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Cardiologia18 janeiro 2024

Isquemia mesentérica aguda: A visão de um centro de infarto mesentérico

Apresentamos os principais pontos de revisão recente com base em dados de uma década de um centro francês de infarto mesentérico.

Por Leandro Lima

A Isquemia Mesentérica Aguda (IMA), a despeito de sua grande morbimortalidade, não tem o mesmo destaque de outras emergências vasculares, como as coronarianas e as cerebrovasculares. No estudo motivador dessa reportagem, Gazelli e colaboradores nos trazem uma revisão abrangente, temperada pela experiência de uma década de um centro francês de infarto mesentérico.

A taxa de mortalidade da IMA ainda supera os 60%, fato que demonstra o quão ominosa é a condição, além de impor aos sobreviventes a preocupação quanto à Síndrome do Intestino Curto. O pessimismo de J. Cokkinis em 1926 (Um diagnóstico impossível, um prognóstico desesperançoso e um tratamento inútil), embora estatisticamente respaldado, é confrontado com a disponibilidade de terapias eficazes, desde que executadas em tempo hábil. A experiência de equipes estruturas, compostas por gastroenterologistas, cirurgiões abdominais, radiologistas e radiologistas intervencionistas, tem sido descrita em coortes que demonstram mortalidade que se aproxima dos 10%.

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Isquemia mesentérica aguda A visão de um centro de infarto mesentérico

A missão do radiologista

Um dos grandes desafios da IMA é que, em até metade dos casos, não há a suspeita clínica, no que pesa a inespecificidade de seu principal sintoma: a dor abdominal. Na ausência de métodos e protocolos específicos, a vida de quem está na sala de laudos é dificultada.

O radiologista é fundamental na confirmação diagnóstica, avaliação da probabilidade de necrose intestinal e estratificação do prognóstico. Levando em conta a interpretação radiológica, o plano terapêutico pode então ser desenhado. Para tanto, a descrição radiológica pormenorizada é fundamental, incluindo o detalhamento da Anatomia da Artéria Mesentérica Superior (AMS):

  • Segmento proximal (S1): entre o óstio da AMS e a origem da Artéria Pancreaticoduodenal Inferior (APDI);
  • Segmento médio (S2): entre a origem da APDI e a origem da artéria ileocólica;
  • Segmento (S3): a jusante do último marco anatômico descrito.

O lactato é uma ferramenta diagnóstica útil? 

O lactato arterial, comumente lembrado na entidade, tem valor estritamente prognóstico, pois eleva-se somente em fases mais tardias, quando a necrose intestinal é iminente ou definida e a sobrevida despenca de 35% para 2%. 

Qual o método de imagem de eleição para o diagnóstico da Isquemia Mesentérica Aguda (IMA)?

A Tomografia Computadorizada de Abdômen (TC-A) é a principal ferramenta propedêutica, útil para o diagnóstico e monitoramento. Deve-se lançar mão de estudos trifásicos, que compreendem as fases: pré-contraste, arterial precoce e venosa portal. Na indisponibilidade de um estudo completo, a fase portal geralmente agrega os elementos que permitem uma avaliação satisfatória.

O exame é realizado em posição supina, envolvendo desde o domo hepático até a sínfise púbica, com espessura de corte entre 1,25 e 2,5 mm e injeção de contraste iodado (350 mg/mL) com dose média de 2 mL/kg e infundidos em vazão de 4 mL/s. O disparo do contraste deve ser ajustado para o limiar de 120 UH no início da aorta abdominal, sendo a fase venosa portal deflagrada 50 segundos após a fase arterial.

Como podemos classificar a Isquemia Mesentérica Aguda (IMA)?

A IMA é uma síndrome heterogênea, sendo subdividida em arterial, venosa, não-oclusiva e colite isquêmica.

A IMA arterial é classificada, com base no grau de comprometimento da patência vascular, em oclusiva ou estenótica. As suas principais etiologias são a aterotrombose, presente em indivíduos multiarteriais e, frequentemente, com histórico de isquemia mesentérica crônica; o embolismo, seja de fonte cardiogênica ou aórtica, com dor abdominal intensa e de instalação súbita, geralmente na presença de fatores de risco, como a fibrilação atrial; e dissecção isolada da AMS, que se apresenta com dor abdominal súbita e intensa, geralmente epigástrica. A dissecção da AMS representa menos de 5% dos casos de IAM, acometendo prioritariamente o sexo masculino por volta dos 50 anos.

IMA venosa, sintomática em 90% dos indivíduos, decorre de trombose da veia mesentérica superior (VMS) e pode ser atribuída à trombofilia, especialmente entre mulheres com histórico da trombose venosa prévia, com destaque para as mutação V617F do gene JAK2; fatores locais, como malignidades, inflamação ou trauma, geralmente menos implicados em infarto intestinal, pois a progressão gradual da obstrução viabiliza o desenvolvimento de circulação colateral; ou insuficiência crônica da VMS, sendo a principal etiologia a hipertensão portal. Um a cada quatro casos de trombose da VMS representa um fenômeno isolado, enquanto 60% dos eventos apresentam acometimento simultâneo da veia porta. Quanto mais proximal é a obstrução, maior a propensão para a isquemia intestinal, que se desenvolve em metade dos casos.

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A IMA não-oclusiva relaciona-se à hipoperfusão global em estados de baixo débito, característicos entre doentes críticos com choque e demanda por drogas vasoativas em doses elevadas. A apresentação mais comum envolve dor e distensão abdominal, secundárias ao acometimento intestinal mais difuso. O tratamento é suportivo, com evidência baixa de benefício com a infusão intra-arterial de vasodilatador.

Por fim, a colite isquêmica está no espectro da IMA arterial, caracterizando-se por Lesão de Isquemia e Reperfusão (LIR) colônica localizada, com envolvimento prioritário do cólon esquerdo. Correlaciona-se com variações hemodinâmicas transitórias, como episódios de hipotensão, redução do débito cardíaco, cirurgia aórtica ou hemodiálise.

O que esperar da tomografia de abdome nos diferentes subtipos?

No contexto da IMA arterial, destacamos os seguintes achados:

  • Redução segmentar do realce da parede intestinal é um achado de elevada sensibilidade (80%) e especificidade (> 95%), com a ressalva da baixa concordância entre observadores;
  • Placas ateroscleróticas difusas, por vezes calcificadas, predominantemente ostiais e com múltiplas estenoses apontam para a etiologia aterotrombótica. Nesse cenário, frequentemente o leito distal é opacificado por colaterais, a menos que exista estenose concomitante do tronco celíaco;
  • A etiologia embólica é sugerida por falhas de enchimento, condicionando interrupção afilada do realce pelo contraste, geralmente na presença de circulação colateral escassa e acompanhada por êmbolos sincrônicos em 70% dos casos. Trombos com valor de atenuação além de 36 HU associam-se a maior probabilidade de necrose transmural;
  • A dissecção da AMS deve ser aventada diante de hematoma mural ou alargamento do seu calibre, de forma que a evolução isquêmica é mais provável quando sua a extensão superar os 6 cm e a relação entre o lúmen verdadeiro e total for inferior a 50%;
  • Achados sugestivos de necrose intestinal transmural incluem a pneumatose intestinal, aeroportia, dilatação de alça de delgado > 25 mm, hiperlactatemia (> 2 mmol/L) e disfunções orgânicas, sendo que os três últimos itens compõem o critério de Clichy, com capacidade preditiva próxima a 100% quando todos os elementos encontram-se presentes. Em relação à pneumatose intestinal, é tardia e presente em apenas 5% dos pacientes com IMA necrótica, sendo pouco discriminativo na ausência de aeroportia;
  • No controle evolutivo, a atenção se volta para a LIR, presente em aproximadamente 40% dos pacientes. Caracteriza-se por espessamento da parede intestinal (média de 9 mm), edema hipoatenuante da submucosa, hiperrealce da mucosa, borramento de gordura adjacente, dilatação venosa e fluidos nas proximidades da alça intestinal envolvida. Embora seja um marcador de bom prognóstico, deve ser diferenciada da IMA residual ou recorrente. As manifestações clínicas incluem dor abdominal, sangramento retal e elevação da proteína C reativa (PCR).

Já na Isquemia Mesentérica Aguda (IMA) venosa, enfatizamos os seguintes pontos:

  • O trombo venoso esplâncnico pode ser identificado como uma falha de enchimento luminal, com realce periférico bem definido da vasa vasorum;
  • Na fase precoce desenvolve-se espessamento hipoatenuante da parede intestinal, com estratificação parietal, edema da submucosa e, frequentemente, ascite;
  • A necrose é sugerida por redução do realce parietal, sendo identificada em 30% dos casos e mais provável na presença de diabetes. A dilatação de alças entéricas, ao contrário do esperado na IMA arterial, não é aqui uma boa preditora de necrose transmural.

Na Isquemia Mesentérica Aguda (IMA) não-oclusiva, os principais aspectos tomográficos incluem:

  • A AMS encontra-se patente, mas com calibre reduzido, sugerindo vasoespasmo. A irregularidade do vaso, estreitamento focal luminal e tendência de poupar as bifurcações, são característicos;
  • A necrose é sugerida pelos elementos constituintes do escore NOMI-ITN: ausência de realce e afilamento da parede intestinal do segmento envolvido, bicarbonato < 15 mmol/L e tempo de protrombina < 40%;
  • O acometimento intestinal é difuso em 40% dos casos;
  • A pneumatose intestinal, com ou sem aeroportia, é encontrada na mesma proporção, não sendo sinalizadores de necrose transmural nesse cenário;
  • A identificação de infarto renal concomitante é um preditor independente de mortalidade em 28 dias, enquanto a aterosclerose, quantificada a partir do escore de cálcio mesentérico, se associou à morte em 24 horas;
  • A LIR, marcada pelo espessamento parietal intestinal, demonstra um impacto positivo na sobrevida.

Por fim, na colite isquêmica espera-se:

  • Artérias colônicas patentes;
  • Acometimento prioritário do cólon esquerdo;
  • Espessamento parietal colônico hipoatenuante (8 mm), com extensão média de 20 cm e associado ao borramento da gordura adjacente;
  • Os seus principais diferenciais são a colite isquêmica e inflamatória;
  • A pneumatose é raramente relatada e a mortalidade é de aproximadamente 10%.

Modalidades terapêuticas na IMA arterial e venosa

Arterial●      A revascularização é o principal tratamento, incluindo a abordagem aberta e a endovascular (stents, aspiração de trombos e trombólise in situ);

●      A ressecção intestinal segue como medida de contenção de danos.

Venosa●      Anticoagulação e, em casos refratários, aspiração do trombo com trombólise in situ pela via trans-hepática e transjugular;

Conclusão e mensagens práticas

  • A Isquemia Mesentérica Aguda (IMA) é uma emergência vascular de elevada morbimortalidade e negligenciada. A taxa de mortalidade convencional supera os 60%, embora a estruturação de centros de infarto intestinal possa reduzi-la para próximo dos 10%;
  • O radiologista tem papel fundamental na confirmação diagnóstica e na confecção do plano terapêutico;
  • O principal instrumento propedêutico é a tomografia computadorizada do abdome. Entretanto, a ausência de suspeição clínica pelo médico assistente frequentemente impede a realização dos estudos trifásicos, dificultando a interpretação do radiologista;
  • O lactato arterial é um biomarcador prognóstico, não tendo sensibilidade para auxiliar no diagnóstico em fases precoces, quando ainda haveria maiores perspectivas prognósticas;
  • A síndrome é heterogênea e subdividida em arterial, venosa, não-oclusiva e colite isquêmica;
  • As principais etiologias da IMA arterial incluem aterotrombose, embolismo e dissecção da artéria mesentérica superior; as principais causas de IMA venosa são as trombofilias, fatores locais e insuficiência crônica da veia mesentérica superior (VMS);
  • Entre os principais achados tomográficos citamos: hipoatenuação, estratificação, edema ou afilamento da parede intestinal; realce da mucosa; edema da submucosa; borramento da gordura adjacente; ingurgitamento venoso; placas ateroscleróticas, êmbolos ou hematomas murais; pneumatose intestinal, aeroportia, dilatação de alças de delgado (> 25 mm) e ascite.
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Referências bibliográficas

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