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Cardiologia23 janeiro 2024

Quando não usar os novos anticoagulantes (DOAC)?

Em algumas situações os DOAC não parecem ser tão eficazes ou seguros e em outras não mostraram benefício ou ainda existem incertezas.

Por Isabela Abud Manta

Os anticoagulantes orais diretos (DOAC), que incluem os inibidores do fator Xa e os inibidores da trombina, tem diversas vantagens em relação aos antagonistas da vitamina K (AVK): menor risco de sangramento intracraniano, uso de doses fixas, ausência de necessidade de monitorização laboratorial e de restrições alimentares e início e término de ação mais rápidos. 

Assim, essas medicações se tornaram primeira escolha para prevenção de eventos tromboembólicos em pacientes com fibrilação atrial (FA), tratamento de fase aguda e prevenção secundária de tromboembolismo venoso (TEV) na maioria dos pacientes. Porém, em algumas situações os DOAC não parecem ser tão eficazes ou seguros e em outras não mostraram benefício ou ainda existem incertezas.  

Baseado nisso, foi publicada recentemente uma revisão baseada em evidências sobre o uso de DOAC, sua eficácia e segurança comparada ao tratamento padrão. Abaixo seguem as principais considerações e recomendações da revisão.  

Veja também: Miocardiopatia periparto: o que sabemos até o momento?

DOAC

Situações nas quais os DOAC são eficazes e seguros 

– Prevenção de eventos tromboembólicos em pacientes com FA, inclusive nos que apresentam FA e síndrome coronariana aguda (SCA) ou intervenção coronária percutânea (ICP) recente, situações nas quais utiliza-se DOAC associado a um inibidor do P2Y12, de preferência clopidogrel. Pacientes com doença coronária crônica, após 1 ano da ICP, que têm risco aterotrombótico baixo e necessitam de anticoagulação; devem suspender aspirina e manter apenas DOAC. 

– Pacientes com FA e diversos tipos de doença valvar, excetuando-se doença reumática e próteses valvares mecânicas. 

– Pacientes com TEV, incluindo trombose associada a câncer e prevenção secundária prolongada de TEV. 

– Pacientes com doença aterosclerótica coronária estável ou revascularização arterial periférica têm benefício em redução de eventos cardiovasculares com rivaroxabana em baixas doses, associada à aspirina. Outros DOAC não foram estudados nessas situações.  

Situações nas quais DOAC são menos eficazes ou seguros ou não têm benefício 

– Próteses valvares mecânicas: os estudos não mostraram resultados favoráveis com DOAC. Um estudo de fase 2 com dabigatrana em pacientes com próteses mecânicas aórtica ou mitral foi suspenso precocemente por excesso de eventos trombóticos e sangramento e a maioria dos eventos ocorreu precocemente, até 1 semana após a troca valvar.  

Um estudo com apixabana e próteses apenas em posição aórtica, em teoria menos trombogênicas, também mostrou altas taxas de eventos trombóticos no grupo DOAC, sem diferença em sangramento. Um outro estudo randomizou pacientes após 3 meses da cirurgia para receber rivaroxabana ou varfarina e não mostrou diferença em eventos em 90 dias e um estudo em andamento planeja randomizar 1.300 pacientes com prótese mecânica aórtica para receber rivaroxabana ou varfarina, com início após 3 meses da cirurgia.  

Assim, até o momento, DOAC não são recomendados para pacientes com próteses mecânicas aórtica ou mitral e a escolha deve ser por varfarina. 

– FA reumática: trabalho com mais de 4.000 pacientes que comparou rivaroxabana com varfarina mostrou que o primeiro foi associado a maior ocorrência de eventos, inclusive mortalidade, sem diferença em sangramento. Dados em relação à FA associada à valvopatia mitral menos grave são escassos e as diretrizes recomendam uso de varfarina em todas as FA reumáticas. 

– SAAF: quatro estudos avaliaram segurança e eficácia dos DOAC em pacientes com SAAF, sendo três desses com rivaroxabana e um com apixabana. Em uma metanálise que uniu estes estudos, pacientes com DOAC tiveram maior ocorrência de eventos arteriais, principalmente AVC, sem diferença em TEV ou sangramento maior. Assim, DOAC não são primeira escolha para SAAF pelo alto risco de eventos trombóticos arteriais. 

– Implante transcateter de válvula aórtica (TAVI): estudos que avaliaram uso de DOAC em pacientes pós-TAVI e em pacientes em ritmo sinusal não mostraram benefício e não há estudos randomizados em pacientes com ritmo de FA. Assim, para pacientes sem indicação de anticoagulantes por outros motivos, recomenda-se aspirina associado a clopidogrel por três a seis meses, seguido de aspirina apenas. 

– AVC embólico de fonte indeterminada: diversos estudos já avaliaram DOAC nessa situação e não encontraram benefício comparado à aspirina, além de serem associados a maior risco de sangramento. 

– Dispositivo de assistência ventricular (DAV) esquerda: apenas um estudo comparou DOAC com tratamento padrão, com inclusão de número muito baixo de pacientes e interrupção precoce por alto número de eventos no grupo DOAC. Assim, recomenda-se AVK associado à aspirina em baixas doses para esse grupo de pacientes. 

– Insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida (IC FER) sem FA: em pacientes com IC FER e doença coronária sem FA, a rivaroxabana em dose baixa comparada ao placebo reduziu a taxa de AVC. Esses pacientes tiveram maior taxa de sangramento e no balanço geral não houve benefício líquido, assim DOAC não são indicados nesse contexto. 

Leia ainda: Isquemia mesentérica aguda: A visão de um centro de infarto mesentérico

Situações nas quais os DOAC têm eficácia e segurança incertas 

– Trombo no ventrículo esquerdo (VE): estudo randomizado comparou uso de rivaroxabana em dose baixa associada à dupla antiagregação plaquetária (DAPT) a apenas DAPT como forma de prevenir a formação de trombo em pacientes com infarto de parede anterior. Houve redução da formação de trombo no VE em 30 dias, porém não houve redução de eventos clínicos, não sendo recomendada anticoagulação profilática de rotina nesses casos. Quando há trombo no VE, DOAC pode ser uma alternativa à varfarina, porém isso é baseado em estudos pequenos e sem poder estatístico. Existem estudos em andamento para esclarecer essa dúvida. 

– Trombose venosa associada a cateter: a maioria da evidência é de estudos com prevenção primária e os que compararam apixabana e placebo em pacientes com câncer mostraram redução de eventos tromboembólicos no grupo apixabana. Estudo que comparou rivaroxabana e placebo não encontrou diferença e há um estudo em andamento que vai incluir quase 2.000 pacientes com câncer e uso de cateter central randomizados para rivaroxabana ou placebo no contexto de prevenção primária. 

– Trombose esplâncnica: estudo que avaliou pacientes com trombose de veia porta crônica em não cirróticos, comparando rivaroxabana e placebo, mostrou menor recorrência de eventos nos pacientes que utilizaram rivaroxabana e recomenda-se que nesses casos se utilize DOAC por, pelo menos, três a seis meses. 

– Trombose venosa cerebral: estudo que comparou dabigatrana e varfarina não mostrou diferença em recorrência de eventos nem em sangramento, mas foi estudo pequeno. Pela evidência limitada os consensos e diretrizes recomendam AVK nessa situação.  

Subgrupos com evidência incerta 

– Doença renal terminal (DRT): existe pouca evidência nesse grupo de pacientes, tanto em relação a DOAC quanto varfarina, já que a maioria dos estudos costuma excluir esses pacientes. Apesar disso, rivaroxabana e apixabana são liberadas pelo FDA para pacientes com DRT (clearance menor que 15ml/min ou dialíticos) baseado na farmacocinética e farmacodinâmica das medicações.  

Há alguns estudos menores com pacientes dialíticos com FA e a taxa de eventos dos que usaram rivaroxabana foi menor que nos que usaram AVK. Dois estudos que compararam apixabana com AVK mostraram taxa de eventos semelhantes entre os grupos, sem diferença em sangramento, mas um dos estudos não conseguiu confirmar a não inferioridade. Assim, DOAC em doses reduzidas parecem promissores para pacientes com DRT, porém estudos maiores ainda são necessários. 

– Gestação e lactação: não há estudos que utilizaram DOAC em gestantes e esses não devem ser utilizados nessa situação. Em relação à lactação, existem dados limitados: a concentração da dabigatrana e rivaroxabana são baixas e podem ser seguras, porém ainda não há evidência para sua utilização.  

– Hipertensão pulmonar tromboembólica crônica: três estudos pequenos mostraram redução de mortalidade e recorrência de eventos tromboembólicos, além de baixa taxa de sangramento com uso de DOAC. Há um estudo randomizado em andamento, com objetivo de avaliar a resistência vascular pulmonar após um ano de medicação. 

Outras considerações 

Segurança: a maioria dos estudos excluiu pacientes com medicações que sabidamente interagem com DOAC, metabolizados pela via do citocromo P450 3A4 e glicoproteína-P. Outras contraindicações são doença hepática avançada (Child-Pugh C), já que essas medicações têm parte do clearance hepático. 

Monitorização: exames laboratoriais para medir níveis séricos das medicações estão se tornando mais disponíveis, mas seu papel ainda não está bem definido, assim como a correlação desses níveis com desfechos clínicos. Porém, podem ser úteis em situações na quais se precisa confirmar a aderência do paciente, como pré-cardioversão, falência de anticoagulação, sangramento maior inesperado e na medicina forense. 

Saiba mais: Betabloqueadores e insuficiência cardíaca descompensada

Comentários e conclusão  

Apesar do grande avanço e ampla indicação dos DOAC, como na FA e no tratamento de TVE, ainda há pontos importantes a se estudar, principalmente em alguns subgrupos de pacientes, nos quais precisamos ter cuidados adicionais e, muitas vezes, preferir os AVK. Além disso, alguns mecanismos para sua eficácia e segurança, variáveis em determinadas populações, também precisam ser mais bem estudados.  

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Referências bibliográficas

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