Pacientes que realizam cirurgia de revascularização miocárdica (CRM) necessitam de antitrombóticos ao longo de toda a vida, com objetivo de reduzir eventos cardiovasculares e prevenir a oclusão dos enxertos.
A redução dos eventos isquêmicos é acompanhada de aumento do risco de sangramento, que varia a depender das características do paciente e da intensidade e duração do tratamento. Assim, o tratamento deve levar em conta os riscos isquêmico e trombótico e a decisão deve ser compartilhada entre equipe médica e paciente.
Poucos estudos randomizados avaliaram esse tratamento na população submetida a CRM, sendo a evidência extrapolada de estudos com pacientes que tiveram eventos agudos ou que tinham doença aterosclerótica crônica e que foram também tratados de forma clínica ou com intervenção coronária percutânea (ICP), o que não é o mais adequado.
Recentemente foi publicado um Consenso de três Sociedades da Europa, com objetivo de revisar a evidência científica e fornecer um consenso clínico para o tratamento antitrombótico em pacientes submetidos a CRM. Abaixo seguem os principais pontos abordados.
Propriedades farmacológicos do tratamento antitrombótico disponível
A aspirina inibe o tromboxano A2 de forma irreversível por inibição da ciclooxigenase-1 (COX-1). Já o clopidogrel e prasugrel são pró-drogas que, na forma ativa, se ligam de forma irreversível ao receptor de P2Y12 da plaqueta, enquanto o ticagrelor se liga ao mesmo receptor de forma reversível. O prasugrel e ticagrelor são mais potentes que o clopidogrel, porém levam a maiores taxas de sangramento.
Existe ainda o cangrelor, inibidor também reversível do P2Y12, porém de uso intravenoso. Este tem meia vida curta, de 3 a 5 minutos, e geralmente é utilizado periprocedimento em pacientes sem uso prévio de inibidores do P2Y12.
Além dos antiagregantes citados, existem os anticoagulantes, como a heparina não fracionada (HNF), que se liga a antitrombina III e inativa os fatores de coagulação IIa e Xa e as heparinas de baixo peso molecular (HBPM), que também se ligam a antitrombina III e inibem os fatores IIa e Xa, com predomínio de ação sobre o último.
As principais limitações da heparina são a variabilidade do efeito, a resistência a heparina e a ocorrência de trombocitopenia induzida por heparina e osteopenia.
Os anticoagulantes orais disponíveis são os antagonistas da vitamina K (AVK), com início e término de ação mais lentos, maior meia vida, grande variabilidade individual, interação com outras medicações e necessidade de monitoramento frequente, e os anticoagulantes orais diretos (DOAC), com início e término de ação mais rápidos, possibilidade de doses fixas sem necessidade de monitoramento regular, menos interações medicamentosas e menor sangramento que os AVK.
Avaliação do risco de sangramento
Há duas considerações fundamentais em relação ao risco de sangramento: o momento ideal de se iniciar o tratamento após a cirurgia e sua duração ideal.
A identificação acurada de pacientes com alto risco de sangramento pós CRM continua desafiadora, pois não há ferramentas amplamente validadas nesta população. Um score de risco de sangramento proposto é o WILL-BLEED, que prediz risco de sangramento grave baseado em 7 variáveis pré-operatórias e teve performance melhor que outros scores avaliados.
Manejo dos antiplaquetários no perioperatório
No geral, no pré-operatório, os antiagregantes que atuam inibindo os receptores de P2Y12 devem ser suspensos sempre que possível. Em casos de urgência ou emergência, como nas síndromes coronarianas agudas (SCA), a decisão deve se basear nos riscos trombótico e de sangramento durante a cirurgia e o cangrelor pode servir como ponte neste contexto.
O clopidogrel deve ser suspenso por 5 dias, prasugrel por 7 dias e ticagrelor por 3 dias. A aspirina deve ser continuada em todo o período perioperatório.
Síndromes coronarianas crônicas (SCC)
Monoterapia com aspirina em baixas doses (75-100mg) é o tratamento padrão no contexto das SCC e quando o paciente é submetido a CRM seu uso reduz morbidade e mortalidade e melhora a patência dos enxertos sem aumentar o sangramento no pós-operatório.
Assim, pacientes em uso de aspirina devem mantê-la até o dia da cirurgia e, se não houver contraindicação, deve ser reiniciada, idealmente, em até 6 horas de pós-operatório.
A evidência para utilização de inibidores de P2Y12 é bem mais limitada, já que este tipo de medicação foi estudado mais especificamente em outros contextos. Ainda, o uso de dupla antiagregação plaquetário (DAPT) pós CRM não parece ter benefício claro, exceto por uma melhora na patência dos enxertos, principalmente venosos, podendo seu uso ser considerado por 12 meses nos pacientes com baixo risco de sangramento.
Já o uso de antiagregantes associados a anticoagulantes mostrou benefício em grupos de pacientes com SCC fora do contexto de CRM. O benefício para os pacientes cirúrgicos continua incerto e mais estudos são necessários.
Síndromes coronarianas agudas
Subanálises de grandes estudos que avaliaram inibidores de P2Y12 em pacientes com SCA que fora submetidos a CRM mostraram resultados a favor da utilização de DAPT neste contexto, porém às custas de aumento de sangramento e com limitações do estudo, como o fato de 25-35% dos pacientes não terem retornado o inibidor de P2Y12 após o procedimento e a maioria dos pacientes ter risco de sangramento baixo.
Alguns registros mostraram resultados discrepantes, com alguns mostrando benefício, mas outros mostrando resultados neutros quando comparados DAPT e monoterapia com aspirina, sendo que no primeiro grupo houve aumento de sangramento.
Metanálises sobre o assunto mostram, no geral, benefício de DAPT após cirurgia por SCA, com redução de mortalidade, às custas de aumento de sangramento comparado a monoterapia. O benefício é maior com prasugrel e ticagrelor comparado a clopidogrel.
Assim, a recomendação atual para pacientes com SCA encaminhados para CRM é iniciar ou reiniciar DAPT após a cirurgia, se risco de sangramento baixo, e manter por 12 meses. O inibidor de P2Y12 de escolha é prasugrel ou ticagrelor. Quando o risco de sangramento é alto a opção é por clopidogrel ou apenas monoterapia.
Se o paciente tiver indicação de anticoagulação, esta deve ser combinada com monoterapia com aspirina ou clopidogrel e reiniciada assim que possível no pós operatório.
Fibrilação atrial (FA) no pós-operatório
Aproximadamente 20-30% dos pacientes submetidos a CRM tem FA pós operatória. Esses pacientes tem maior risco de recorrência da arritmia no longo prazo e maior risco de acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico.
Os estudos que avaliaram anticoagulação nesse contexto tiveram resultados discrepantes e uma metanálise com mais de 1,5 milhão de pacientes não mostrou diferença na ocorrência de eventos tromboembólicos, mas aumento de risco de sangramento nos que receberam anticoagulação.
A anticoagulação deve ser avaliada em relação ao risco isquêmico e de sangramento de forma individualizada. Seu início deve ser em até 24 horas da ocorrência da FA e deve ser mantida por pelo menos 4 semanas, com reavaliação ambulatorial. O paciente deve receber também um antiagregante, aspirina ou clopidogrel, e a tripla terapia deve ser evitada.
Quando o paciente já tem FA, os DOAC devem ser reiniciados dois a três dias após a CRM, com baixas taxas de sangramento, juntamente com a terapia antiplaquetária. Após 12 meses, o paciente deve permanecer apenas com o anticoagulante.
Comentários e conclusão
Esse consenso coloca as principais evidências em antiagregação e anticoagulação para pacientes com doença coronária submetidos a CRM. Essa população costuma ser menos estudada que a população submetida a ICP e muitas vezes há dúvida sobre o que fazer em nossa prática diária.
Mais estudos são necessários para elucidar essas dúvidas, mas esse consenso pode dar auxílio e embasar nossas condutas do dia a dia.
Autoria

Isabela Abud Manta
Editora médica de Cardiologia da Afya ⦁ Residência em Clínica Médica pela UNIFESP ⦁ Residência em Cardiologia pelo Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) ⦁ Graduação em Medicina pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) ⦁ Atua nas áreas de terapia intensiva, cardiologia ambulatorial, enfermaria e em ensino médico.
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