos casos. Em crianças e adolescentes, estudos retrospectivos têm mostrado uma equivalência, em termos de sobrevida global, entre pacientes submetidos ao TMO alogênico aparentado compatível e não aparentado compatível, podendo ser considerado em primeira linha no contexto apresentado.

Para tanto, o doador deve estar prontamente disponível (dentro de 12 semanas) e não ser uma mulher multípara, enquanto o receptor deve apresentar infecções de repetição ameaçadoras à vida ou ter anormalidades citogenéticas clonais.  

Os doadores alternativos como fonte de cordão umbilical, haploidêntico ou não aparentado 9/10 podem ser considerados nos casos de falha da terapia imunossupressora e ausência de um doador compatível.

Deve-se proceder à avaliação dos anticorpos anti-HLA do doador pelos riscos de rejeição do enxerto. O TMO haploidêntico tem ganhado relevância a partir do desenvolvimento da ciclofosfamida pós-enxertia.   

Nos casos de doadores singênicos (irmãos gêmeos univitelinos), deve-se aventar a possibilidade do TMO independentemente da idade.  

Recomendações sobre fonte de medula, número de células e imunossupressão 

Número de células tronco: 

  • Doador aparentado compatível ou não aparentado totalmente compatível: 3 × 106 CD34-positive cells/kg (ou 3 × 108 células nucleadas totais/kg) 
  • Haploidêntico:  3,5 x 106/kg para fonte de medula e 7,1 x 106/kg para sangue periférico. 

Obs: contagens mais altas são preferíveis para se evitar a rejeição do enxerto.  

A timoglobulina anti-timocítica humana de coelho (ATGr) é mais imunossupressora quando comparada à ATG de cavalo (ATGh) e é preferível no contexto do transplante alogênico de medula óssea.

A administração de CSA pós-transplante geralmente é mantida por 9 meses, com redução gradual da dose ao longo de 3 meses, visando diminuir a incidência de falha tardia do enxerto. Manter nível sérico > 250µg/L. Se a função renal estiver comprometida, um regime de CSA em “meia dose” e MMF em “meia dose” pode ser utilizado como alternativa.  

A fonte de células tronco varia de acordo com o regime de condicionamento escolhido. A fonte originária da medula óssea é recomendada para esquemas baseados em timoglobulina, enquanto a fonte de sangue periférico colhido por aférese pode ser uma possibilidade nos casos de condicionamento à base de alentuzumabe.  

Altos índices transfusionais do receptor também atuam como fator de mau prognóstico associado ao transplante. A transfusão de mais de 20 concentrados de hemácias ou de 50 concentrados de plaquetas atua como fator de mau prognóstico.  

Recomendações quanto aos esquemas de condicionamento  

As recomendações a seguir foram dispostas no formato de tabela para melhor consulta e compreensão.  

Tabela 1 – esquemas de condicionamento 

Doador aparentado compatível 
  • Para pacientes com idade inferior a 30 anos, é recomendado o uso de ciclofosfamida em alta dose (200 mg/kg) com globulina anti-timocítica (ATG) ou alemtuzumabe. A imunossupressão pós-transplante é realizada com ciclosporina (CSA) e metotrexato (MTX), caso seja utilizado ATG, ou apenas CSA, se o regime incluir alemtuzumabe. 
  • Para pacientes com idade superior a 30 anos, indica-se o uso de fludarabina 30 mg/m² × 4, ciclofosfamida 300 mg/m² × 4 e ATG (‘FCATG’) ou alemtuzumabe (‘FCC’). A imunossupressão pós-transplante é conduzida conforme protocolo estabelecido para pacientes com idade inferior a 30 anos. 
  • Não há indicação para a utilização de radiação como parte do regime de condicionamento. 
  • A fonte de células-tronco preferencial é a medula óssea para regimes baseados em ATG; células progenitoras hematopoéticas (CPH) periféricas ou medula óssea para regimes baseados em alemtuzumabe. 
Doador não aparentado compatível (10/10) 
  • Para o transplante de células-tronco hematopoiéticas de doador não aparentado (MUD) com compatibilidade de 10/10, para adultos, a escolha recai sobre (I) o protocolo da EBMT de FCATG com TBI de 2 Gy ou (II) FCC sem TBI. 
  • Para o transplante de MUD com compatibilidade de 9/10, tanto FCATG + TBI de 2 Gy quanto FCC + TBI de 2 Gy são opções viáveis. 
Doador Haploidêntico familiar 
  • Não há consenso, mas é recomendado que o protocolo atual da EBMT SAAWP seja seguido, utilizando um condicionamento não mieloablativo (ciclofosfamida 14,5 mg/kg × 2, fludarabina 30 mg/m² × 4, TBI 2 Gy) com ciclofosfamida em alta dose pós-transplante (50 mg/kg nos dias +3 e +4) juntamente com tacrolimo e MMF pós-transplante. Tanto a medula óssea quanto as células progenitoras hematopoéticas periféricas (CPH) podem ser utilizadas, mas uma alta dose de células-tronco é essencial. 
Singênico 
  • É recomendado realizar o condicionamento antes da infusão de células-tronco, utilizando ciclofosfamida em alta dose e provavelmente também globulina antitimocítica (ATG). Pode haver uma boa justificativa para preferir o uso de células progenitoras hematopoéticas periféricas (CPH) em relação à medula óssea (BM), pois o uso de CPH está associado a um menor risco de falha do enxerto no contexto do transplante de células-tronco hematopoiéticas singênicas. 
Segundo TMO para falha de enxertia 
  • Não há consenso, mas o seguinte condicionamento FATG é comumente utilizado: fludarabina 30 mg/m² × 5, ATG e CSA como imunossupressão pós-transplante. 

Leia mais: FLIP e o diagnóstico de disfagia pós-fundoplicatura

Recomendações pós-enxertia  

Recomenda-se o monitoramento regular de CD3 (células T) não fracionado e linhagem-específica, no sangue periférico e na medula óssea, para detectar precocemente a falha do enxerto. O quimerismo misto progressivo prediz um alto risco de rejeição do enxerto.   

A estabilidade do quimerismo misto de células T na presença de quimerismo mieloide total do doador é comum quando se utiliza o regime FCC. O monitoramento dos efeitos tardios deve seguir diretrizes internacionais, incluindo vigilância de rotina para malignidades secundárias, riscos endócrinos, metabólicos, ósseos (incluindo necrose avascular) e cardiovasculares.   

A sobrecarga de ferro é comum e é mais facilmente tratada por flebotomias regulares uma vez que os pacientes estejam completamente enxertados pós-transplante ou admite-se a utilização de drogas quelantes de ferro no caso de lesão a órgão-alvo na presença de anemia residual. Em pacientes com AA transplantados, a revacinação deve seguir a prática padrão de TMO alogênico. 

As indicações aqui apresentadas são baseadas nos guidelines da European Society for Blood and Marrow Transplantation – Severe Aplastic Anaemia Working Party (SAAWP), assim como no guideline da British Society of Hematology e em trabalhos originais encontrados na literatura. 

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Referências bibliográficas

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