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Terapia Intensiva7 setembro 2024

Visitas estendidas em UTI e redução de estresse pós-traumático 

Estudo publicado na Intensive Care Medicine comparou dois modelos de controle de visitas em 36 Unidades de Terapia Intensiva brasileiras.  
Por Julia Vargas

Apesar de pouco implementadas em todo o mundo, as orientações mais recentes defendem uma presença mais flexível e prolongada de membros da família de pacientes internados na UTI. Esta abordagem visa cultivar uma experiência mais abrangente dentro do ambiente de terapia intensiva, priorizando as necessidades do paciente e da família. 

Políticas flexíveis de visitas à UTI estão associadas à redução dos sintomas agudos de ansiedade e depressão em pacientes e familiares. Além disso, em comparação com políticas de visitação restritivas, as políticas de visitação flexíveis não estão associadas a um risco aumentado de infecções adquiridas na UTI, mortalidade ou tempo de internação mais prolongado. 

Foi realizado um estudo que teve como objetivo avaliar os efeitos da visitação flexível à UTI, comparada à visitação restritiva, na prevalência em um ano de sintomas de estresse pós-traumático, ansiedade e depressão entre familiares de pacientes críticos. 

Este estudo comparou um modelo de visitação flexível em UTI (12 horas por dia) com o modelo de visitação restritivo usual (mediana de 1,5 horas) em 36 UTIs brasileiras.  

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Visitas estendidas em UTI e redução de estresse pós-traumático 

Imagem de DC Studio/freepik

Metodologia

Os mesmos familiares inscritos no estudo foram avaliados por meio de entrevista telefônica estruturada 12 meses após a alta do paciente da UTI para avaliar os efeitos das intervenções do estudo sobre sintomas de estresse pós-traumático, ansiedade e depressão.  

No modelo flexível, um ou dois parentes próximos poderiam visitar o paciente por até 12 horas diárias. Além das visitas de parentes próximos nesse período, os pacientes também podiam receber visitas sociais. Os familiares elegíveis para visitação flexível foram convidados a participar de uma reunião estruturada com o objetivo de instruí-los sobre o funcionamento do ambiente da UTI, procedimentos comuns, trabalho em equipe multidisciplinar, controle de infecção, manejo do delirium e cuidados paliativos. Além disso, os familiares tiveram acesso a material informativo e a um site desenvolvido para ajudá-los a compreender os diferentes processos e emoções associados à permanência na UTI, bem como para estimular sua participação no cuidado ao paciente. 

No modelo de visitação restritivo, os visitantes foram permitidos como antes da randomização, de acordo com o horário local (mediana de 1,5 h/dia). Não era obrigatório que os membros da família participassem de sessões educativas.  

Os sintomas de estresse pós-traumático foram medidos por meio da Escala de Impacto de Eventos (IES-6). O IES-6 é um questionário de seis itens que avalia a intensidade de reações intrusivas e evitáveis ​​relacionadas a um evento traumático específico. 

Os sintomas de ansiedade e depressão foram medidos por meio da Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HADS). A HADS avalia sintomas de ansiedade e depressão em pacientes, considerando a presença de sintomas nos últimos 7 dias. A pontuação máxima em cada subescala é de 21 pontos, e quanto maior a pontuação, maior a presença de sintomas de ansiedade e depressão.   

Foram incluídos 288 familiares do grupo de visitação flexível e 231 do grupo de visitação restritiva na análise dos resultados de longo prazo, totalizando 519 familiares analisados.  

 NUNCA UM POUCO MODERADAMENTE MUITAS VEZES EXTREMAMENTE 
Outras coisas continuam a fazer-me pensar sobre o que aconteceu.      
Pensei sobre o que aconteceu quando não o desejava.       
Tentei não pensar sobre isso.       
Eu percebi que ainda tinha muitos sentimentos sobre o que aconteceu mas não os suportava      
Tive dificuldade em concentrar-me.       
Senti-me defensivo ou em alerta      
  • Perguntas envolvidas na Escala de Impacto de Eventos (IES-6). Além destes questionamentos, a escala relaciona outras informações como gênero, idade e há quanto tempo esse evento aconteceu.
Sinto-me tensa(o) ou nervosa(o)  Eu estou lenta(o) para pensar e fazer coisas 
Ainda sinto prazer nas coisas de que costumava gostar  Eu tenho uma sensação ruim de medo, como um frio na barriga ou um aperto no estômago 
Tenho uma sensação de medo, como se algo terrível estivesse para acontecer Eu perdi o interesse em cuidar da minha aparência 
Sou capaz de rir e ver o lado divertido das coisas  Eu me sinto inquieta(o), como se eu não pudesse ficar parada(o) em lugar nenhum 
Tenho a cabeça cheia de preocupações  Fico animada(o) esperando animado as coisas boas que estão por vir  
Sinto-me animada(o)  De repente, tenho a sensação de entrar em pânico  
Sou capaz de estar descontraidamente sentada(o) e sentir-me relaxada(o) Consigo sentir prazer quando assisto a um bom programa de televisão, de rádio ou quando leio alguma coisa  
  • Perguntas envolvidas na Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HADS). As respostas relacionam frequência (sempre, às vezes, nunca), intensidade (muito, pouco, bastante) e comparação (mais que antes, menos que antes).

Resultados

A prevalência de estresse pós-traumático foi significativamente menor em familiares do grupo flexível de visitação em comparação com familiares de visitação restritiva (21% vs. 30,5% [IC] de 95%, 0,85–0,98; p=0,01). 

As pontuações médias da IES-6 também foram significativamente menores para os familiares de visitação flexível em comparação aos de visitação restritiva (6,35 vs 7,76; [IC 95% – 2,22; – 0,50]; p=0,002).  

A prevalência de ansiedade e depressão possível e provável não diferiu significativamente entre o grupo de visitação flexível e o grupo de visitação restritiva. 

Também não houve diferenças significativas nos escores médios de ansiedade entre os dois grupos de estudo. 

Embora não tenha havido heterogeneidade significativa no efeito das visitas flexíveis sobre os resultados de ansiedade, depressão e estresse pós-traumático entre os subgrupos de familiares, o subgrupo de familiares de pacientes que necessitam de ≥5 dias de internação na UTI apresentaram redução mais pronunciada na ocorrência de estresse pós-traumático com visitas flexíveis. 

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Conclusão

Baseado nos resultados acima, podemos inferir alguns motivos para esses achados. Primeiro, o apoio emocional e social contínuo durante a visita flexível à UTI pode aliviar o estresse e a ansiedade associados à hospitalização do paciente. Em segundo lugar, a maior presença de familiares na UTI pode ter promovido vínculos mais fortes entre familiares e o paciente, criando uma rede de apoio mais resiliente para lidar com as consequências emocionais de doenças graves. Terceiro, a participação ativa no processo de cuidado poderia ter empoderado os familiares, permitindo-lhes participar dos cuidados do paciente na UTI, proporcionando uma sensação de controle e envolvimento que pode ter reduzido sentimentos de desamparo. Em quarto lugar, a comunicação melhorada poderia ter sido facilitada pela visitação flexível, melhorando a interação entre a equipe da UTI e os familiares, promovendo assim uma compreensão mais clara do estado de saúde do paciente e do plano de tratamento. 

Todos esses mecanismos dependem das interações entre pacientes, familiares e equipe da UTI, e o fato de o subgrupo de familiares de pacientes que necessitaram de ≥5 dias de permanência na UTI apresentar uma redução mais pronunciada na ocorrência de complicações pós-traumáticas pode fortalecer essas hipóteses. Por fim, os componentes educativos da intervenção, discutidos em reuniões estruturadas e incluídos em materiais informativos, podem ter sido igualmente importantes para a melhoria dos sintomas de estresse pós-traumático de longo prazo. 

Com base nos resultados deste estudo, pode ser oportuno considerar e promover a adoção de visitas flexíveis como uma medida de qualidade destinada a alcançar melhores resultados de saúde mental para familiares de pacientes hospitalizados em UTI.

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Referências bibliográficas

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