Nos últimos anos, houve mudanças nas indicações do uso da aspirina na prevenção primária de doença cardiovascular, de forma que a redução de desfechos cardiovasculares maiores com uso da medicação é contrabalanceada pelo aumento de sangramentos maiores como hemorragia gastrointestinal e intracraniana. Essas evidências foram construídas principalmente a partir das publicações dos trials ASCEND e ARRIVE. O estudo ASPREE (ASPirin in Reducing Events in the Elderly) mostrou resultados semelhantes em idosos saudáveis. Recentemente foram publicados os resultados observacionais do seguimento do ASPREE (ASPREE-XT), em que mais de 15 mil indivíduos consentiram continuar em um seguimento observacional.
Metodologia
O ASPREE foi um ensaio clínico randomizado, duplo-cego e controlado por placebo, foram incluídos 19.114 participantes entre 2010 e 2017, sendo incluídos adultos com ≥ 70 anos (≥ 65 anos para minorias nos EUA), sem antecedentes de doença cardiovascular, demência ou incapacidade funcional. Os pacientes foram randomizados para administração da aspirina 100 mg/dia ou placebo e acompanhados por uma mediana de 4,7 anos. Foi realizado um período pós-trial em que 15.668 indivíduos consentiram em participar do seguimento observacional por mais 4,3 anos (ASPREE-XT), período em que a aspirina foi suspensa.
Os desfechos maiores foram eventos cardiovasculares maiores e presença de sangramento maior. O estudo não demonstrou benefício significativo da aspirina sobre MACE (HR 1,04; IC 95% 0,94–1,15), além de mostrar um aumento de 24% no risco de sangramento maior (HR 1,24; IC 95% 1,10–1,39), principalmente em sítio gastrointestinal. Houve uma tendência de aumento da mortalidade por todas as causas no grupo aspirina (HR 1,06; IC 95% 0,99–1,14). Quando foi feita análise no período pós-trial (após suspensão do tratamento), houve um aumento de 17% no risco de MACE no grupo previamente alocado à aspirina (HR 1,18; IC 95% 1,02–1,37), enquanto que o risco de sangramento maior deixou de ser significativo. Esses dados sugerem que o risco hemorrágico está diretamente relacionado ao uso do antiagregante.
Resultados: aspirina na prevenção primária de idosos
Na análise dos desfechos em separado, não houve redução significativa na incidência de infarto do miocárdio fatal ou não fatal (HR 1,09; IC 95% 0,94–1,26), de acidente vascular cerebral isquêmico (HR 1,06; IC 95% 0,91–1,23) e de mortalidade de causa vascular (HR 1,09; IC 95% 0,89–1,34). Na análise de desfechos hemorrágicos, houve uma tendência de maior risco para hemorragia intracraniana (HR 1,13; IC 95% 0,92–1,39) e um aumento significativo no risco de hemorragia digestiva alta (HR 1,43; IC 95% 1,13–1,81). Não houve diferença significativa entre os grupos em relação a sangramentos fatais (HR 1,10; IC 95% 0,78–1,55).
O seguimento estendido do ASPREE mostra resultados concordantes com os trials ASCEND e ARRIVE. De uma forma resumida, a aspirina não apresentou benefício clínico na prevenção primária de eventos cardiovasculares e que o seu uso aumentou o risco de sangramentos maiores. O ASPREE-XT acrescenta a evidência de ausência de benefício do uso da aspirina idosos saudáveis ao longo do tempo (seguimento global de total de 8,3 anos). Um dado que acrescenta ainda é o achado do aumento do risco cardiovascular com a suspensão da droga (achado não descrito nos demais estudos).
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