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Cardiologia29 outubro 2025

Metas de LDL: estamos longe? 

Estudo colombiano avaliou o alcance da meta de LDL-C em pacientes com risco cardiovascular muito alto devido à doença arterial coronariana
Por Juliana Avelar

As doenças cardiovasculares (DCV) continuam sendo a principal causa de morbidade e mortalidade em todo o mundo, representando um grande desafio global de saúde pública. Apesar dos avanços médicos, a DAC continua sendo uma das principais causas de morte e um grande desafio para os sistemas de saúde. Na América Latina, a DAC é responsável por cerca de 35% de todos os óbitos. 

Entre os fatores de risco modificáveis para DCV, a dislipidemia se destaca como um dos mais relevantes. Estimativas da Organização Mundial da Saúde de 2020 indicam uma prevalência de hipercolesterolemia de 54% na Europa e 48% nas Américas.  

As terapias redutoras de lipídios (LLT) são fundamentais para o controle dos níveis de LDL-C e prevenção das DCV. As estatinas permanecem como a base do tratamento, mas novas classes farmacológicas, como os inibidores da PCSK9, também demonstraram grande eficácia na redução de eventos cardiovasculares. Apesar das evidências que respaldam essas terapias e sua eficácia em reduzir desfechos cardiovasculares, as taxas de alcance das metas variam entre 31,1% e 54,0%. 

Foi publicado recentemente o registro EDHIPO MARCA (Evaluación De adherencia a la terapia HIPOlipemiante en pacientes de Muy Alto Riesgo CArdiovascular), uma iniciativa da Colômbia para avaliar o alcance das metas de LDL-C em pacientes classificados como de muito alto risco cardiovascular pela presença de DAC. 

Métodos e materiais 

O Registro EDHIPO MARCA é um estudo retrospectivo, descritivo e multicêntrico, desenhado para avaliar o alcance de metas de LDL-C e o uso de LLT em pacientes com risco cardiovascular muito alto devido à presença de DAC estabelecida.  

Os critérios de inclusão foram: 

  1. DAC documentada, confirmada clinicamente ou por angiografia;
  2. Pelo menos um painel lipídico relatado, incluindo LDL-C, em até 12 meses após a angiografia;
  3. Prescrição documentada de LLT no acompanhamento.

Os critérios de exclusão incluíram pacientes em diálise por doença renal crônica ou com hipotireoidismo não controlado no momento da angiografia, devido ao possível impacto dessas condições no metabolismo lipídico. 

Resultados 

Para esta análise, foram incluídos 1.788 pacientes provenientes de 11 instituições médicas na Colômbia. A mediana de idade foi de 66 anos e a maioria da população era composta por homens (70%). 

Em relação às comorbidades, a hipertensão arterial sistêmica (HAS) foi a mais prevalente, afetando 67,5% dos pacientes no geral. A prevalência geral de sobrepeso foi de 40,8%, de obesidade de 18,9% e de diabetes mellitus (DM) de 27,4%. A obesidade apresentou aumento progressivo, de 12,1% em 2011 para 14,9% em 2016 e 20,9% em 2019. A prevalência de DM passou de 22% em 2011 para 29,9% em 2016, reduzindo-se para 26,4% em 2019.  

Entre as indicações clínicas para a realização da angiografia coronariana, o infarto agudo do miocárdio sem supradesnivelamento do segmento ST (IAMSSST) foi a mais frequente (29,1%), com leve aumento no grupo de 2011 (35,2%). A angina instável foi a segunda indicação mais comum (24,9%), também com pico no grupo de 2011 (35,2%). O infarto com supradesnivelamento do ST (IAMCSST) representou 20,7% dos casos. A angina estável foi responsável por 12,9% das indicações, apresentando maior variação e aumento para 18,3% no grupo de 2016. 

A terapia hipolipemiante (LLT) prescrita na alta hospitalar após a angiografia coronariana variou entre os períodos avaliados. As estatinas foram os fármacos mais frequentemente prescritos, com uso geral de 84,1% e pico de 89,3% no grupo de 2016. Regimes de estatinas de alta intensidade foram prescritos em 91% dos casos, com tendência de aumento e pico de 96,9% no período das diretrizes de 2019. O uso de ezetimiba foi globalmente limitado (5,5%), mas aumentou no grupo de 2019 (7,9%). Fibratos foram prescritos para 1,2% dos pacientes, predominantemente no grupo de 2019 (1,3%). Inibidores de PCSK9 foram raramente utilizados, com taxa de prescrição de 0,4%, exclusivamente no grupo de 2019. Notadamente, 4,7% dos pacientes receberam alta sem qualquer LLT, com a maior proporção observada também em 2019 (5,7%). 

Na visita final de seguimento, 36,6% dos pacientes haviam atingido as metas de LDL-C.  

A variação relativa do LDL-C, definida como a diferença entre a última e a primeira medida disponível no seguimento pós-angiografia, tornou-se mais acentuada com o aumento do número de acompanhamentos. Esse padrão foi observado tanto nos grupos de 2011 quanto de 2019.  

Quanto aos níveis de LDL-C, a média ao final do seguimento na população total foi de 73,5 mg/dL (± 33,8). Houve diferenças entre os grupos: o maior valor foi observado no grupo de 2011 (95,8 mg/dL ± 31,3) e o menor no grupo de 2019 (69,5 mg/dL ± 32,3). Entre os pacientes que atingiram as metas, a média de LDL-C foi de 44,4 mg/dL. 

Nos diferentes grupos de diretrizes, as estatinas permaneceram como o medicamento mais prescrito ao final do seguimento, abrangendo 99,1% dos casos. Regimes de alta intensidade foram utilizados em 89,8% dos pacientes, com maior proporção no grupo de 2019 (95,2%). A atorvastatina foi a estatina mais usada no geral (57,1%), seguida pela rosuvastatina (38,7%). No grupo de 2011, o uso de estatinas foi de 100%, com predomínio de lovastatina (58,2%) seguida por atorvastatina (31,9%). Em 2016, 99,6% dos pacientes receberam estatinas, com atorvastatina (85,2%) e rosuvastatina (13,1%) como principais escolhas. 

Entre as LLT não estatínicas, a ezetimiba foi a mais prescrita (17,2% no total) ao final do seguimento, com utilização de 4,4% em 2011, 3,8% em 2016 e 23,4% em 2019. Os fibratos foram pouco utilizados, representando 2,2% dos casos, com fenofibrato sendo o mais comum em todos os períodos avaliados. Os inibidores de PCSK9 foram prescritos apenas na coorte de 2019, correspondendo a 2,2% desse grupo e 1,5% da população total, com alirocumabe sendo o mais usado (55,6%). Ácidos graxos ômega-3 foram minimamente prescritos, totalizando apenas 0,5%. 

Metas de LDL: estamos longe? 

Aorta com placas compostas por depósitos de colesterol. Imagem de Dr. Edwin P. Ewing, Jr/CDC (1972) Gross pathology of atherosclerosis, aorta. Autopsy specimen of aorta has been opened lengthwise to reveal luminal surface studded with lesions of atherosclerosis.

Discussão 

Esse é um dos maiores estudos na Colômbia e na América Latina a avaliar esse desfecho em pacientes com doença arterial coronariana (DAC), fornecendo insights valiosos sobre práticas nacionais e regionais atuais. Embora as estatinas permaneçam como a principal terapia hipolipemiante (LLT), o manejo lipídico tem se ampliado gradualmente com maior uso de ezetimiba e inibidores de PCSK9 (iPCSK9). No entanto, a implementação de terapias não estatínicas segue limitada, apesar de sua importância para atingir metas de LDL-C mais rigorosas. Nossos achados também destacam o papel da frequência de seguimento na otimização da efetividade da LLT. Apesar disso, o alcance das metas de LDL-C permanece subótimo. 

A alta após a angiografia coronariana é um momento crítico para otimizar a LLT, sendo recomendado iniciar estatinas de alta intensidade o mais cedo possível, independentemente do LDL-C basal. Ainda assim, parcela significativa dos pacientes não recebe essa terapia na alta, perdendo oportunidade essencial de prevenção secundária. Em nossa coorte, 84,1% dos pacientes receberam estatinas na alta, taxa superior à de um estudo retrospectivo norte-americano com 12 hospitais, no qual apenas 70,8% receberam estatinas em até 21 dias após uma síndrome coronariana aguda; notavelmente, apenas 48,9% receberam estatinas de alta intensidade nesse estudo. Apesar das altas taxas de prescrição na alta, muitos pacientes não atingiram as metas de LDL-C, sugerindo que fatores como acesso ou adesão podem influenciar.  

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Apesar do consenso das diretrizes apoiando ezetimiba e iPCSK9 em associação às estatinas de alta intensidade para melhorar o alcance das metas, seu uso permanece baixo na prática de rotina. O estudo DA VINCI, por exemplo, relatou apenas 9,3% de uso de ezetimiba e 1,2% de iPCSK9 — evidenciando o gap entre recomendações e implementação no mundo real, especialmente em populações de muito alto risco.  

Essas dinâmicas podem refletir fatores sistêmicos, como fragmentação do sistema de saúde, desigualdades entre convênios/planos e despesas diretas do paciente, que acabam influenciando as práticas de prescrição.  

Embora o uso de estatinas tenha sido elevado — com grande proporção em alta intensidade —, o alcance das metas de LDL-C no último seguimento permaneceu relativamente baixo e variou conforme a diretriz aplicada, em consonância com relatórios internacionais.  Contudo, o número de dosagens/medidas de LDL-C ao longo do período parece desempenhar papel crucial. Em estudos com distribuição equilibrada entre 1, 2 e 3 dosagens no ano, observou-se padrão claro: a proporção de pacientes que atingem a meta aumenta progressivamente com mais medições — resultado também evidenciado em nossa população (atingindo 45,5% com três seguimentos).  

As baixas taxas de alcance das metas podem decorrer de múltiplos fatores, sendo a adesão um dos principais. Estima-se que cerca de 50% dos pacientes com doenças crônicas não tomem os medicamentos conforme prescrito. Medo de efeitos adversos, eventos percebidos e preocupações com a segurança das estatinas comprometem a adesão e o controle do LDL-C. Por fim, intensidade insuficiente de estatina, inércia clínica e comunicação médico-paciente ineficaz também podem contribuir. 

Forças e limitações 

Forças: O desenho multicêntrico, envolvendo instituições de diversas regiões e amostra relativamente grande, amplia a generalização dos achados. O seguimento de 12 meses com múltiplas medições permite avaliação abrangente do alcance de metas e do uso de LLT ao longo do tempo. A aplicação das diretrizes ESC/EAS assegura comparabilidade internacional.  

Limitações: A amostragem não probabilística limita a representatividade. Trata-se de análise interina, com inclusão em andamento. As variáveis foram obtidas de prontuários, sujeitos a registros incompletos ou imprecisos. Houve heterogeneidade no número de visitas de seguimento. O estudo foi restrito a centros de alta complexidade, o que pode limitar a validade externa. 

Conclusões 

Apesar do amplo uso de terapias hipolipemiantes, o alcance das metas de LDL-C permanece subótimo na Colômbia e muito provavelmente no Brasil não seja diferente. Esses achados ressaltam o desafio contínuo de otimizar o controle lipídico, enfatizando a importância da adesão, do monitoramento em seguimento e, potencialmente, do maior uso de terapias em combinação. A tendência observada de maior redução do LDL-C com mais avaliações de seguimento sugere que a monitorização consistente do paciente desempenha papel crucial no sucesso do tratamento.

Autoria

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Juliana Avelar

Médica formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Cardiologista pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia

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