Doenças cardiovasculares, principalmente as isquêmicas, contribuem com aumento relevante de morbimortalidade, inclusive em nonagenários e centenários. Estudos recentes sugerem que o tratamento invasivo não tem benefício em redução de mortalidade comparado ao tratamento conservador em idosos com infarto agudo do miocárdio (IAM) sem supradesnivelamento do segmento ST (IAM SSST).
Pacientes com IAM com supradesnivelamento do segmento ST (IAM SST) geralmente são encaminhados para tratamento invasivo e grandes coortes mostraram boa evidência de benefício de intervenção coronária percutânea (ICP) comparado a fibrinólise quando os sintomas são iniciados há até 48 horas. Porém, pacientes com mais de 80 anos foram excluídos ou pouco representados nesses estudos.
Como os pacientes mais idosos tem mais comorbidades e fragilidade, a estratégia de reperfusão poderia ser prejudicial, com diversos pontos ainda a serem definidos no tratamento. Assim, recentemente foi publicada uma metanálise para comparar ICP e tratamento conservador nos pacientes idosos.
Métodos do estudo e população envolvida
Foram feitas buscas nas bases de dados Medline, Web of Science e Cochrane, com inclusão de estudos controlados que compararam estratégia invasiva com ICP e estratégia conservadora em pacientes com IAM SST que tinham 80 anos ou mais. Os estudos podiam ser randomizados ou não e quando não randomizados era preferível utilização dos dados não ajustados.
O desfecho primário foi sobrevida geral e o desfecho secundário mortalidade intra-hospitalar, de curto prazo (30 dias) e de longo prazo (1 ano).
Resultados
Foram incluídos na análise quantitativa 13 estudos. Todos eram análises de registros ou séries de casos retrospectivas. Cinco estudos eram unicêntricos e os outros multicêntricos ou nacionais. O total de pacientes, maioria nonagenários, foi 102.158, sendo que 31% foram submetidos a ICP e 69% tratamento conservador.
O tratamento conservador foi indicado por motivos diversos: recusa do paciente a ICP, ausência de lesão culpada, anatomia não favorável a ICP, choque cardiogênico, fragilidade, comprometimento cognitivo, comorbidades significativas ou outros. Em cinco estudos os pacientes do grupo conservador foram encaminhados para angiografia, porém não realizaram ICP.
No grupo ICP, a realização de angioplastia variou de 82,2% a 100% e a colocação de stent variou de 77,8% a 92,3%, sendo que 45,9% eram stents convencionais e 54,1% stents farmacológicos.
O risco de viés foi alto devido a desbalanço entre os grupos. Por exemplo, pacientes do grupo conservador tinham mais comorbidades e eram mais frágeis e o status clínico foi um dos principais fatores na decisão sobre realizar ou não reperfusão. Além disso, alguns trabalhos excluíram pacientes mais graves, os que faleceram no dia da admissão ou os que tiveram ICP sem sucesso e alguns estudos tiveram crossover de pacientes.
Em relação aos desfechos, a sobrevida geral foi maior no grupo ICP (76,5%), comparado ao grupo tratamento conservador (67,2%), com OR 2,18; IC95% 1,79-2,66; p < 0,001, com heterogeneidade significativa entre os estudos.
Ao se incluir os cinco estudos com risco de viés apenas moderado, a sobrevida geral também foi maior no grupo ICP (76,2%) comparado ao grupo tratamento conservador (57,6%), com OR 2,52; IC95% 1,88-3,38, p < 0,001 e com heterogeneidade não importante.
Em relação aos desfechos secundários, houve menor mortalidade intra-hospitalar, em 30 dias e em 1 ano no grupo ICP comparado ao grupo tratamento convencional, avaliados em 8,7 e 6 estudos respectivamente.
Mortalidade cardíaca, avaliada em 2 estudos, e sangramento maior, avaliado em 6 estudos, ocorreram menos no grupo ICP. Já internações por IC e internações por qualquer causa, avaliados em 3 estudos, ocorreram menos no grupo tratamento conservador.
Comentários e conclusão: estratégia invasiva ou conservadora em idosos com infarto
Esta metanálise avaliou a eficácia do tratamento invasivo com ICP comparado ao tratamento conservador em pacientes mais idosos com IAM SST e encontrou que apenas 31% deles foram encaminhados para estratégia invasiva, porém os que foram encaminhados tiveram maior sobrevida, com mortalidade em curto e longo prazos menor, sem diferença em sangramento maior.
O tratamento padrão de IAM SST inclui a ICP, independente da idade. Estudos observacionais prévios mostraram que o procedimento é factível e aceitável nos idosos, com redução de mortalidade em curto e médio prazo, além de ser superior a fibrinólise nos idosos.
Esta metanálise mostrou que este tipo de tratamento é subutilizado, porém os motivos para isto não estão totalmente claros, sendo alguns dos motivos encontrados idade, alterações cognitivas, presença de comorbidades, choque cardiogênico ou ressuscitação, status funcional ruim, fragilidade, mobilidade reduzida ou ser morados de casa de repouso.
Assim, parece que o grupo tratamento conservador tinha um risco maior, refletindo a diferença encontrada entre os grupos. Porém, chama atenção o fato de a sobrevida neste grupo também ter sido alta. A ocorrência de sangramento maior foi semelhante e foi o único desfecho de segurança avaliado.
Esses resultados mostram que a decisão de tratamento invasivo nesta população continua um desafio na prática diária, pois ao mesmo tempo que temos o potencial benefício da ICP, temos as possíveis complicações relacionadas tanto ao procedimento quanto às comorbidades do paciente e fragilidade. Podemos utilizar os resultados vistos aqui como geradores de hipóteses e para melhor esclarecimento é necessário que seja realizado um estudo prospectivo controlado e randomizado específico para esta população.
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