A maioria dos pacientes com fibrilação atrial (FA) e indicação de anticoagulação tem maior benefício na prevenção de eventos tromboembólicos com uso de anticoagulantes orais diretos (DOAC) do que com varfarina. Porém, ainda há dúvidas em relação a pacientes que tem doença hepática concomitante, já que estes foram excluídos da maioria dos estudos.
Os DOAC aumentam o risco de sangramento no paciente com doença hepática, que já tem esse risco aumentado. Além disso, parte de sua eliminação é feita pelo fígado, que se encontra com a função comprometida. Baseado nisso, foi feito um estudo de mundo real com objetivo de comparar o uso de DOAC e varfarina em pacientes com FA e doença hepática crônica.
Métodos
Estudo de coorte retrospectivo que avaliou pacientes de uma base de dados americana. Foram incluídos pacientes maiores de 18 anos com FA e doença hepática crônica (doença hepática alcoólica e não alcoólica e cirrose) que haviam iniciado anticoagulação recentemente com um dos DOAC (apixabana, dabigatrana, rivaroxabana ou edoxabana) ou varfarina, entre 2011 e 2017. Pacientes com indicação de uma classe específica foram excluídos, assim como os que tinham contra-indicação a anticoagulação ou indicação outra que não FA.
Os DOAC foram comparados à varfarina tanto como classe como individualmente. Além disso, foram comparados entre si. Devido ao baixo número de pacientes com dabigatrana e edoxabana, a avaliação individual foi apenas da apixabana e rivaroxabana.
O desfecho primário foi internação por acidente vascular cerebral (AVC) ou embolia sistêmica (ES) e sangramento maior (hemorragia intracraniana, gastrointestinal ou sangramento maior em outros locais). Esses desfechos, de efetividade e de segurança, foram analisados também separadamente. Mortalidade foi desfecho secundário.
Resultados
Foram incluídos 10209 pacientes com mediana de idade de 72 anos, 57,1% homens e alta prevalência de hipertensão, diabetes e hiperlipidemia. A mediana tanto para o CHA2DS2-VASc quanto para o HAS-BLED foi 4.
Do total de pacientes, 43,2% começaram varfarina, 26,7% apixabana, 21,7% rivaroxabana, 8,3% dabigatrana e 0,1% edoxabana. O uso das doses padrão dos DOAC foi o mais comum (80,2%) e os motivos mais comuns para término de seguimento foram término do período do estudo (44,2%), descontinuação do tratamento (19%) e ocorrência de desfecho (14,9%).
Ocorreram 186 AVC/ES, 1205 mortes, 646 internações por sangramento maior, sendo dois terços do trato gastrointestinal e 1823 eventos adversos. No grupo que usava DOAC ocorreram 74 AVC/ES (2,2 por 100 pessoas-ano) e no grupo varfarina 115 (4,4 por 100 pessoas-ano). Mortalidade ocorreu em 503 (14,9 por 100 pessoas-ano) e 702 (26,9 por 100 pessoas-ano) e sangramento maior 263 (7,9 por 100 pessoas-ano) e 383 (15,0 por 100 pessoas-ano) nos grupos DOAC e varfarina respectivamente.
Após ajustes, o uso de DOAC teve menor chance de AVC/ES (risco 36% menor), mortalidade (risco 24% menor) e de internação por sangramento (risco 31% menor) que o uso de varfarina. Ao se avaliar apixabana e rivaroxabana, o risco de AVC/ES foi menor comparado a varfarina, porém estatisticamente significante apenas para apixabana. O risco de mortalidade foi menor para os dois DOAC em relação a varfarina e o risco de sangramento maior foi menor apenas para apixabana, assim como sangramento gastrointestinal.
Na comparação de apixabana com rivaroxabana não houve diferença em relação a ocorrência de AVC/ES e mortalidade, porém a ocorrência de sangramento maior foi maior com uso de rivaroxabana, assim como de sangramento do trato gastrointestinal.
Ao avaliar apenas pacientes com cirrose, não houve diferença entre DOAC e varfarina em relação a AVC/ES, porém o uso de DOAC mostrou menor ocorrência de sangramento maior, mortalidade e eventos adversos.
Comentários e conclusão
Esse estudo mostrou que pacientes com FA e doença hepática crônica tiveram benefício do uso de DOAC em relação a varfarina, pois houve menor ocorrência de AVC/ES, mortalidade, sangramento maior e sangramento gastrointestinal com essa classe de medicações.
Esses achados podem ajudar a guiar a decisão terapêutica neste grupo de pacientes, porém mais estudos são necessários para confirmar esses resultados, já que há algumas limitações: estudo retrospectivo, o que aumenta a chance de vieses, falta de acesso a exames dos pacientes, assim como conhecimento da gravidade da doença hepática.
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Mensagem prática
Apesar de haver efeito de classe em relação aos desfechos, essas drogas têm variações entre si, principalmente em relação a segurança e ocorrência de sangramento e eventos adversos, com a rivaroxabana apresentando mais sangramento que apixabana por exemplo. Ou seja, a rivaroxabana parece ter um perfil menos favorável que apixabana e pela baixa proporção de pacientes em uso de dabigatrana e edoxabana não foi possível avaliar essas duas medicações isoladamente.
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