A dislipidemia é um fator de risco cardiovascular importante e modificável, sendo a doença cardiovascular (DCV) a principal causa de mortalidade em todo o mundo. Em particular, níveis elevados de colesterol LDL (LDL‐C) estão fortemente associados a um risco aumentado de aterosclerose e eventos cardiovasculares subsequentes. Dados recentes mostram que a redução do LDL‐C em cerca de 38,7 mg/dL (1 mmol/L) com estatinas reduziu com segurança os principais eventos coronarianos em aproximadamente 23%.
Consequentemente, as terapias hipolipemiantes são componentes fundamentais na prevenção e no tratamento das DCVs. Os inibidores da HMG-CoA redutase, conhecidos como estatinas, são amplamente prescritos devido à sua eficácia na redução do LDL‐C e na melhora dos desfechos cardiovasculares.
Apesar da eficácia comprovada das estatinas, alguns pacientes não atingem os níveis-alvo de LDL‐C ou apresentam efeitos adversos associados a doses mais altas. Os efeitos adversos mais comuns das estatinas de alta intensidade incluem miopatia, risco aumentado de hepatotoxicidade e diabetes de início recente.
Assim, terapias combinadas que incluem agentes hipolipemiantes adicionais, como a ezetimiba, vêm ganhando interesse. A ezetimiba, um inibidor da absorção de colesterol, demonstrou benefício adicional na redução do LDL‐C quando associada às estatinas, representando uma estratégia promissora para pacientes que não atingem as metas lipídicas com monoterapia.
Embora as diretrizes recomendem estatinas de intensidade moderada, capazes de reduzir o LDL‐C entre 30% e 49%, para prevenção primária eficaz em pacientes com risco cardiovascular baixo a moderado, há poucos estudos comparando a eficácia e a segurança da combinação de estatina de baixa intensidade com ezetimiba em relação à estatina de intensidade moderada.
No estudo RACING, a combinação de estatina de intensidade moderada com ezetimiba foi não-inferior à estatina de alta intensidade na redução do risco cardiovascular em pacientes com doença aterosclerótica estabelecida. No entanto, ainda não se sabe se uma estatina de baixa intensidade associada à ezetimiba é uma alternativa viável a uma estatina de intensidade moderada na população geral.
Nesse contexto, foi publicado recentemente no Clinical Cardiology um estudo que teve o objetivo de comparar o efeito hipolipemiante e a segurança da combinação de atorvastatina 5 mg com ezetimiba 10 mg (A5E10) em relação às monoterapias com atorvastatina 5 mg (A5), ezetimiba 10 mg (E10) e atorvastatina 10 mg (A10) em pacientes com dislipidemia.
Desenho do Estudo
Ensaio clínico randomizado, duplo-cego, controlado por placebo, conduzido em 25 centros na Coreia do Sul, com o objetivo de comparar os efeitos da combinação A5E10 com as monoterapias A5, E10 e A10 sobre os níveis lipídicos, razões lipídicas, taxas de alcance das metas de LDL‐C e perfis de segurança em pacientes com dislipidemia. O estudo ocorreu de julho de 2022 a abril de 2023.
Após o rastreio inicial, os pacientes que atenderam aos critérios de inclusão e exclusão receberam placebo para avaliação da adesão ao tratamento e foram orientados a interromper qualquer medicamento hipolipemiante por pelo menos 4 semanas (6 semanas no caso de fibratos). Durante todo o estudo, todos os pacientes receberam orientação sobre mudanças terapêuticas no estilo de vida.
Após esse período de run-in, os pacientes foram reavaliados na visita 2 com base no perfil lipídico e nos critérios de inclusão/exclusão. Os elegíveis foram estratificados por categoria de risco cardiovascular (conforme diretriz coreana de 2018) e randomizados para um dos quatro grupos de tratamento.
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Critérios de inclusão:
- Idade ≥19 anos;
- Dislipidemia com LDL‐C ≤ 250 mg/dL e triglicérides < 500 mg/dL;
- Adesão à medicação entre 70% e 130% durante o período de run-in.
Critérios de exclusão incluíram:
- Insuficiência cardíaca classe III ou IV (NYHA);
- Eventos cardiovasculares agudos recentes (IAM, AVC, revascularização nos últimos 3 meses);
- HAS não controlada (≥ 180×110 mmHg);
- DM1 ou DM2 não controlado (HbA1c ≥ 9%);
- Disfunção tireoidiana (TSH ≥ 1,5× limite superior);
- Neoplasias malignas nos últimos 5 anos;
- Disfunção de absorção, metabolismo ou excreção de fármacos;
- Dislipidemia secundária;
- Histórico de miopatia, rabdomiólise ou fibromialgia;
- Hipersensibilidade a atorvastatina ou ezetimiba;
- Gravidez ou lactação;
- Alterações laboratoriais: CK ≥ 2×LSN, eTFG < 30 mL/min/1,73 m², AST ou ALT ≥ 2×LSN.
Randomização
A randomização em blocos estratificada foi realizada de acordo com a categoria de risco cardiovascular. Cada participante recebeu 4 comprimidos por dia durante 8 semanas (1 ativo e 3 placebos).
Desfecho primário de eficácia:
- Variação percentual do LDL‐C do basal até a semana 8.
Desfechos secundários:
- Variação percentual do LDL‐C até a semana 4;
- Variações dos seguintes componentes: colesterol total, triglicérides, HDL‐C, não-HDL‐C, Apo AI e Apo B (semanas 4 e 8);
- Variações das razões lipídicas (LDL‐C/HDL‐C, CT/HDL‐C, não-HDL‐C/HDL‐C, Apo B/Apo AI);
- Taxa de alcance da meta de LDL‐C por categoria de risco (semanas 4 e 8);
Desfechos de segurança:
- Eventos adversos, avaliações clínicas, exames laboratoriais e ECGs;
Características basais
Um total de 349 pacientes foi triado, dos quais 252 foram randomizados para um dos quatro grupos de tratamento: A5E10 (n=63), A5 (n=62), E10 (n=63) e A10 (n=64). Dos pacientes randomizados, dois foram excluídos do conjunto de segurança por não terem tomado a medicação em investigação, restando 250 pacientes para a análise de segurança.
A média de idade dos participantes foi de 63,0 ± 10,8 anos, e 51,2% eram do sexo masculino. 164 (66,7%) pacientes tinham hipertensão, e 109 (44,3%) tinham diabetes.
Resultados
O grupo A5E10 demonstrou uma redução significativamente maior nos níveis de LDL-C (47,6%) do que os grupos A5 (33,4%, p < 0,0001 entre grupos), E10 (19,4%, p < 0,0001 entre grupos) e A10 (40,1%, p < 0,0001 entre grupos) após 8 semanas de tratamento. Além disso, observou-se uma redução significativa (46,7%) nos níveis de LDL-C já após 4 semanas de administração do A5E10.
O grupo A5E10 também apresentou níveis menores de triglicerídeos (25,7%) em comparação com o grupo E10 (6,7%, p < 0,0001 entre grupos). Todas as razões entre parâmetros lipídicos, incluindo LDL-C/HDL-C, CT/HDL-C, colesterol não-HDL/HDL-C e Apo B/Apo AI, também mudaram significativamente após 4 semanas de tratamento, com uma redução mais acentuada no grupo A5E10 após 8 semanas.
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O grupo A5E10 apresentou uma taxa significativamente maior de atingimento das metas de LDL-C do que os outros três grupos. De modo geral, a taxa de alcance da meta de LDL-C no grupo A5E10 foi de 67,2% em 4 semanas e manteve-se estável em 8 semanas. Especificamente, a meta de LDL-C foi atingida em 44,8%, 77,8% e 100% dos pacientes nos grupos de risco muito alto, alto e baixo a moderado, respectivamente.
Um total de 51 eventos adversos ocorreu em 43 dos 250 pacientes (17,2%) do conjunto de segurança, sem diferenças significativas entre os quatro grupos de tratamento.
Discussão: ezetimiba e atorvastatina na dislipidemia
Este estudo avaliou o efeito hipolipemiante e a segurança da terapia combinada com atorvastatina (5 mg) e ezetimiba (10 mg) em comparação com monoterapias em pacientes com dislipidemia. Os principais achados foram os seguintes:
- A combinação A5E10 reduziu os níveis de LDL-C em 47,6% em relação ao valor basal após 8 semanas de tratamento, uma redução significativamente maior do que a obtida com atorvastatina 5 mg, ezetimiba 10 mg ou atorvastatina 10 mg em monoterapia.
- A combinação A5E10 demonstrou início de ação rápido, com redução de 46,7% nos níveis de LDL-C já nas primeiras 4 semanas. Nessa mesma marca temporal, a terapia combinada levou a uma redução de 23,7% nos triglicerídeos, 44,3% no colesterol não-HDL e 38,0% na Apo B.
- Todas as razões entre parâmetros lipídicos, incluindo LDL-C/HDL-C, CT/HDL-C, colesterol não-HDL/HDL-C e Apo B/Apo AI, apresentaram mudanças significativas após 4 semanas de tratamento, com as reduções mais pronunciadas observadas no grupo A5E10 após 8 semanas.
Notavelmente, nenhum evento adverso grave foi observado no grupo de terapia combinada.
As diretrizes clínicas indicam estatinas de intensidade moderada para prevenção primária em adultos de 40 a 75 anos sem diabetes e com risco cardiovascular moderado, ou em pacientes com diabetes na mesma faixa etária.
Embora a redução inicial de LDL-C com estatinas seja eficaz, reduções adicionais requerem aumentos desproporcionais de dose. Isso ocorre porque a redução induzida pelas estatinas na síntese de colesterol pode levar a maior absorção intestinal de colesterol, diminuindo a eficácia das doses mais elevadas. Tipicamente, dobrar a dose de estatina a partir da dose mínima eficaz resulta em apenas mais 6% de redução do LDL-C.
Esse estudo demonstrou que a combinação de uma estatina de baixa intensidade (atorvastatina 5 mg) com ezetimiba resultou em uma redução de 47,6% no LDL-C basal — significativamente maior do que com a atorvastatina 10 mg (classificada como estatina de intensidade moderada). Além disso, 100% dos participantes de baixo a moderado risco atingiram suas metas de LDL-C no grupo A5E10.
Em consonância com estudos prévios, esses resultados sugerem que adicionar ezetimiba a uma estatina de baixa intensidade pode obter reduções de LDL-C superiores às de uma estatina de intensidade moderada isoladamente, oferecendo uma estratégia potencialmente mais eficaz e com melhor tolerabilidade, ao reduzir os efeitos colaterais comumente associados a estatinas de alta intensidade.
Limitações
Embora o estudo tenha sido adequadamente dimensionado para os desfechos primários, o tamanho da amostra foi relativamente pequeno e conduzido em um número limitado de centros na Coreia do Sul. Isso pode limitar a generalização dos achados para populações mais amplas de diferentes etnias ou sistemas de saúde.
Além disso, a curta duração do estudo limita a avaliação da eficácia, segurança e desfechos cardiovasculares em longo prazo.
Vale destacar também que a exclusão de pacientes com doença cardiovascular grave ou comorbidades não controladas pode ter resultado em uma população de estudo não totalmente representativa da população real com dislipidemia, o que pode limitar a aplicabilidade dos achados a pacientes de alto risco.
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Conclusão
A combinação de atorvastatina em baixa dose (5 mg) com ezetimiba (10 mg) é significativamente mais eficaz na redução dos níveis de LDL-C do que atorvastatina em baixa dose (5 mg), ezetimiba isolada (10 mg) ou atorvastatina em dose moderada (10 mg) em pacientes com dislipidemia. A terapia combinada também mostra boa eficácia na melhora de outros parâmetros lipídicos, incluindo não-HDL-C, Apo B e a razão Apo B/Apo AI, com início rápido do efeito observado dentro das primeiras 4 semanas de tratamento. Essa abordagem representa uma alternativa viável para pacientes intolerantes a estatinas de alta intensidade ou que não podem usar ou pagar por inibidores de PCSK9.
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