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Cardiologia14 maio 2024

Hipertensão maligna: uma doença sistêmica

Originalmente, a hipertensão maligna era definida como presença de hipertensão grave associada à retinopatia bilateral.

A hipertensão maligna (HM) ocorre quando a própria hipertensão arterial sistêmica (HAS) leva a complicações clínicas. Recentemente foi publicada uma revisão sobre essa doença cardiovascular com acometimento sistêmico. Abaixo seguem os principais pontos.  

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Paciente com hipertensão maligna aferindo a pressão arterial.

História  

Originalmente, a hipertensão maligna era definida como presença de hipertensão grave associada à retinopatia bilateral e os pacientes acometidos tinham alta taxa de mortalidade. Após o surgimento de métodos de rastreamento para HAS e tratamento mais eficaz, o diagnóstico e tratamento da doença tiveram melhora significativa.  

A lesão na retina é importante indicador de lesão vascular, juntamente com doença renal aguda e microangiopatia trombótica e o dano microcirculatório sistêmico é a característica da doença. Assim, talvez o termo microangiopatia hipertensiva aguda seja mais adequado.   

Epidemiologia 

A hipertensão maligna continua relativamente comum em locais nos quais o controle da pressão arterial (PA) ou a disponibilidade de medicações são limitados, porém é subdiagnosticada. Em duas coortes europeias a incidência foi de 2/100 mil indivíduos por ano e em indivíduos negros da África e Caribe foi de 7,3 por 100 mil indivíduos por ano.   

Causas e desencadeantes 

Não há um corte de PA que define a hipertensão maligna, o que dificulta o diagnóstico. Pacientes hipertensos podem tolerar níveis mais altos de PA e pacientes com PA previamente normal podem ter sintomas com níveis não tão aumentados. Na maioria das vezes, a PA diastólica está maior que 120mmHg. 

Qualquer gatilho que aumente a PA de forma aguda pode desencadear a HM, desde que esse gatilho se mantenha de forma sustentada. Algumas causas de HAS secundária já foram associadas, assim como drogas antiangiogênicas e imunossupressoras. 

Apenas 10 a 40% dos casos tem uma causa, porém a maioria têm história de HAS não tratada ou mal controlada e por que alguns pacientes hipertensos evoluem com o quadro e outros não é pouco compreendido.  

Fisiopatologia 

Na maior parte das vezes, a hipertensão é mediada pela ativação do sistema renina-angiotensina (SRA). Ocorre proliferação miointimal das arteríolas e necrose fibrinoide e, no rim, o espessamento miointimal da arteríola aferente resulta em estreitamento do lúmen e ativação do SRA, que aumenta ainda mais a PA e agrava a lesão vascular. Também há efeito da ativação da secreção da aldosterona e do sistema nervoso simpático. 

A ativação do fator nuclear kB, um fator de transcrição que regula a expressão de moléculas de adesão e citocinas pro-inflamatórias, leva a influxo de células como monócitos, linfócitos e progressão da inflamação e da HM. 

Avaliação dos pacientes 

A HM é emergência médica e necessita rápida intervenção. A história e exame físico buscam a investigação de lesões de órgãos alvo e identificação de causas de HAS.  

O exame de fundoscopia auxilia, pois a presença de alterações características sugere o diagnóstico. Além disso, ajuda a diferenciar microangiopatia trombótica (MT) associada à HM da MT associada à púrpura trombocitopênica trombótica e síndrome hemolítica urêmica. Porém, as lesões na retina podem estar ausentes. 

A avaliação laboratorial inclui hemograma, análise do esfregaço periférico, dosagem de DHL, haptoglobina e fibrinogênio, no intuito de excluir MT.  

Doença renal aguda com oligúria pode ser a manifestação principal e a creatinina está aumentada em 60 a 70% dos casos. Pode ser difícil diferenciar doença renal causada por HM da causada por outras causas. Hipocalemia está presente em até 50% dos casos e hiponatremia, que decorre do estímulo de ADH, também é frequente e pode ser grave. 

Encefalopatia hipertensiva com ou sem síndrome de encefalopatia posterior reversível (PRES) pode ser diagnosticada por ressonância magnética (RM). Em relação ao coração, o ecocardiograma é o método de avaliação de escolha e RM cardíaca, dosagem de NT-proBNP e troponina podem ser úteis.   

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Lesão de órgão – Cérebro 

Encefalopatia hipertensiva é uma emergência médica e pode ocorrer sem as lesões retinianas clássicas que definem HM. Ela ocorre em 1 a cada 10 pacientes com hipertensão maligna que têm alteração na fundoscopia e os sintomas-chave incluem alteração da consciência (delirium, bradifrenia e perda de consciência com ou sem convulsões). As complicações mais graves são hemorragia cerebral e herniação intracraniana. 

Outra complicação é PRES, caracterizada por edema intracerebral, que resulta em dano da microcirculação e insuficiência autonômica. Sua manifestação consiste em cefaleia, encefalopatia, convulsões e alterações visuais.

A RM é superior a TC para diagnóstico, pois consegue avaliar edema vasogênico na região parieto-occipital de ambos os hemisférios cerebrais e está indicada para todos os pacientes com suspeita de HM, pois muda o tratamento. A síndrome PRES é geralmente reversível e tem prognóstico favorável. 

Lesão de órgão – Olhos 

A PA excessiva causa lesão da barreira sangue-retina e falência dos mecanismos autorregulatórios. Isso é visto pelos achados de hemorragias retinianas em forma de chama de vela por exemplo. Também pode haver exsudatos lipídicos e edema intra-retiniano.  

O aumento da pressão intracraniana causa isquemia óptica e edema do disco, com o achado típico de papiledema, hemorragia em chama de vela na margem, edema discal, veias retinianas ingurgitadas e exsudatos maculares. Também pode haver coroidopatia pela necrose fibrinóide das arteríolas coroidais e em casos extremos pode haver descolamento de retina. 

Lesão de órgão – Coração 

As principais alterações encontradas são aumento da massa ventricular esquerda, hipertrofia concêntrica, aumento do ventrículo e átrio esquerdos e da raiz da aorta, além de redução da fração de ejeção.

Isso ocorre mais frequentemente quando comparado aos pacientes com HAS. Com o tratamento o coração tende a voltar ao normal, porém algum grau de hipertrofia pode persistir. 

Mais da metade dos pacientes tem aumento de NT-proBNP e troponina, na ausência de doença coronária, indicando possível isquemia microvascular ou funcional.   

Lesão de órgão – Microangiopatia trombótica 

Geralmente é associada à hemólise e caracterizada por plaquetopenia, aumento de ácido láctico e esquizócitos no sangue periférico. Ocorre por lesão endotelial, estresse na parede do vaso e ativação de angiotensina II e das vias inflamatórias.  

Lesão de órgão – Rins 

Metade a dois terços dos pacientes tem disfunção renal com proteinúria e alguns podem apresentar emergência dialítica. As alterações estruturais típicas são proliferação miointimal e aparência em casca de cebola. Necrose fibrinoide é menos comum. 

Em uma parte dos pacientes, o controle adequado da PA leva à melhora da função renal. Esses geralmente apresentam lesão renal aguda e oliguria, tem rins de tamanho normal e microangiopatia trombótica no início do quadro. O motivo para esses pacientes terem melhor recuperação não é claro.  

Tratamento 

O tratamento é dividido de acordo com a presença ou ausência de lesões de órgão alvo. Se houver lesão de órgão alvo, a PA deve ser tratada rapidamente, com medicação endovenosa em ambiente de terapia intensiva. Não há preferência entre as medicações utilizadas. 

O desafio é abaixar a PA sem prejudicar a circulação cerebral e, no geral, o objetivo é reduzir a PA em até 25% nas primeiras horas, para evitar hipoperfusão cerebral. Após 24 a 48 horas, medicações via oral podem ser iniciadas lentamente e a medicação endovenosa retirada. 

Em quase metade dos casos, os pacientes podem ter hipertensão grave e retinopatia, sem lesões de outros órgãos. Nesses pacientes, pode-se iniciar medicação oral, inicialmente em doses baixas e com aumentos a cada seis horas conforme tolerado. O paciente deve ser monitorizado por pelo menos dois dias após a titulação da medicação, para prevenir queda da PA.  

O ideal é monitorização invasiva da PA e não há um nível alvo definido, esta deve ser reduzida para níveis aceitáveis, não necessariamente normais. 

Prognóstico 

Antes da década de 1970, a sobrevida desses pacientes era 39,2 meses e a causa de óbito geralmente é insuficiência renal, acidente vascular cerebral e infarto agudo do miocárdio.

Desde então, houve melhora e a sobrevida atual é de mais de 90% nos países mais desenvolvidos, porém o risco cardiovascular e renal persiste alto. O grau de disfunção renal na apresentação inicial e os níveis de PA no seguimento são os principais preditores de insuficiência renal. 

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Comentários e conclusão 

A hipertensão maligna continua acometendo pacientes e tem risco de complicações graves. O controle rápido e adequado da PA em unidade de terapia intensiva é de extrema importância.

Após o tratamento da fase aguda, muitas dúvidas ainda persistem, incluindo quais os níveis seriam mais adequados como meta de PA, quando transicionar o tratamento para a via oral e como fazer o monitoramento subsequente. Além disso, seria extremamente importante entender quais pacientes têm maior risco de evoluir com o quadro. 

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Referências bibliográficas

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