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Gastroenterologia25 março 2024

Qual é o papel dos métodos radiológicos na hemorragia digestiva?

Confira recomendações quanto à utilização das técnicas radiológicas para avaliação de sangramento gastrointestinal.
Os exames endocópicos são importantes na investigação e tratamento dos sangramentos do TGI. No entanto, algumas vezes não são capazes de avaliar a origem do sangramento. Técnicas radiológicas, incluindo angiografia por tomografia computadorizada (angio-TC), angiografia por cateter, enterografia por tomografia computadorizada (entero-TC), cintilografia com hemácias marcadas e cintilografia com pertecnetato de tecnécio-99 (varredura de Meckel) são técnicas úteis nesses casos. Hemorragia digestiva é uma causa comum de hospitalização por patologias gastrointestinais, podendo ser classificada por sua localização:
  • Hemorragia digestiva alta: sangramento que se origina no esôfago, estômago ou duodeno. Corresponde a aproximadamente 80% dos eventos hemorrágicos do trato gastrointestinal (TGI).
  • Hemorragia digestiva baixa: Anteriormente, era definida como sangramento com origem distal ao ligamento de Treitz. Recentemente, definida como sangramento distal à válvula ileocecal e em todo o cólon. Corresponde a aproximadamente 15% dos eventos hemorrágicos do TGI.
  • Sangramento digestivo médio (delgado): Sangramento entre o ligamento de Treitz e a válvula ileocecal. Corresponde a aproximadamente 5% a 10% dos eventos hemorrágicos do TGI.
Recentemente, especialistas do Colégio Americano de Gastroenterologia e da Sociedade de Radiologia Abdominal fizeram uma revisão dos métodos radiológicos para avaliação de sangramento gastrointestinal e publicaram recomendações quanto à utilização das técnicas radiológicas nesse cenário.

Técnicas radiológicas na hemorragia digestiva

1) Angio-TC:

Auxilia na identificaçã e na localização do sangramento digestivo (Sensibilidade:85-90%; Especificidade 92%; Acurácia 94-95%), podendo auxiliar na identificação da causa do sangramento. Permite quantificar o volume de extravasamento, apresentando papel prognóstico. A sensibilidade da detecção de sangramento é estimada em 0,1 mL/min nos tomógrafos multidetectores (em comparação à 0,5 ml/min em tomógrafos unidetectores). Angio- TC negativa está associada a uma redução da taxa de ressangramento e da necessidade de intervenção. Necessita de técnica multifásica: fase sem contraste e com contraste (arterial tardia, portal e venosa tardia). Extravazamento do contraste (acúmulo de contraste no lúmen intestinal que muda de tamanho e densidade nas fases subsequentes) define hemorragia aguda. Vantagens: exame não invasivo, especialmente útil nos pacientes hemodinamicamente instáveis. Fornece informações sobre a anatomia vascular e entérica do paciente, auxiliando na escolha e planejamento terapêutico com radiologia intervencionista, procedimento endoscópico ou cirúrgico. Limitações: Requer uso de contraste intravenoso e radiação ionizante

2) Medicina nuclear

Radiofármaco (hemácias marcadas com 99mTc) é administrado via endovenosa e imagens de fluxo e dinâmica são obtidas. O estudo é encerrado na ausência de detecção de sangramento GI após 1 hora do exame de imagem. A sensibilidade e especificidade das hemácias marcadas com 99mTc são de 93 e 95%, respectivamente. A acurácia pode ser afetada pelo tempo até positividade (TTP) (tempo entre o início da varredura de hemácias marcadas até detecção do sangramento). Um TTP ≤9 minutos identificou 92% dos pacientes com estudos positivos, de forma que a interpretação precoce desses estudos é importante para facilitar o tempo até a angiografia por cateter. Apresenta menor precisão diagnóstica em comparação à angio-TC ( 55,4 vs 96%) Principais vantagens incluem alta sensibilidade (detecta sangramento gastrointestinal em uma taxa de 0,04 mL/min em modelos experimentais em animais e 0,1 mL/min em estudos clínicos) e permite detecção de sangramento intermitente, visto que gralmente é avaliado por pelo menos 1 hora. Principais desvantagens: Só pode ser realizada em pacientes hemodinamicamente estáveis. Atividade fisiológica (ureteres, pênis), esplenose, pseudocistos pancreáticos ou sangramentos não entéricos podem ser confundidos como locais de sangramento gastrointestinal. Fatores como anemia, hemotransfusão recente, hemoglobinopatias e uso de heparina podem interferir negativamente com a marcação das hemácias marcadas. Varredura de Meckel: Recomendada na investigação de divertículo de Meckel, através da administração intravenosa de pertecnetato de 99m Tc, que se acumula na mucosa gástrica ectópica (comumente encontrada no divertículo de Meckel.)

3) Entero-TC

Utiliza-se contraste endovenoso e oral neutro (em doses divididas). Pode-se realizar estudo unifásico (durante fase entérica ou venosa portal) ou multifásico (adição de fase arterial e/ou tardia). O estudo unifásico é adequado para detectar inflamação e lesões expansivas, enquanto estudos multifásicos melhoram a detecção e caracterização de lesões vasculares. Dados específicos da acurácia da entero-TC em sangramento digestivo oculto são escassos, visto que a maioria dos estudos publicados envolvem pacientes com sangramento evidente. No geral, os rendimentos diagnósticos são menores em pacientes com sangramento oculto (0%–33,3%) do que em pacientes com sangramento evidente (22,4%–66,7%). Vantagens: Permite detecção de massas do intestino delgado, ajudando a direcionar intervenção na enteroscopia. Além disso, possibilitam a visualização de estruturas abdomino-pélvicas extraintestinais, como malignidades que podem envolver intestino e alterações no mesentério, parede intestinal e vasos intestinais/mesentéricos como causas potenciais de sangramento gastrointestinal, mesmo na ausência de extravasamento ativo de contraste. Pode ser usada no sangramento oculto do intestino delgado, com contraindicações relativas à cápsula endoscópica (ex: radiação, cirurgia prévia, doença de Crohn e/ou estenose do intestino delgado). Limitações: Uso de radiação ionizante e contraste endovenoso e oral. Não deve ser utilizada em caso de instabilidade hemodinâmica (nesses casos, preferir angio-TC).

4) Angiografia por cateter

Trata-se de exame invasivo, no geral realizado através da artéria femoral comum ou artéria radial esquerda, idealmente realizado após angio-TC confirmando e localizando o sangramento digestivo. Permite intervenção terapêutica, com embolização, sendo geralmente reservada para pacientes instáveis, não candidatos à tratamento endoscópico. Apresenta taxas de sucesso superior a 95%, porém até 25% dos pacientes podem apresentar sangramento recorrente.A embolização com cola parece ter melhor impacto na taxa de sangramento recorrente do que a embolização com micromolas. Sua principal vantagem é ser um método diagnóstico e terapêutico e sua principal limitação é ser um método invasivo, mais arriscado principalmente em pacientes idosos, com aterosclerose.

Recomendações de consenso

1) Hemorragia digestiva baixa

· A angio-TC é o primeiro método de imagem a ser oferecido em pacientes instáveis e nos estáveis com alta suspeita de sangramento ativo. Pacientes estáveis com redução do sangramento não necessitam ser submetidos à angio-TC. · A angiografia por cateter deve ser realizada em pacientes intáveis com angio-TC positiva para sangramento ativo. Na presença de extravasamento ativo da angiografia, deve-se proceder com a embolização como modalidade primária de tratamento. · Em casos de HDB intermitente recorrente, sem diagnóstico com as outras modalidades, a angiografia por cateter provocativa pode ser realizada para identificar e tratar a lesão culpada. · A cintilografia com hemácias marcadas pode ser útil em pacientes hemodinamicamente estáveis com evidência sangramento digestivo baixo ativo, com com colonoscopia e angio-TC sem evidências de sangramentos, contraindicadas ou indisponíveis.

2) Sangramento de delgado

Entero TC multifásica (fases arterial e entérica ou venosa portal) está recomendada para pacientes com suspeita de sangramento de instestino delgado, devendo ser a técnica de escolha em pacientes com mais de 40 anos de idade, onde lesões vasculares são uma causa comum de sangramento. Entero-TC unifásica (entérica ou venosa portal) é eficaz na avaliação de condições inflamatórias, como doença de Crohn, enterite por radiação, enteropatia por antiinflamatórios não esteroides e a maioria das malignidades. Recomenda-se a realização de entero-TC em vez de angio-TC em pacientes hemodinamicamente estáveis, com suspeita de sangramento do intestino delgado após colonoscopia e endoscopia alta normais, cápsula endoscópica normal, indisponível ou contraindicada e na suspeita de neoplasia de intestino delgado como causa suspeita para o sangramento. Na presença de instabilidade hemodinâmica, recomenda-se a realização da angio-TC. Varredura de Meckel pode ser considerada para identificar a causa de sangramento gastrointestinal intermitente inexplicável em crianças e adolescentes com avaliação endoscópica negativa, incluindo cápsula endoscópica e entero-TC normal.

3) Hemorragia digestiva alta não varicosa

· Recomenda-se a realização da angio-TC quando a endoscopia não consegue identificar a origem da HDA, a fim de avaliar a localização do sangramento. · Deve ainda ser considerada se na ausência de sobreaviso da endoscopia digestiva alta no serviço ou na limitação à endoscopia (em pacientes com estômago excluso devido a técnicas operatórias). · Recomenda-se angiografia por cateter nos casos em que a endoscopia não é capaz de tratar a fonte do sangramento. No pseudoaneurisma hepático, pode ser o tratamento de primeira linha preferido. · A angiografia deve ser direcionada ao vaso sangrante, caso o local do sangramento tenha sido previamente localizado. Quando possível, a embolização super seletiva deve ser realizada de forma distal para proximal, reduzindo risco de ressangramento através de colaterais. As micromolas são o agente embólico mais comumente utilizado. A colocação de um clipe endoscópico próximo ao local do sangramento no momento da endoscopia pode ajudar a orientar a embolização. A taxa de sucesso clínico com angiografia da HDA não varicosa foi relatada em 67%, com uma taxa de ressangramento de 33% na primeira tentativa. As taxas de complicações são de até 10%, incluindo problemas no local de acesso, injúria renal, embolização não seletiva, isquemia e infarto intestinal.

Mensagem prática

A hemorragia digestiva é causa frequente de hospitalização. É importante conhecer os principais métodos de imagem para o adequado diagnóstico e tratamento, visto à sua elevada morbimortalidade. As recomendações auxiliam no direcionamento dos principais exames a serem solicitados, com técnicas adequadas a cada caso, pensando os riscos e benefícios de cada método e levando em conta a disponibilidade dos mesmos no local em que esse paciente for atendido.
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Referências bibliográficas

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