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Cardiologia29 dezembro 2023

Como manejar anticoagulantes e antiagregantes no perioperatório?

O manejo de pacientes que estão recebendo anticoagulantes ou antiplaquetários no perioperatório é um problema clínico comum.

Por Isabela Abud Manta

O número de cirurgias eletivas vem aumentado nos últimos anos, assim como pacientes que fazem uso de medicações que aumentam o risco de sangramento, como anticoagulantes e antiagregantes. Foi publicada uma revisão sobre o manejo perioperatório desse tipo de medicação. Abaixo seguem os principais pontos desta revisão.

Como manejar anticoagulantes e antiagregantes no perioperatório

Risco de sangramento e risco tromboembólico

O primeiro passo é avaliar o risco tromboembólico do paciente e o risco intrínseco de sangramento relacionado ao procedimento. Ambos são classificado em baixo, moderado e alto.

Como exemplos de alguns procedimentos de alto risco de sangramento (sangramento maior ≥ 2% em 30 dias) temos as ressecções de tumores sólidos, cirurgias ortopédicas e torácicas maiores, a maioria das cirurgias gastrointestinais e urológicas, de órgãos altamente vascularizados e cirurgias maiores com duração maior que 45 minutos.

Procedimentos de risco intermediário (0-2%) são artroscopia, biópsia de pele e linfonodos, cirurgias de pé e mão, cateterismo via femoral, endoscopia, colonoscopia e broncoscopia com biópsia, colecistectomia laparoscópica e cirurgias de hérnia abdominal e hemorroidas. Já procedimentos de risco baixo (próximo a 0%) são procedimentos dermatológicos menores, oftalmológicos, dentários, implante de dispositivos cardíacos, como marca-passo e CDI e cateterismo via radial.

Em relação ao risco tromboembólico, os pacientes são classificados como alto risco (> 10%/ano de tromboembolismo arterial (TEA) e > 10%/mês de risco de tromboembolismo venoso (TEV)) quando têm valva mitral mecânica associada a fatores de risco para acidente vascular cerebral (AVC), valvas mitral ou aórtica em “gaiola”, AVC/AIT há menos de 3 meses, fibrilação atrial (FA) com CHA2DS2-VASc ≥ 7 ou com doença valvar reumática, TEV há menos de 3 meses, trombofilias graves, síndrome antifosfolípide e câncer ativo com alto risco de TEV.

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Risco intermediário (4-10%/ano para TEA ou 4-10%/mês para TEV) compreende pacientes com prótese valvar aórtica associada a fatores de risco para AVC, CHA2DS2-VASc 5 ou 6, TEV entre 3-12 meses, TEV recorrente, trombofilias não graves, câncer ativo ou história de câncer. Já o risco baixo (< 4%/ano para TEA e < 2%/mês para TEV) compreende pacientes com prótese valvar aórtica sem fatores de risco para AVC, CHA2DS2-VASc entre 1 e 4 e TEV há mais de 1 ano.

O objetivo de estratificar o risco dos pacientes é realizar medidas para reduzi-los. Além disso, é importante conhecer as propriedades das medicações utilizadas para a melhor tomada de decisão em relação ao melhor momento de suspendê-las e reiniciá-las.

Antagonistas de vitamina K

O representante mais conhecido e utilizado desta classe é a varfarina. Diversos estudos já mostraram segurança de manter a medicação em procedimentos considerados de baixo risco, como procedimentos dentários e dermatológicos menores e cirurgia de catarata, com alguns cuidados específicos. Há evidência para sua manutenção também em procedimentos endoscópicos diagnósticos e em implante de marcapasso e CDI, desde que o INR esteja menor que 3.

Nos procedimentos de risco intermediário e alto a medicação deve ser suspensa e a ponte com heparina deve ser considerada para pacientes com risco tromboembólico alto. Geralmente a ponte é feita com as heparinas de baixo peso molecular (HBPM), como dalteparina (100 UI/kg a cada 12 horas) ou enoxaparina (1 mg/kg a cada 12 horas). Nos casos nos quais não está indicada ponte utiliza-se a anticoagulação em dose profilática (enoxaparina 40 mg 1x ao dia) para prevenção de TEV.

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A varfarina deve ser suspensa 5 dias antes do procedimento, quando se espera INR normal (< 1,3) ou próximo ao normal (1,3-1,4), e a HBPM é iniciada 3 dias antes, sendo que a última dose deve ser dada na manhã do dia anterior ao procedimento (24 horas antes). Após o procedimento, a HBPM em dose anticoagulante é iniciada em 24 horas para risco de sangramento baixo ou intermediário e em 48 a 72 horas para risco de sangramento alto. A varfarina pode ser reiniciada nas primeiras 24 horas após o procedimento, geralmente na noite do mesmo dia, independente do risco de sangramento, já que seu início de ação é demorado.

Anticoagulantes orais diretos (DOAC)

Essa classe é representada por medicações com meia vida mais curta: apixabana, dabigatrana, edoxabana e rivaroxabana. Pelos rápido início e término de ação não há necessidade de ponte com heparina.

Como são medicações mais novas ainda não há muitos estudos em perioperatório, porém já temos alguma evidência que é seguro manter essas medicações durante implante de marcapasso ou CDI e ablação do nó AV. Também parece seguro mantê-los em cirurgias dentárias e dermatológicas menores e cirurgia de catarata. Pode-se atrasar a dose quando usado 1x ao dia ou suspender a dose da manhã quando usado 2x ao dia, no intuito de evitar pico de ação durante o procedimento.

Quando é necessária interrupção e o procedimento tem risco de sangramento baixo a moderado, suspende-se 1 dia antes, o que corresponde a interrupção por 30 a 36 horas entre a última dose e o procedimento. Quando o risco de sangramento é alto suspende-se por dois dias, o que corresponde a intervalo de 60-68 horas entre a última dose e o procedimento. Após o procedimento, reinicia-se a medicação após 24 horas no risco baixo a intermediário e 48 a 72 horas no risco alto.

Antiplaquetários

Os antiplaquetários são amplamente utilizados e compreendem aspirina e inibidores do P2Y12 (clopidogrel, prasugrel e ticagrelor). Aspirina, clopidogrel e prasugrel tem efeito por sete a dez dias e o ticagrelor por dois a quatro dias.

Nas cirurgias não cardíacas, a aspirina pode ser suspensa em pacientes com doença coronária estável que não tem revascularização prévia e serão submetidos a cirurgia com alto risco de sangramento. Deve ser mantido caso o procedimento seja vascular, se houve infarto há menos de 1 ano ou o paciente tem revascularização prévia.

No caso de cirurgias cardíacas a aspirina deve ser mantida e o P2Y12 suspenso: ticagrelor três a cinco dias antes, clopidogrel cinco dias antes e prasugrel de sete a dez dias antes.

Pacientes com angioplastia têm as recomendações baseadas no tempo e tipo do stent, localização e importância da artéria tratada. As recomendações variam desde suspensão da dupla antiagregação plaquetária e ponte com inibidor do GpIIbIIIa até manutenção da dupla antiagregação plaquetária. O risco de complicações é maior quanto mais perto da data da angioplastia e permanece alto até seis a 12 meses.

Pacientes que mantem a aspirina no perioperatório têm menos eventos, como infarto agudo do miocárdio e a recomendação atual é manter a aspirina e suspender o segundo antiagregante, conforme os tempos citados acima. Caso o stent tenha sido colocado de duas a quatro semanas antes da cirurgia e a cirurgia não possa ser postergada, pode-se optar por ponte com tirofiban, epitifibatide ou cangrelor.

Cirurgia de urgência ou emergência

Pacientes que não podem aguardar pois têm indicação de cirurgia de urgência ou emergência necessitam de reversão da anticoagulação. A reversão do efeito da varfarina pode ser guiada pelo INR: se menor que dois não há necessidade de nenhuma medicação, se entre dois e três utiliza-se concentrado de complexo protrombínico (CCP) e vitamina K endovenosa.

A reversão dos DOAC não é guiada por exames, já que são limitados. A dosagem do anti-Xa, tempo de trombina e tempo de coagulação podem auxiliar, porém não são amplamente disponíveis e são um pouco mais difíceis de interpretar. Existem antídotos específicos, como andexanet para os inibidores do Xa (apixabana e rivaroxabana) e idarucizumabe para dabigatrana. Se esses agentes não estiverem disponíveis utiliza-se CCP.

Comentários e conclusão sobre o manejo no perioperatório

Atualmente existem recomendações específicas em relação ao manejo da anticoagulação em pacientes que precisam de cirurgia, possibilitando que seja feita com segurança. Porém ainda há o que melhorar no manejo dos pacientes que precisam de cirurgia de urgência e emergência, pacientes que necessitam de ponte com heparina e pacientes que têm antecedente de angioplastia com stent.

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