Pacientes submetidos a cirurgias não cardíacas podem ter algumas complicações cardiovasculares, sendo a mais comum o infarto/injúria miocárdica perioperatória (IMP). Esta complicação é assintomática em até 90% dos pacientes e subdiagnosticada quando não investigada ativamente. Isto ocorre pois os pacientes costumam estar sob efeito de anestesia ou analgesia potente. Além disso, muitas vezes os sintomas são confundidos com sintomas decorrentes do próprio pós-operatório.
Apesar disso, esses pacientes apresentam alta morbidade e mortalidade, que pode chegar a 10% em 30 dias. Sendo assim, recomenda-se alta suspeição e vigilância nos pacientes de alto risco (com doença aterosclerótica coronária prévia, doença arterial periférica, diabetes em uso de insulina ou sintomas de doença cardiovascular) que são submetidos a cirurgias de risco intermediário ou alto.
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Complicações cardiovasculares mais comuns
Como já comentando, dentre as complicações, o IMP é o mais comum. Seu diagnóstico é feito quando há aumento das troponinas associado a pelo menos um outro critério: dor isquêmica, alteração eletrocardiográfica, exame de imagem com perda de miocárdio viável, alteração segmentar nova ou trombo na coronariografia. O diagnóstico de injúria miocárdica, mais comum, é feito quando há aumento de troponinas, com ou sem sintomas acompanhantes e com ou sem eletrocardiograma (ECG) ou imagem evidenciando isquemia aguda.
Ambos podem ser rapidamente detectados com a coleta de troponinas seriadas em 24 e 48 horas de pós-operatório, ou seja, se houver maior vigilância.
Para interpretar os níveis de troponina aumentados adequadamente, necessitamos de uma dosagem de troponina basal e diferenciar se o aumento do pós-operatório é decorrente de causas cardíacas ou extra cardíacas (sepse e embolia pulmonar por exemplo). Pacientes com embolia pulmonar e insuficiência cardíaca aguda são os que tem maior mortalidade, seguido pelos com IAM tipo 1 e os com taquiarritmias e, finalmente, pelos pacientes com IAM tipo 2. Ainda, a identificação da causa do aumento da troponina é essencial para a realização do tratamento adequado.
Em um estudo recente que randomizou pacientes para receber dabigatrana ou placebo após ocorrência de injuria miocárdica no pós-operatório de cirurgias não cardíacas houve redução de complicações vasculares nos pacientes que receberam dabigatrana (11% x 15%, p < 0,0115), sem aumento de sangramento. Importante ressaltar que 60% desses pacientes já vinham em uso de aspirina ou inibidor de P2Y12 e o tempo médio de início da medicação foi 6 dias. Baseado nesses achados, pode-se considerar a dabigatrana nesse contexto, se o risco de sangramento for baixo.
Complicações cardiovasculares de menor frequência
- Trombose venosa profunda, que apresenta alta mortalidade (17%) e é mais frequente em artroplastia de quadril, prostatectomia aberta, cirurgias oncológicas, pacientes com insuficiência renal aguda, IAM e infecção pós operatória. Deve-se sempre suspeitar de embolia pulmonar quando houver injúria miocárdica sem causa aparente e, na ocorrência de comprometimento hemodinâmico, podemos considerar trombólise sistêmica ou trombectomia cirúrgica, a depender do risco de sangramento. A anticoagulação deve ser iniciada o mais precocemente possível.
- Fibrilação atrial (FA) ocorre em 2 a 30% e o pico de incidência é do segundo ao quarto dia de pós operatório. A maioria é autolimitada e alguns pacientes assintomáticos, porém existe associação com maior risco de FA nos 5 anos seguintes. Além disso, leva a maior ocorrência de AVC, IAM, mortalidade, aumento do tempo de internação, infecções, complicações renais, sangramento e aumento dos custos hospitalares.
- Se a FA ocorrer, os estudos não mostraram diferença entre controle de ritmo e controle de frequência cardíaca, portanto a decisão sobre qual abordagem seguir é definida caso a caso, exceto se o paciente estiver instável, quando a cardioversão elétrica é a conduta de escolha. A decisão de anticoagular deve ser seguida pelo CHA2DS2-VASc e os NOAC devem ser preferidos.
- AVC ocorre em menos de 1% dos pacientes no geral e em até 3% das cirurgias vasculares, com mortalidade alta, de até 26%. A maioria é isquêmico ou cardioembólico, com grande contribuição da FA.
Considerações
Concluindo, as complicações cardiovasculares no perioperatório de cirurgias não cardíacas são relativamente frequentes e, entre elas, a mais comum é o infarto/injuria miocárdica, que deve ser buscada ativamente para diagnóstico precoce e tratamento adequado.
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