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Cardiologia20 outubro 2025

Estudo SUMMIT: Efeito da tirzepatida na ICFEP em pacientes diabéticos 

Estudo buscou avaliar a influência do diabetes na eficácia, benefícios e segurança da tirzepatida no estudo SUMMIT.
Por Juliana Avelar

Tanto a obesidade quanto o diabetes tipo 2 promovem o desenvolvimento de insuficiência cardíaca, particularmente a insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada (ICFEP).  Entre pessoas com ICFEP, cerca de 50% a 60% têm obesidade e 40% a 50% têm diabetes tipo 2. A ICFEP representa a manifestação cardiovascular mais avançada da interseção desses dois importantes distúrbios metabólicos. Nesse contexto, chama atenção que medicamentos que sinalizam pelo receptor do peptídeo semelhante ao glucagon 1 (GLP-1), como semaglutida e tirzepatida, promovem reduções importantes da hemoglobina glicada (HbA1c) e do peso corporal e, em pacientes com obesidade sem diabetes, reduzem o risco de desfechos maiores relacionados à insuficiência cardíaca.

Em pacientes com ICFEP estabelecida e obesidade, a semaglutida melhorou o estado de saúde, e a tirzepatida não apenas melhorou o estado de saúde como também reduziu o risco de morte cardiovascular e de eventos de piora da insuficiência cardíaca. Embora a sinalização via GLP-1 possa exercer efeitos diretos sobre coração, vasos e rins que influenciam o curso da insuficiência cardíaca, os benefícios de semaglutida e tirzepatida na ICFEP relacionada à obesidade têm sido, em geral, atribuídos à capacidade desses fármacos de produzir perda ponderal substancial. 

É relevante notar que o diabetes tipo 2 atenua a perda de peso induzida por fármacos baseados em incretinas. Contudo, não se sabe se o diabetes tipo 2 limita os benefícios desses medicamentos sobre o status clínico ou os eventos de insuficiência cardíaca em pacientes com ICFEP e obesidade.  

O estudo SUMMIT avaliou os efeitos de longo prazo da tirzepatida sobre desfechos maiores de insuficiência cardíaca e sobre o estado de saúde em pacientes com ICFEP e obesidade. Pelo desenho do protocolo, aproximadamente metade dos pacientes tinha diabetes tipo 2. Foi publicada, então, uma subnálise do estudo, que permitiu avaliar se o diabetes influenciou os benefícios clínicos da tirzepatida, apesar de sua influência em atenuar a magnitude da perda de peso. 

Métodos 

Pacientes do estudo e desenho do ensaio. O SUMMIT incluiu homens e mulheres com idade ≥40 anos, insuficiência cardíaca crônica, fração de ejeção do ventrículo esquerdo ≥ 50% e índice de massa corporal ≥ 30 kg/m². Os pacientes apresentavam limitações funcionais e de exercício substanciais e carga sintomática, refletidas por distância no teste de caminhada de 6 minutos ≥ 100 m e ≤ 425 m e Escore de Sumário Clínico do Questionário de Cardiomiopatia de Kansas City (KCCQ-CSS) ≤ 80. Havia evidência de aumento das pressões de enchimento do ventrículo esquerdo ou de aumento do átrio esquerdo, mas (ao contrário de ensaios anteriores) não era obrigatório apresentar níveis elevados do peptídeo natriurético tipo B N-terminal (NT-proBNP). Além disso, exigia-se: (1) descompensação de insuficiência cardíaca nos 12 meses anteriores; ou (2) taxa de filtração glomerular estimada < 70 mL/min/1,73 m². 

Na presente análise, considerou-se que os pacientes tinham diabetes se: (1) possuíam histórico de diabetes; ou (2) apresentavam duas medidas pré-randomização de HbA1c ≥ 6,5%. 

Pacientes com diabetes tipo 2 foram excluídos se apresentassem: (1) HbA1c ≥ 9,5%; (2) diabetes não controlado exigindo tratamento imediato; (3) ≥ 1 episódio de hipoglicemia grave nos 6 meses prévios; (4) histórico de retinopatia diabética proliferativa ou maculopatia diabética ou retinopatia exigindo tratamento agudo; ou (5) uso de insulinas pré-misturadas ou prandiais, ou esquemas intensificados de insulina (múltiplas injeções diárias com basal e prandial, ou bomba de insulina). 

Os pacientes que preencheram todos os critérios de elegibilidade foram randomizados, em duplo-cego (1:1), para receber placebo ou tirzepatida 2,5 mg por semana, por via subcutânea, além do tratamento habitual. A randomização foi estratificada por: (1) descompensação de insuficiência cardíaca nos 12 meses prévios; (2) histórico de diabetes tipo 2; e (3) IMC ≥ 35 kg/m² ou < 35 kg/m². A dose do medicamento em duplo-cego foi aumentada em 2,5 mg a cada 4 semanas (conforme tolerância) até 15,0 mg por semana, ou placebo correspondente, a ser atingida em 20 semanas após a randomização. Os pacientes foram mantidos na maior dose tolerada até o fim do estudo. Todos os tratamentos de base podiam ser ajustados a critério do médico assistente. 

Desfechos pré-especificados primários e secundários 

Os desfechos primários do ensaio foram: 

  1. Tempo até o primeiro desfecho composto de morte cardiovascular adjudicada ou evento de piora da insuficiência cardíaca; 
  2. Mudança no KCCQ-CSS (Kansas City Cardiomyopathy Questionnaire Clinical Summary Score) em 52 semanas. 

Um evento de piora da insuficiência cardíaca foi definido como agravamento dos sintomas exigindo hospitalização ou intensificação de diuréticos (endovenosos ou orais). Mortes de causa indeterminada foram incluídas no grupo de mortes cardiovasculares. 

Os principais desfechos secundários incluíram: 

  • Mudança na distância do teste de caminhada de 6 minutos em 52 semanas; 
  • Mudança no peso corporal em 52 semanas; 
  • Mudança na proteína C-reativa ultrassensível (hsCRP) em 52 semanas. 

Estudo SUMMIT: Efeito da tirzepatida na ICFEP em pacientes diabéticos 

Resultados: efeito da tirzepatida na ICFEP em pacientes diabéticos   

Entre os 731 pacientes com HFpEF e obesidade randomizados (mediana de 104 semanas de seguimento): 

  • IMC médio ≈38 kg/m²; 
  • Relação cintura/altura ≈0,73; 
  • Fração de ejeção média ≈61%; 
  • Maioria feminina. 

Apesar de a maioria estar em classe funcional II da NYHA, apresentavam marcada limitação funcional (≈300 m no teste de caminhada) e baixo estado de saúde (≈54 pontos no KCCQ-CSS). Os níveis de NT-proBNP não estavam elevados, como esperado em obesos. A RMC mostrou aumento relevante da massa ventricular esquerda (≈120 g) e da gordura paracardíaca (≈220 mL), comparados a indivíduos saudáveis. Observou-se também disfunção renal moderada (TFGe ≈64 mL/min/1,73 m²) e inflamação sistêmica aumentada (hsCRP ≈5,7 mg/L). 

Dos 731 pacientes: 

  • 371 (50,8%) tinham diabetes tipo 2 
  • 360 (49,2%) não tinham diabetes. 

Influência do diabetes nos efeitos da tirzepatida 

  • Peso corporal: Após 52 semanas, a tirzepatida promoveu menor perda de peso em diabéticos (−10,4%) do que em não diabéticos (−12,9%). 
  • Gordura paracardíaca: Reduções semelhantes nos dois grupos. 
  • Estado de saúde (KCCQ-CSS): Melhora significativa em ambos os grupos, sem diferença entre diabéticos e não diabéticos (P interação = 0,50). 
  • Teste de caminhada de 6 minutos: Melhora significativa em ambos os grupos, sem diferença entre eles (P interação = 0,82). 
  • Também foram observadas melhorias em EQ-5D-5L, PGIS e classe funcional da NYHA, sem diferenças entre subgrupos. 
  • PCRus diminuiu e TFGe aumentou em ambos os grupos, sem diferença significativa. 

Então, nessa subanálise, a tirzepatida promoveu redução significativa de peso. Como observado em outros estudos, a magnitude da perda ponderal foi menor em pacientes com diabetes do que naqueles sem diabetes — e essa atenuação ocorreu mesmo sem incluir pacientes com diabetes descontrolado ou instável. 

Em ensaio prévio com ICFEP e obesidade sem diabetes, a magnitude da perda de peso com semaglutida foi determinante para a magnitude da melhora do estado de saúde (KCCQ). Além disso, os efeitos da semaglutida sobre fração de ejeção e eventos de piora de insuficiência cardíaca em estudo de ICFEP obesidade conduzido em pacientes com diabetes foram menos pronunciados do que em estudo análogo em pacientes sem diabetes. Com base nessas observações, seria plausível esperar benefícios clínicos menores com tirzepatida em pacientes com diabetes. Entretanto, no SUMMIT, pacientes com e sem diabetes não diferiram quanto ao efeito da tirzepatida nos dois desfechos primários de eficácia. A tirzepatida reduziu o composto de morte cardiovascular ou piora da insuficiência cardíaca, principalmente por diminuir o risco de eventos de piora de insuficiência cardíaca 

Adicionalmente, o diabetes não influenciou a magnitude do efeito favorável da tirzepatida sobre carga de sintomas, estado de saúde, capacidade funcional e tolerância ao exercício 

Os achados de benefícios clínicos semelhantes com tirzepatida em pacientes com e sem diabetes são coerentes com a observação de que o diabetes não modulou o efeito da tirzepatida em reduzir massa ventricular esquerda e gordura visceral ao redor do coração. Estudos anteriores sugerem que os efeitos cardiovasculares adversos da obesidade são mediados por expansão de depósitos de gordura visceral, especialmente pelo aumento do tecido adiposo epicárdico (ou paracardíaco). A hipertrofia e a transformação biológica de adipócitos adjacentes ao miocárdio podem levar à liberação de adipocinas pró-inflamatórias que resultam em fibrose miocárdica, culminando em ICFEP. Fármacos que sinalizam via receptor de GLP-1 demonstraram reduzir depósitos de gordura visceral ao redor do coração, e esse efeito — mais do que a perda de peso global — pode ser o mediador chave de seus impactos benéficos em ICFEP. 

É, portanto, digno de nota que, em 52 semanas no SUMMIT, pacientes com diabetes apresentaram redução semelhante do tecido adiposo paracardíaco, apesar de uma diminuição menos pronunciada do peso corporal em comparação com pacientes sem diabetes.  

Limitações do estudo 

O número de eventos de piora da insuficiência cardíaca em ambos os subgrupos foi pequeno, limitando o poder para detectar diferenças entre subgrupos nesses desfechos. Por outro lado, houve poder adequado para determinar se o diabetes influenciou os efeitos da tirzepatida sobre estado de saúde, qualidade de vida, classe funcional, tolerância ao exercício e função renal — e nenhuma influência foi detectada. 

Conclusões 

Apesar de menor perda de peso, pacientes com ICFEP, obesidade e diabetes tipo 2 responderam favoravelmente à tirzepatida, com redução do risco de desfechos adversos de insuficiência cardíaca, melhora do estado de saúde, qualidade de vida, tolerância ao exercício e capacidade funcional, além de diminuição da massa ventricular esquerda e da gordura paracardíaca, em magnitude semelhante à observada em pacientes sem diabetes. Esses achados são consistentes com a hipótese de que mudanças no peso corporal não representam necessariamente uma estimativa fiel dos benefícios da terapia sobre insuficiência cardíaca com esses fármacos.

Autoria

Foto de Juliana Avelar

Juliana Avelar

Médica formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Cardiologista pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia

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