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Cardiologia11 janeiro 2024

Betabloqueadores e insuficiência cardíaca descompensada

Não há preferência entre iniciar os betabloqueadores antes ou após outras medicações utilizadas para IC, já que agem em vias diferentes.

Por Isabela Abud Manta

Pacientes com insuficiência cardíaca (IC) com fração de ejeção reduzida (FER) têm benefício com uso de betabloqueadores (BB). Porém, os estudos foram realizados em pacientes estáveis, ambulatoriais, e ainda há controvérsias em relação ao paciente descompensado. Geralmente, os médicos não iniciam, continuam ou otimizam as doses dessas medicações em pacientes graves com IC. 

As diretrizes atuais não têm recomendações claras sobre a utilização dos BB em pacientes com IC descompensada e recentemente foi publicada uma revisão sobre esse assunto, assim como uma proposta prática para o seu manejo.  

Veja também: Como manejar anticoagulantes e antiagregantes no perioperatório?

betabloqueadores

Betabloqueadores: como agem e seu efeito na insuficiência cardíaca 

Existem três receptores β com efeitos distintos, o β1 e β2 aumentam a contratilidade e cronotropismo, o β2 leva também à vasodilatação e o β3 tem efeito inotrópico negativo. Diversos estudos mostraram que ao longo do tempo, pacientes com ICFER têm alteração no sistema de beta receptores, o que leva à transdução de sinais alterada e piora da função cardíaca. 

Na ICFER, o uso de BB leva à melhora clínica e da função cardíaca e diversos estudos randomizados mostraram redução de mortalidade nesses pacientes. Os BB podem ser divididos em não seletivos, que atuam igualmente nos receptores β1 e β2 e levam à redução da frequência cardíaca (FC) e aumento na resistência vascular sistêmica, e seletivos, que atuam nos receptores β1, com pouco efeito na resistência vascular sistêmica, o que causa menor redução de débito cardíaco que os não seletivos.

Os seletivos são os de segunda geração, bisoprolol e metoprolol. Os de terceira geração, como carvedilol e bucindolol, podem ser seletivos e não seletivos, e têm efeito vasodilatador, com potencial maior benefício. 

Apesar dos efeitos hemodinâmicos agudos, os BB levam à melhora na fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE), de forma dose-dependente. Até o momento não há evidência de se preferir um em relação ao outro (metoprolol, bisoprolol ou carvedilol). 

Apesar do benefício, os BB ainda são pouco utilizados e em doses subótimas, o que leva a piores desfechos e pior qualidade de vida, com mais sintomas e internações por insuficiência cardíaca. Quando ocorre uma descompensação a chance de suspensão da medicação é alta e a decisão de continuar, suspender, iniciar, aumentar ou reduzir a dose deve levar em conta as diferentes apresentações clínicas do paciente. 

IC descompensada sem hipoperfusão 

Para os que não utilizavam a medicação antes da internação, essa é uma excelente oportunidade para iniciá-la e estudos já mostraram que esses pacientes têm maior chance de estarem em uso de BB em doses otimizadas no seguimento de 60 dias, com redução de internações e mortalidade.  

Um estudo randomizado pequeno e uma metanálise mostraram que, entre os que estavam em uso de betabloqueadores, sua manutenção foi associada a menor mortalidade e taxa de reinternação comparado aos que tiveram a medicação suspensa ou nunca iniciada. Outro estudo mostrou que a redução da dose também teve associação com pior prognóstico.  

Assim, a recomendação atual é a de manutenção do BB na internação e, caso o paciente não faça uso prévio, deve ser iniciado. Pode-se considerar reduzir a dose em casos de congestão refratária, bradicardia grave, instabilidade hemodinâmica, disfunção grave de ventrículo direito (VD) ou disfunção renal grave. 

IC descompensada com hipoperfusão 

A suspensão de betabloqueadores em pacientes com necessidade de inotrópicos pode causar efeito rebote e aumento de isquemia ou arritmias graves e dois estudos de análise post-hoc sugeriram efeito deletério da suspensão de BB em pacientes em uso de milrinone, dobutamina e levosimendan. Já um estudo retrospectivo que avaliou pacientes com choque cardiogênico mostrou que o início de BB na admissão ou 24 horas antes da randomização levou a menor mortalidade.  

A resposta hemodinâmica dos agentes inotrópicos pode variar em paciente que usam BB cronicamente e influenciam na escolha do médico. A dobutamina atua via receptores β1 e β2, porém milrinone e levosimendan atuam de outra forma, aumentando o débito cardíaco por redução na resistência vascular sistêmica e pressão diastólica final do VE, sem mudança na FC. 

Até o momento nenhum estudo mostrou diferença clínica relevante nos parâmetros hemodinâmicos ao comparar os inotrópicos entre si e os resultados de desfechos são controversos entre os estudos. Ainda pode haver diferença na resposta a depender do BB em uso. 

Assim, atualmente, não há recomendações sobre o manejo de BB em pacientes com hipoperfusão e não há recomendações claras sobre qual inotrópico preferir quando o paciente se apresenta em choque cardiogênico e está em uso de betabloqueadores.  

Baseado no conhecimento até o momento, esta publicação considera ser mais seguro suspender BB em pacientes em choque cardiogênico estágios C-E. A dobutamina geralmente é o inotrópico de primeira escolha em pacientes em choque cardiogênico, principalmente nos que não usam betabloqueadores e, para os que usam, a dose da dobutamina deve ser maior ou deve-se preferir milrinone ou levosimendan. 

Quando o choque é causado por arritmias ventriculares, a suspensão do BB pode piorar o quadro e a proposta é suspender, porém iniciar um outro antiarrítmico, preferencialmente amiodarona ou lidocaína 

Em relação ao início do BB, o melhor momento ainda não é bem definido e deve-se levar em conta a segurança, o paciente deve estar estável e com bom controle da perfusão e da congestão.  

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Considerações práticas sobre o uso de betabloqueadores

O início da medicação deve ser sempre na dose mais baixa, com reavaliação em relação aos sintomas, exame clínico, hemodinâmica e parâmetros biológicos. O início com paciente descompensado leva a piora da IC, desde piora da congestão até choque cardiogênico. 

Para avaliar sinais de congestão, deve-se realizar exame físico adequado, buscando sinais de dispneia, ortopneia, estertores, ascite e edema periférico. Pode-se também avaliar o hematócrito, peptídeos natriuréticos e marcadores de função renal ou hepática. O ecocardiograma pode auxiliar na avaliação da pressão diastólica final do VE e a ultrassonografia pulmonar pode mostrar sinais de edema pulmonar. 

Em relação ao status hemodinâmico, a avaliação da perfusão é feita por exame clínico associado a medidas da saturação venosa central, lactato e diferença venoarterial de CO2. Se o paciente estiver com perfusão adequada, a medicação deve ser iniciada na ausência de bradicardia. A hipotensão tem relação com aumento de mortalidade e é uma contraindicação relativa ao início do BB. 

Durante o ajuste inicial pode haver piora de sintomas, com queda excessiva da FC e da pressão arterial e algum grau de congestão. A titulação da dose deve ser cuidadosa, de acordo com a resposta clínica. 

Não há preferência entre iniciar o betabloqueador antes ou após outras medicações utilizadas para IC, já que agem em vias diferentes e, em pacientes estáveis, podem ser iniciadas ao mesmo tempo. Já nos pacientes que acabaram de ser tratados para IC descompensada, talvez seja mais seguro iniciar BB com intervalo de 24 horas em relação aos que atuam no sistema renina angiotensina aldosterona. 

Disfunção do ventrículo direito 

A disfunção do ventrículo direito também é preditor de mortalidade e há alguma evidência que os BB pioram o prognóstico nesses pacientes. Nesses casos um BB sem efeito vasodilatador seria melhor, mas não há estudos randomizados que avaliaram esse parâmetro. A disfunção do VD leva algumas vezes a taquicardia compensatória e o betabloqueadores pode ser prejudicial, devendo-se avaliar cada caso individualmente. 

Saiba mais: Treinamento resistido: quais as recomendações?

Comentários e conclusão 

Os betabloqueadores vêm sendo usados há pelo menos 20 anos para tratamento da IC estável, porém seu manejo nos pacientes com IC aguda ainda é desafiador. A abordagem varia a depender da apresentação clínica do paciente e se há uso prévio da medicação ou não. 

Para esclarecer as dúvidas sobre esse assunto são necessários mais estudos, de preferência prospectivos, no intuito de identificar o melhor inotrópico, quando reintroduzir o BB se tiver sido suspenso e em que dose, entre outras dúvidas da prática clínica. 

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Referências bibliográficas

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