O propofol é um anestésico intravenoso amplamente utilizado para indução e manutenção da anestesia no centro cirúrgico, bem como para sedação de pacientes em terapia intensiva. Sua rápida indução e recuperação, devido à meia-vida curta, destacam-no como um dos sedativos de escolha para uso no manejo do paciente crítico.
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O guideline de 2018 para prevenção e manejo de dor, agitação/sedação e delirium em terapia intensiva da Society of Critical Care Medicine recomenda o uso de propofol, em vez de benzodiazepínicos, no pós-operatório de cirurgia cardíaca.2 Além disso, o documento também recomenda o uso de propofol ou dexmedetomidina, no lugar de benzodiazepínicos, em pacientes em ventilação mecânica. Ademais, uma metanálise publicada em 2015, demonstrou a segurança do propofol em comparação a outros sedativos.3
Entretanto, o uso do propofol está associado a efeitos adversos, como hipotensão, bradicardia, hipertrigliceridemia e ocorrência da rara síndrome da infusão do propofol quando utilizado em altas doses (> 4 mg/kg/h ou > 67 mcg/kg/min) por período prolongados. Essa síndrome é caracterizada por acidose metabólica refratária, rabdomiólise, hipertrigliceridemia, instabilidade hemodinâmica e insuficiência renal.
Vale destacar que, há mais de 20 anos, o Food and Drug Administration (FDA) emitiu um alerta sobre o uso do propofol, relacionado à elevada mortalidade apresentada em um ensaio clínico randomizado realizado em unidades de terapia intensiva pediátrica.4
Neste contexto, uma nova metanálise foi realizada para avaliar a segurança do propofol em relação a outros agentes hipnóticos, em diferentes cenários clínicos.1
Metodologia e Análise Estatística
Os autores conduziram uma busca por estudos elegíveis nas bases de dados PubMed, Google Scholar e Cochrane Register of Clinicals Trials, utilizando os seguintes critérios de inclusão:
- Ensaios clínicos randomizados;
- Comparação entre propofol e outros hipnóticos em qualquer cenário clínico (perioperatório e pacientes críticos).
O desfecho primário escolhido foi a mortalidade no maior follow-up disponível nos diferentes estudos. A metanálise de efeitos fixos para o cálculo da razão de risco (RR) foi escolhida para a análise estatística.
Resultados
Foram identificados 252 ensaios clínicos, que envolveram um total de 30.757 pacientes. A mortalidade foi significativamente maior no grupo tratado com propofol em relação ao grupo controle (5,2% versus 4,3%; RR = 1,10; IC 95% 1,01 – 1,20; p=0,03). Note que a heterogeneidade entre os trabalhos avaliados foi baixa (I2 = 0%), mas o NNH (número necessário para causar dano) foi de 235.
Esse aumento da mortalidade também ocorreu em subgrupos específicos, como pacientes submetidos à cirurgia cardíaca, pacientes adultos, estudos que utilizaram sedativos inalatórios como comparadores, além de estudos com baixa mortalidade no grupo controle.
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Discussão
Ao realizar uma análise cuidadosa desta metanálise, observamos algumas limitações metodológicas que foram ressaltadas nos comentários ao editor, dificultando a interpretação dos resultados:5,6,7,9
- A mortalidade (desfecho primário) foi avaliada em diferentes pontos temporais de acordo com cada estudo, o que pode afetar os resultados encontrados;
- A diferença significativa de mortalidade foi observada apenas no subgrupo de pacientes em perioperatório de cirurgia cardíaca, sem replicação dos achados em outros subgrupos avaliados (cirurgias não cardíacas e terapia intensiva);
- Ao analisar o forest plot (representação gráfica dos resultados ou gráfico de floresta), constatou-se que apenas um único estudo de Likhvantsev e tal. cruzou a linha da ausência de efeito;8
- Maioria dos estudos contemplados avaliou o cenário perioperatório, com poucos abordando o cenário da terapia intensiva;
- Devido a heterogeneidade da amostra da população avaliada, o modelo de efeitos randômicos deveria ter sido considerado em vez do modelo de efeitos fixos para a análise estatística.
Mensagem final
O propofol pode estar associado a uma redução na sobrevida no perioperatório e em pacientes críticos. No entanto, o número necessário para causar dano (NNH), foi consideravelmente elevado, indicando um aumento absoluto do risco relativamente pequeno. Além disso, a meta-análise apresenta algumas limitações, conforme discutido anteriormente, o que dificulta sua interpretação.
Portanto, o resultado desse estudo não implica que o uso do propofol deve ser abandonado. Em vez disso, sugere-se ponderar seu uso, considerando o cenário clínico específico do paciente e a dose utilizada. Enquanto isso, devemos aguardar a realização de grandes ensaios clínicos randomizados com poder estatístico para fornecer uma resposta definitiva sobre o assunto.
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