As doenças cardiovasculares (DCV) e o câncer são as principais causas de mortalidade no mundo e evidências recentes mostram que há fatores de risco comuns entre essas doenças: obesidade, hipertensão, dislipidemia e fatores relacionados ao estilo de vida.
O risco de DCV em pacientes com câncer também é aumentado em consequência do tratamento, com a já conhecida cardiotoxicidade. Alguns estudos recentes sugerem que alterações induzidas pelas DCV também poderiam contribuir para a formação de tumores, porém esse é um tema menos estudado e com resultados inconsistentes.
Assim, foi feito um estudo com objetivo de avaliar a associação entre DCV e incidência de câncer. Abaixo seguem os principais pontos do estudo.
Métodos do estudo e população envolvida
Foi estudo de coorte prospectivo realizado no Reino Unido, seguido de uma metanálise. O estudo de coorte incluiu quase meio milhão de indivíduos entre 40 e 69 anos recrutados entre 2006 e 2010. Pacientes com diagnóstico de câncer antes do estudo foram excluídos.
A variável exposição foi DCV, que incluiu doença isquêmica do coração, doença cerebrovascular, embolia/trombose, insuficiência cardíaca (IC) e arritmias. O desfecho primário foi definido como diagnóstico de qualquer tipo de câncer.
Para a metanálise foi feita busca nas principais bases de dados com inclusão de estudos de coorte populacionais que compararam risco de câncer em pacientes com ou sem DCV.
Resultados
Foram incluídos 463.540 participantes no estudo de coorte, sendo 94.845 com DCV e 368.695 sem DCV. Em 11,58 anos de seguimento, 85.362 desenvolveram câncer e 50.031 desenvolveram DCV. Participantes com DCV tiveram maior incidência de câncer que os sem DCV (25,62 x 15,41 por 1000 pessoas-ano) com associação estatisticamente positiva entre os dois (HR 1,14; IC 95% 1,12-11,7, p < 0,001).
Essa associação foi positiva para todas as DCV e para quase todos os tipos de câncer, com exceção de próstata, cabeça e pescoço e melanoma. Além disso, não houve diferença na associação em relação a sexo masculino e feminino e parece que a associação foi mais forte para pacientes com menos de 65 anos e quando o diagnóstico de câncer ocorria em menos de 3 anos comparado a mais de 3 anos.
Na metanálise, foram incluídos 47 estudos, com 45.765.655 participantes, sendo 9.486.438 com DCV e 36.279.217 sem DCV. No seguimento, houve 1.494.440 de casos de câncer, com maior ocorrência nos pacientes com DCV (RR 1,13; IC95% 1,11-1,15, p < 0,001) e com heterogeneidade significativa entre os estudos. O risco de viés foi moderado.
Entre os pacientes com DCV, o risco foi maior para pacientes com IC, arritmias e embolia/trombose. Pacientes com IC tiveram menor risco de câncer de próstata. Não houve diferença em relação a sexo e outros possíveis fatores confundidores na análise de subgrupos.
Comentários e conclusão
Esse é um dos maiores estudos de coorte e metanálise sobre o assunto e os resultados mostraram maior risco de câncer em pacientes com DCV estabelecida. Os resultados foram consistentes nas diferentes DCV e em quase todos os subgrupos de câncer, o que reforça os resultados.
Dado interessante é que pacientes mais jovens (< 65 anos) tiveram maior risco que os mais velhos, o que é compatível com evidência previa de que o risco de câncer é aumentado em pacientes com doenças cardíacas congênitas. Porém, este é um assunto que precisa ser mais bem explorado.
Algumas limitações são que os estudos foram observacionais e não é possível estabelecer causalidade entre presença de DCV e incidência de câncer, já que há possíveis confundidores residuais. Além disso, a heterogeneidade foi significativa entre os estudos da metanálise.
Assim, mais estudos são necessários para confirmar esse resultado e melhor entender os mecanismos causadores das doenças e sua relação. Além disso, é preciso entender se há benefício em monitorizar pacientes com DCV em relação a possibilidade de câncer e realizar exames de rastreio.
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