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Ginecologia e Obstetrícia2 janeiro 2024

Morbidade gestacional nas vasculites sistêmicas

As vasculites sistêmicas são doenças autoimunes raras que provocam inflamação vascular, levando a diversas complicações e sequelas.

Por Gustavo Balbi

Apesar de acometer, de maneira geral, indivíduos predominantemente acima dos 50 anos, as vasculites sistêmicas podem afetar mulheres em idade fértil, levando a morbidade gestacional. No entanto, dados precisos sobre o risco de parto pré-termo e de doenças hipertensivas da gestação, bem como sobre seus fatores de risco, são escassos nesse contexto.

Visando trazer mais informações sobre o tema, Mettler et al. conduziram um estudo de coorte de base populacional na França.

Leia também: Riscos do uso materno de benzodiazepínicos e drogas Z no início da gestação

Morbidade gestacional nas vasculites sistêmicas

Sobre o estudo

Os autores utilizaram dados de um sistema nacional de seguros de saúde na França, que inclui informações tanto de pacientes internados como ambulatoriais.

Para garantir que as pacientes já possuíam o diagnóstico de vasculite sistêmica antes da gestação, foram incluídas apenas aquelas que já possuíam um CID-10 registrado compatível com vasculite sistêmica OU dispensação de droga para o tratamento de uma vasculite sistêmica, ambos pelo menos 1 ano antes do diagnóstico da gestação.

Após essa triagem inicial, foram incluídas pacientes com idade gestacional de 22 semanas ou mais (no período de 01/01/2013 a 21/12/2018). Foram excluídas gestações múltiplas, gestações ≥ 42 semanas, diagnóstico de vasculite após o nascimento e dados faltantes.

Com relação às vasculites sistêmicas, foram categorizadas em: vasculites de grandes vasos, médios vasos, associadas ao ANCA (AAV), por imunocomplexos, calibre variável e não classificável. Arterite de células gigantes (que, por definição, não acomete mulheres em idade fértil) e vasculites de órgãos isolados foram excluídas.

Os desfechos gestacionais de interesse foram: hipertensão gravídica ou pré-eclâmpsia (CID-10: O11, O12, O13, O140, O141, O149), síndrome HELLP (CID-10: 0142) com ou sem eclâmpsia (CID-10: 015) e parto pré-termo (definido como idade gestacional < 37 semanas — subcategorizado em tardio entre 34-36 semanas, moderado entre 32-34 semanas, muito prematuro entre 28-32 semanas e prematuro extremo < 28 semanas). Também foram registrados o tipo de parto (espontâneo ou operatório), nascido vivo ou não e complicações na gestação.

Reativações da doença foram definidas como necessidade do aumento na dose de prednisona (aumento para ≥ 15 mg/dia se baixas doses previamente ou aumento > 10% se doses elevadas previamente). A exposição a imunossupressores foi avaliada de acordo com a dispensação de pelo menos uma dose desse grupo de medicamentos durante a gestação.

As pacientes foram pareadas na proporção de 1:5 com gestantes sem diagnóstico prévio de vasculites sistêmicas.

Saiba mais: Como fazer a avaliação inicial das vasculites sistêmicas?

Resultados

Das 3.155.723 gestações com mais de 22 semanas no sistema, foram identificadas 646 gestações em 403 pacientes com vasculites (mediana de idade 31, IQR 27-35). Estas foram pareadas com 3.230 gestantes sem vasculites.

As vasculites mais frequentemente identificadas foram doença de Behçet e vasculite por IgA. As taxas de nascidos vivos no grupo das vasculites sistêmicas foi de 98,3%. Pacientes com vasculites sistêmicas tiveram mais comorbidades (principalmente doenças psiquiátricas, hipertensão e doença renal crônica), usaram uma maior quantidade de medicamentos durante a gestação e tiveram maiores dias de internação hospitalar que as pacientes sem vasculite.

Com relação aos desfechos de interesse, a doença hipertensiva da gestação ocorreu em 13,2% das pacientes com vasculites (vs. 4,7%, p < 0,001). Síndrome HELLP e eclâmpsia ocorreram em 9,4% e 1,2%, respectivamente. O OR para doença hipertensiva da gestação nas pacientes com vasculites sistêmicas foi de 1,7 (IC95% 1,3-2,2). Dentre as vasculites sistêmicas mais significativamente associadas com doença hipertensiva da gestação, foram identificadas as vasculites de grandes vasos (OR 4,8, IC95% 2,4-9,0) e vasculites por imunocomplexos (OR 2,3, IC95% 1,5-3,3). Na análise multivariada, doença renal crônica antes da gestação, histórico de hipertensão arterial prévia e subgrupo de vasculite se associaram de maneira independente com a ocorrência de doença hipertensiva da gestação.

Além disso, as pacientes com vasculite apresentaram uma maior probabilidade de parto pré-termo (15,6% vs. 5,6%, p < 0,001), sendo a maioria parto pré-termo tardio. Nesses casos, a maioria foi induzido (63,4% vs. 36,6% espontâneos). O OR para parto pré-termo nas pacientes com vasculites sistêmicas foi de 1,8 (IC95% 1,4-2,3), porém esse risco se deveu mais aos partos pré-termo induzidos (OR 2,7, IC95% 2,0-3,7) do que aos espontâneos (OR 1,0, IC95% 0,7-1,5). Na análise multivariada, idade materna, doença renal crônica antes da concepção e flare da vasculite durante a gestação se associaram de maneira independente com parto pré-termo.

Comentários

Os resultados deste estudo reforçam a importância da morbidade obstétrica nas pacientes com vasculites sistêmicas. Como demonstrado pelos autores, pacientes com vasculites sistêmicas estão sob risco aumentado de doença hipertensiva das gestação e parto pré-termo (particularmente induzido).

Assim, é fundamental que essas pacientes sejam encaminhadas de maneira precoce e apropriada para o seguimento com especialistas em gestação de alto risco. O acompanhamento multidisciplinar é fundamental para melhores desfechos gestacionais nessas pacientes.

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Referências bibliográficas

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